quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

CNJ recomenda ao Judiciário a criação de varas especializadas em direito à saúde


06/08/2013 - 21h35
Luciano Nascimento
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, hoje (6), por unanimidade, recomendação aos tribunais de todo o país para que criem varas especializadas no julgamento de processos relacionados ao acesso à saúde. “A especialização pode propiciar decisões mais adequadas e precisas”, disse a conselheira Maria Cristina Peduzzi, ministra do Tribunal Superior do Trabalho, acompanhando o conselheiro Ney Freitas, relator do processo. Na mesma decisão, o conselho recomendou ao Judiciário prioridade no julgamento de ações que envolvem planos e seguros de saúde.
A recomendação decorre de um pedido de providência encaminhado ao CNJ pelo ex-deputado e atual presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), Flávio Dino, cujo filho morreu em um hospital de Brasília (DF) após sofrer uma crise de asma na escola. Para Dino, houve erro médico no socorro ao filho.
Na petição, Dino pediu ao conselho a edição de uma resolução determinando aos tribunais a especialização de Varas para processar e julgar ações que tenham por objeto o direito à saúde. O argumento principal utilizado no requerimento de Flávio Dino é que o Judiciário tem órgãos especializados em muitos assuntos, como questões trabalhistas, de consumidores, ambientais, violência contra mulher, entre outras, logo deve dedicar a mesma atenção ao maior problema nacional apontado em pesquisas: o mau atendimento, ou negação de atendimento, nas redes pública e privada de saúde.
"É um avanço, apesar de não ser uma resolução, ela aponta para a necessidade de organização do Judiciário para garantir o direito à saúde, que é um direito fundamental”, disse Dino à Agência Brasil. Dino avalia que diante das reclamações e processos cada vez mais frequentes relativas à questão da saúde, é necessária uma maior coerência da organização do Judiciário. "Se é um direito fundamental é preciso que haja um aprimoramento do sistema judicial para atender às demandas da população, com mais rapidez e precisão, pois estamos falando de algo que pode não pode ser perdido", argumentou referindo-se à perda da vida de seu filho.
De acordo com a recomendação, as novas varas para julgar processos envolvendo questões de saúde deverão ser criadas nas varas de Fazenda Pública que agregariam uma nova competência. Outra recomendação aprovada diz que o conhecimento sobre o direito à saúde será cobrado nos concursos públicos para ocupar cargos no Poder Judiciário e também nos cursos de formação dos juízes.
“O cenário normativo envolvido na questão é vasto e exige do magistrado e servidores envolvidos na decisão desse tipo de demanda certa especialização na matéria”, diz parecer do CNJ, anexado à decisão. “A especialização de varas de saúde pública pode garantir maior conhecimento dos magistrados e servidores, decisões mais adequadas e tecnicamente precisas”. 
Segundo relatório do CNJ, há 240 mil ações na Justiça relacionadas ao direito à saúde. A maior parte dos processos são referentes a reclamações de pessoas que reivindicam na Justiça acesso a medicamentos e também a procedimentos médicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como vagas em hospitais públicos e ações diversas movidas por usuários de seguros e planos privados.
Edição: Fábio Massalli
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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Direito A Saber A Origem Genética Em Virtude De Reprodução Assistida Com Doação De Gametas

Leia o artigo: Decisões judiciais no campo da biotecnociência: a bioética como fonte de legitimação


Autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo
 
 
Quando falamos em reprodução assistida, existe a possibilidade de que o sêmen, ou óvulo, não pertença à pessoa que deseja ter o filho. Recorre-se, então, a um banco de doadores.

As clínicas médicas estão preparadas para realizar o procedimento, oferecendo, ao doador do material, sigilo quanto aos seus dados. O compromisso é firmado com os interessados na realização do procedimento, que tomam ciência e assinam termo de compromisso quanto ao sigilo. Portanto, possuem conhecimento de que não será possível exigir informações sobre o doador.
 
É possível impor o sigilo à criança gerada? Ao nascer e crescer, a criança, estará automaticamente envolvida no compromisso firmado entre seus pais e os doadores?
 
O direito à origem biológica, saber quem são os pais biológicos e como sua história teve início, é um direito personalíssimo. Este tipo de direito diz respeito ao Ser de cada indivíduo. São direitos inalienáveis e intransferíveis por serem essenciais ao Ser. Na maioria das vezes são direitos inatos e estão presentes para preservação do bem estar físico e moral da pessoa, portanto, não é exterior ao sujeito. Possuem caráter não-patrimonial, porém, se violados, podem ser objeto de indenização. Assim, todos são obrigados juridicamente a não causar danos aos direitos de personalidade de outrem.
 
Alguns exemplos são o direito ao nome, à liberdade, à integridade física, à honra. O direito ao nome, por exemplo, destaca a individualidade de cada um, distinguindo dos demais. Através do nome, a identidade pessoal é tutelada pelo Estado que deve reconhecer a necessidade de preservar e respeitar a individualidade. Embora não seja um direito inato, porque depende do reconhecimento da relação de filiação biológica ou um ato de concessão, é um direito essencial, pois o ordenamento jurídico, simplesmente, não pode negá-lo, sob hipótese alguma. Os efeitos, deste reconhecimento ou concessão, são retroativos à data do nascimento, o momento em que se adquire personalidade.
 
O direito à identidade pessoal não se limita ao direito ao nome. A imagem também identifica os indivíduos. Ao longo da vida, este direito à identidade pode tornar necessária a mudança do nome, mesmo tratando-se de direito indisponível e irrenunciável, características dos direitos personalíssimos. A indisponibilidade significa que o indivíduo não possui a faculdade de disposição deste direito segundo a própria vontade e a irrenunciabilidade significa que não pode ser eliminado por vontade do seu titular. Todavia, estas características não impedem a mudança do nome, que, por razões diversas, pode ocorrer, pois permanecem, de todo modo, na esfera do próprio titular, com toda intensidade.
 
Uma das razões para mudança é a adoção. Tanto o nome quanto o sobrenome poderão ser modificados pela adoção. Ao mencionarmos que o direito ao nome não é inato, por ser reconhecido na filiação ou concedido, caso a criança seja adotada caberá a concessão do sobrenome dos adotantes e até mesmo a mudança do nome da criança. Ao nascer se reconhece, em regra, a filiação biológica. A adoção proporciona a concessão de uma nova identidade, sem alterar as características de direito de personalidade.
Um bebê, nascido por reprodução assistida, com doação de gametas, não recebe o registro da filiação biológica, mas uma ficção reconhecida pelo direito. O nome, então, é concedido ao bebê. A identidade a ser adquirida deve ser proveniente dos que desejaram a concepção, mas não dos que colaboraram com a doação de gametas. Há um acerto prévio quanto ao reconhecimento. São regras morais e algumas poucas normas legais que traçam este perfil.
 
Para a criança adotada, há extensa legislação quanto aos direitos e deveres decorrentes da adoção, previstas no Estatuto da Criança e Adolescente, legislação de 1990. A par de todo o previsto na lei, há um artigo em especial que desperta atenção. O art. 48, acrescentado em 2009, afirma que “O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”.
 
Este artigo reconhece, expressamente, o direito ao adotado em saber quem são seus pais biológicos, quem é sua família de origem e, ainda, conhecer detalhes de todo o processo que culminou em sua adoção e seus incidentes.
Ainda que admita ser possível somente após os 18 anos, o parágrafo único esclarece que “O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.
A clareza deste norma traz a certeza de que todo adotado poderá buscar sua origem genética, se assim desejar. Este é um direito personalíssimo por se relacionar diretamente com o Ser da criança e ter ligação ao seu interior. Aliás, nada mais ligado ao Ser do que a origem genética de cada um, a própria razão de existir. De tal forma relevante, que, mesmo que se queira, é impossível a alienação ou mutabilidade, o que demonstra ser um direito personalíssimo inato.
 
Caracterizado o direito ao conhecimento da origem genética como um direito personalíssimo, deve-se fazer a correlação com os direitos próprios às crianças nascidas de reprodução assistida. Nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de qualquer forma de discriminação, como consta do art. 5º do ECA. Tratar, as crianças, de forma diferente é deixar de considerar que todos são iguais perante a lei, norma de direito fundamental prevista na Constituição Federal.
 
Por isso, não há razão para não se reconhecer o mesmo direito aos filhos de reprodução assistida, mesmo havendo um contrato de sigilo, o que não ocorre na adoção.
 
O acordo de sigilo é firmado entre a clínica, o doador e os interessados na técnica de reprodução. Qualquer contrato somente faz lei entre as partes. Não se pode submeter um terceiro, que vivenciará o reflexo de todos os atos dos adultos, às regras do acordo, violando seu direito personalíssimo a conhecer sua história de vida.
 
Evidente que, toda criança nascida de técnica de reprodução assistida com doação de gametas, possui o direito personalíssimo a conhecer sua origem genética, seus pais biológicos. Do mesmo modo, devem as clínicas preservar toda e qualquer informação sobre o procedimento ocorrido, sendo passível de indenização civil a destruição destas informações, como ocorreu recentemente em caso judicial no Canadá.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Ressocialização esbarra em tabu e falta de informação - Reincidência de crimes de internos de manicômios é de 5%, contra 70% de detentos comuns

Christina Nascimento


Rio - Um estudo inédito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra dados preliminares que revelam que o índice de reincidência de crimes entres portadores de sofrimento mental é menor do que 5%. No sistema penitenciário tradicional, esse número chegaria a 70%. Isso quebra um dos paradigmas sociais que trava o processo de ressocialização de internos de manicômios judiciais. Neste domingo, O DIA mostrou que 70 pacientes do Hospital Heitor Carrilho já estão em liberdade judicial, mas foram esquecidos na unidade por familiares e o governo municipal.
“A população faz muita confusão entre psicóticos e o psicopatas. Esses últimos são altamente perigosos e não respondem a nenhum medicamento. Trata-se de um transtorno grave de personalidade do indivíduo. Já o que temos nos hospitais de custódia são pacientes que, com tratamento adequado, conseguem voltar para o convívio social”, afirmou Kátia Mecler, que com o também professor da UFRJ César Augusto Rodrigues Costa, conduz o estudo sobre reincidência de crimes no sistema penitenciário.
Jagunço, de 56 anos, deveria estar em liberdade há dois anos, mas permanece abrigado no Instituto Heitor Carrilho: ele diz que não tem parentes
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Dos 70 pacientes que moram no Heitor Carrilho, há casos de pessoas que estão em liberdade há 20 anos. Deles, 34 são da capital e estão aguardando uma vaga em residências terapêuticas — casas mantidas pela prefeituras para auxílio psicossocial — , como determina a lei, em caso de ausência ou recusa da família. Os demais, também liberados pela perícia psiquiátrica, porque foi considerada “cessada a sua periculosidade”, são de 17 outros municípios.
A Secretaria Municipal de Saúde alegou que os 34 abrigados no sistema carcerário já tiveram suas situações e quadros clínicos mapeados pelas equipes, para definir as necessidades e a melhor forma de inserção social de cada um. Segundo o órgão, ainda, o processo de saída segue o cronograma ajustado com o Ministério Público. No entanto, não informou qual é o prazo para a solução do problema.
Já a prefeitura de Duque de Caxias, que tem três ex-internos no Carrilho, disse que pediu à direção da unidade um relatório para saber se é necessário que eles tenham o acompanhamento pelo Centro de Atenção Psicossocial.
Paciente que ganhou liberdade há dois anos ainda está internado
Jagunço, 56 anos, como ele se apresenta, se mostra lúcido: “Chega de cadeia. Já paguei o que fiz”. Diagnosticado com transtorno mental, ele tem na ficha dois homicídios. Entrou para o Heitor Carrilho há 13 anos, e há dois está em liberdade, apesar de continuar morando no antigo manicômio.
Nascido Paulo Roberto Santos, ele fala do passado com uma certa autonomia. Diz com exatidão o nome de um ex-governador do Espírito Santo, o prédio onde trabalhou, nos anos 80, e lamenta não ter parentes. “Acho que eles morreram. Estou melhor do que antes, quando entrei aqui. Agora, sei que não dei a vida para ninguém, por isso não posso tirá-la”, diz ele, que oscila visivelmente de humor quando fala das ‘facadas’ que desferiu nas suas vítimas.
Desde março, o antigo Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, que fica sob responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), passou a se chamar Instituto de Perícias Heitor Carrilho. No próximo dia 8, será feita a inauguração oficial da unidade. Lá, são realizadas todas as perícias psiquiátricos referentes a crimes no estado. O objetivo é que, com o tempo, o local se torne uma referência no país na área de assuntos criminais envolvendo portadores de sofrimento mental.

site O Dia

CAPACIDADE CIVIL E DOENÇA MENTAL – um estudo dos fatores determinantes da incapacidade civil no município do Rio de Janeiro.

Psiquiatria Forense

 
KATIA MECLER
Tese de doutorado – Defesa programada para 19 de outubro de 2007
Instituto de Psiquiatria da UFRJ
Mestre em Psiquiatria UFRJ, Doutoranda em Psiquiatria UFRJ, Psiquiatra Forense do Instituto Médico-Legal Afranio Peixoto e do Hospital de Custódia e Tratamento Heitor Carrilho – RJ, Coordenadora do Departamento de Ética e Psiquiatria Legal da APERJ.
Setembro de 2007 - Vol.12 - Nº 9


A interdição dos direitos civis tem se revelado um tema de extrema importância na psiquiatria forense. A relevância do tema pode ser destacada por aspectos como as recentes modificações nos dispositivos de interdição e curatela com a entrada do Código Civil de 2002. A presente tese contém 4 artigos que focalizam a evolução dos conceitos de interdição e curatela, bem como de sua aplicação, no Brasil. Investigamos os fatores preditivos das interdições civis no município do Rio de Janeiro, comparando-os com a literatura científica disponível na literatura nacional e internacional. Buscou-se descrever o perfil sócio-demográfico, os motivos para os requerimentos, as conclusões dos peritos, a concordância dos juízes e os resultados dos processos de interdição, de quatro varas de órfãos e sucessões, localizadas no fórum do Rio de Janeiro, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2002. Correlacionamos os resultados encontrados e analisamos suas eventuais implicações jurídico-administrativas.
Nossos achados revelaram que as características predominantes da amostra foram: interditandos do sexo masculino (51,1%), caucasianos (77,8%), solteiros (65,4%), com baixo nível de escolaridade (82,8%), qualificação profissional (63,6%), e (73,8%) situação socioeconômica(73,8%), com diagnósticos de Deficiência Mental (38,9%) ou Demência (35,2%), motivados, na grande maioria, por exigência de órgãos da União e dos Estados para a obtenção de benefício em decorrência de incapacidade para o trabalho por doença mental. A maior parte utilizou-se da justiça gratuita (72%) e teve pais, irmãos ou filhos como requerentes (70,2%).
Quando a motivação foi a necessidade de administrar o patrimônio do interditando, prevaleceram mulheres, de nível sócio-econômico, escolaridade e qualificação profissional mais elevados, apresentando quadros demenciais. As conclusões dos peritos foram acatadas pelos juízes em 100% dos processos, e a interdição global de direitos civis foi a sentença em 95,8%.
Foi possível confirmar nossa expectativa inicial, de que, em função das exigências ilegítimas de órgãos da administração pública - que têm o dever legal de dispensarem benefícios sociais para doentes mentais incapazes para o trabalho - e não por efetivos problemas na proteção jurídica dos direitos civis destes pacientes, um grande número de processos de interdição tem curso.
Nossos dados concordam com os dos estudos nacionais citados, no sentido de que as interdições têm sido amplamente conduzidas na medida da existência de motivadores de ordem econômica – recebimento de benefícios ou interesses patrimoniais – e não de ordem assistencial. Esta seria essencial como um instrumento de proteção no tocante a uma exigência ao curador de cuidar dos indivíduos gravemente comprometidos.
Numa perspectiva internacional, nossos dados acerca do grupo interditado por motivo relacionado a interesses patrimoniais concordam com algumas das características dos interditos nos países desenvolvidos: predominância de mulheres, casadas ou viúvas, posse de patrimônio, com diagnóstico de Demência. Isto deve refletir o fato de que este grupo no Brasil é parte da população que pertence aos extratos socioeconômicos mais elevados.
É igualmente um consenso entre os autores nacionais e internacionais a impressão de que poderá ser perversa a não aplicação do instituto da interdição parcial. Os documentos legais mais modernos têm enfatizado a necessidade de preservar nos pacientes portadores de transtornos mentais o exercício autônomo de seus direitos, dentro de seu universo de competências.
É essencial que o tema da capacidade civil e interdição continue sendo estudado e pesquisado, tanto no âmbito da psiquiatria quanto no do direito. O direito do cidadão portador de doença mental deve ser revisado dentro de uma perspectiva atualizada, com o intuito de estabelecer conceitos claros e bem definidos, promovendo a proteção ao cidadão que realmente dela necessita, pelo tempo que realmente necessitar. A interdição total dos direitos civis em todos os casos onde é firmada a presença de alguma doença mental é de uma radicalidade alarmante, e infelizmente esta é a compreensão dada à letra da lei por muitos peritos, promotores, juizes e a sociedade.
Hilda Morana, PhD
 
do site polbr.med.br
 

Dignidade é um conceito inútil, diz Ruth Macklin

Ruth Macklin
Por vezes, as opiniões de Ruth Macklin*, PhD em Filosofia e professora de Bioética do Albert Einstein College of Medicine, Nova Iorque, causam polêmica. Uma das mais recentes foi a esboçada durante o X Congresso Brasileiro de Bioética, realizado em setembro, em Florianópolis, SC, quando afirmou que a Declaração de Helsinque –respeitado conjunto de princípios éticos que regem a pesquisa com seres humanos, da Associação Médica Mundial (sigla em inglês, WMA)– é “pouco importante para os EUA”.

Outro exemplo: há pouco mais de dez anos, ao conceder entrevista exclusiva ao site do Centro de Bioética do Cremesp declarou-se “absolutamente contrária” à prática do duplo standard –quando diferentes padrões de pesquisa são oferecidos aos voluntários, dependendo do país em que o estudo ocorre. Em nova entrevista ao mesmo veículo, a opinião da professora parece ter se flexibilizado: segundo ela, tais estudos trazem benefícios a “nações sem saúde, sem estrutura, sem nada”.

Mas não há comparações ao nível de controvérsia devido ao editorial Dignity is a Useless Concept, em tradução livre, “Dignidade é um Conceito Inútil”, publicado no British Medical Journal, que se juntou às mais de 130 publicações em revistas científicas e livros de sua autoria. “Todos ficaram furiosos comigo, mas a maioria confundiu o que eu disse”, explica, gentil, nessa nova conversa exclusiva.

Veja, a seguir, o que a professora quis dizer a respeito desse e de outros assuntos.

Por Concília Ortona**

Centro de Bioética – Em 2003 a senhora escreveu para o BMJ o editorial “Dignidade é um conceito inútil”, dizendo, inclusive, que “poderia ser eliminado da discussão ética, sem qualquer perda de conteúdo”. Tal opinião deixou colegas bem contrariados. Seu raciocínio foi confundido?

Ruth Macklin – Sei que as pessoas ficaram muito bravas comigo! Na verdade, revoltadas, furiosas: artigos e livros foram escritos em vários países, com o único intuito de brigar comigo.

Mas é claro que não entenderam o que eu disse, que foi: até agora, ninguém conseguiu explicar de forma adequada o conceito de “dignidade”. A palavra é usada como slogan, assunto para levar à frente uma conversa, ou simplesmente como um termo.

Muitos ficam repetindo que determinada conduta “é contra a dignidade”, só que, no final das contas, ninguém define qual é o significado.

Cbio – Mas não acontece como naquela velha história de “não sei explicar o que é pornografia, porém reconheço, quando vejo uma”?

Macklin – Há outras formas de criticar algo, em vez de ficar invocando certo conceito, o qual ninguém nunca explicou.

Vejamos: qual é o prejuízo da pornografia?

Pode-se dizer, por exemplo, que é algo que degrada a mulher, colocando-a como se fosse um objeto a ser usado de forma sexual. Ou que trata pessoas como se fossem animais.

Então, analisando-se o conteúdo da situação relacionada ao termo, é perfeitamente explicável e inteligível considerar a pornografia como degradação.

O mesmo não acontece com “dignidade”. Por exemplo, quando o indivíduo está em um hospital e se vê obrigado a vestir aquelas camisolas abertas nas costas, permitindo a exposição de partes do corpo de sua intimidade, não está perdendo a dignidade, como se argumenta. Na verdade, está se falando de privacidade.

Por outro lado, quando um preceptor chega perto de um leito com um bando de alunos e resolve discutir o caso e examinar o paciente, sem se apresentar ou pedir sua permissão, alguns vão afirmar que está sendo negada a dignidade do doente.

Eu poderia explicar de outro modo: “o paciente têm o direito de saber quem está entrando no seu quarto, continua com seu senso de privacidade”. Ou partir para o argumento: “um comportamento grosseiro é um mau comportamento. O grupo não demonstrou respeito pela autonomia daquele indivíduo”.

Vamos mais longe. Dizem que a clonagem de seres humanos é contrária à dignidade da espécie humana. Realmente não entendo o que querem dizer com isso. Se considerarmos errado clonar seres humanos, precisamos explicar o porquê do erro, quais são os prejuízos, quem será prejudicado, e que direitos serão violados.

Por que precisamos de “dignidade”, quando temos à disposição tantos conceitos tão ricos em conteúdo?

Cbio – Então a senhora não discorda do sentido que se atribui ao termo, e sim, do termo em si?

Macklin – Discordo da aplicação costumeira que se faz do conceito de dignidade. Em Ética e Bioética, há explicações que funcionam perfeitamente bem. Ao escrevermos podemos seguir, por exemplo, a linguagem dos direitos, como autonomia, liberdade, confidencialidade, o direito de tomar as próprias decisões etc. Então porque usamos a dignidade?

Outra forma de lidar com a questão se refere às conseqüências, aos eventuais danos. Tipo, se alguém fizer determinada coisa, outros sairão prejudicados, ou insultados, ou ofendidos. Onde a dignidade entra em qualquer uma dessas afirmações?

Quando as pessoas me criticaram, não perceberam que eu estava fazendo os mesmos julgamentos morais que elas. Não era uma negação da moralidade; da ética; de que devemos cuidar e tratar dos mais vulneráveis. Explicando: me contraponho exatamente ao mesmo tipo de condutas questionadas pela maioria, concordo com os prejuízos que podem causar, só acho que a palavra não faz sentido, pois ninguém conseguiu defini-la.

Cbio – Outro ponto controverso foi mencionado aqui no Congresso pelo professor Volnei Garrafa (UnB), que participou ao seu lado da mesa redonda Revisão da Declaração de Helsinque: Interesses e Tendências. A Declaração não é mesmo importante para os EUA?

Macklin – Preciso clarificar o comentário que motivou o que Garrafa disse. Para ele, a Declaração de Helsinque é considerada importante nos EUA, mas costuma ser rejeitada. O que eu expliquei é que, na verdade, tal diretriz não é importante por lá, porque os norte-americanos têm seu próprio código, no que tange às regulamentações em pesquisas.

Mesmo sabendo que Helsinque é reconhecida ao redor do mundo, isso não acontece por pesquisadores e comitês de ética dos EUA, que optam por seguir uma norma “mais adequada” ao país. (N.da.r: a professora se refere às Diretrizes de Boas Práticas Clínicas, ou Good Clinical Practices – GCP, criticadas internacionalmente por não serem transparentes e por tratarem principalmente de assuntos sobre procedimentos, e não de aspectos éticos).

A Food and Drugs Administration (FDA, agência americana responsável pela liberação de novos fármacos e alimentos) costuma usar a Declaração de Helsinque para guiar estudos internacionais, feitos por grupos pequenos. Mas, na maioria dos casos, abandonou-a, por discordar da proibição do uso de placebo em certas pesquisas com seres humanos.

Veja, meu ponto de vista sobre o fato de o meu país não prestar atenção à Helsinque não é inconsistente com o que o professor Garrafa defende: também penso que os EUA deveriam, sim, ater-se a tal norma –mas isso não ocorre.

Cbio – A senhora é contrária ou favorável ao uso do placebo em pesquisa?

Macklin – Concordo com as previsões da Declaração de Helsinque quanto ao tema, que permitem o uso do placebo apenas em circunstâncias bastante limitadas. Outras hipóteses foram derrubadas na versão de 2008 da diretriz.

Em primeiro lugar é preciso haver uma forte razão científica para o uso. Além disso, o estudo não pode expor os sujeitos de pesquisa a qualquer dano grave ou irreversível. (N. da r: neste sentido, o texto original ressalta: “extremo cuidado deve ser tomado para evitar o abuso desta opção”).

Placebo pode ser usado, por exemplo, perante “condições menores”, como gripe, nariz tapado, calvície e coisas do gênero. Não teria cabimento empregá-lo em situações que demandem de todo cuidado e para as quais existem tratamentos reconhecidos, como Aids, hipertensão ou diabetes.

Só é ok usá-lo se não existir nenhum outro tratamento comprovado. Caso contrário é antiético, porque esta sendo negado ao sujeito de pesquisa algo que poderia efetivamente ajudá-lo a melhorar a sua condição.

Cbio – Em palestra realizada aqui no Congresso o professor e bioeticista chileno Miguel Kottow defendeu: “nunca ao placebo”. É errado?

Macklin – Tal sugestão é forte demais e desnecessária.

Tendo a discordar do uso do placebo na maior parte dos casos. Só que, além dos “males menores” mencionados, há situações bem restritas, para as quais o estudo é dificultado ou inviabilizado, sem o uso desse recurso.

Em outras palavras é válido se, em doenças graves e sem cura, for a única forma de saber se há possibilidades maiores de benefícios do que danos e riscos de poucos efeitos colaterais. Ou seja, a própria doença consegue justificar a metodologia da pesquisa que adota o placebo.

Por exemplo, condições como a doença de Parkinson ou a esclerose múltipla não têm cura e são “flutuantes”, isto é, os sintomas vêm e vão, de maneira cíclica ficam mais fortes e mais fracos. A menos que usemos placebo, não saberemos se é a medicação que está funcionando ou se é a doença que está na fase leve.

Cbio – Em 2002, a senhora afirmou ser “totalmente contrária” a estudos de duplo standard, garantindo, inclusive, que “todas as vezes que alguém discordar, seja quem for, ficarei ao seu lado”. Mas nesta edição do Congresso, em sua conferência Double Standards in Medical Research in Developing Countries, disse que “não são necessariamente injustos ou ruins”. O que mudou?

Macklin – Em literatura, há quem defenda que duplo standard é sempre aceitável em contextos em que as pessoas não têm dinheiro. Minha objeção é que ser pobre, por si só, não pode ser razão para não oferecer à pessoa um padrão melhor.

Porém é diferente das pesquisas que ajudariam de alguma forma os voluntários, mas que ficariam inviabilizadas em locais tão carentes, que não contam sequer com estrutura, remédios e hospitais para realizá-las. Promovê-las, então, ainda que em duplo standard, é melhor do que deixar as pessoas sem nada.

O estudo é ruim e antiético se houver duplo standard em um local em que existir e for disponível um padrão melhor todos os participantes.

Cbio – Tais dificuldades estruturais, em saúde pública e etc correspondem a enormes dificultadoras à realização de certos estudos. Não seria mais fácil, então, fazê-los no país de origem das instituições e pesquisadores?

Macklin – O caso é que algumas condições específicas e doenças ocorrem apenas em lugares pobres. A pesquisa deve ser feita, então, naquela realidade, sob o risco de não garantir que os resultados sejam os mesmos.

Os desenhos dos estudos verificam, inclusive, o comportamento das drogas, em relação aos diferentes grupos expostos; à severidade das doenças; e aos benefícios e danos da substância, em certos países. Algumas vacinas funcionarem melhor em crianças de uma região do que de outra!

Não sou médica, mas eu sei que há variações a serem consideradas.

* Ruth Macklin tem mais de 130 publicações científicas e livros sobre a Aids, reprodução humana, ética do uso de seres humanos em pesquisa e políticas de saúde. Também é conselheira da Organização Mundial de Saúde (OMS), e presidente do Comitê de Revisão Ética da UNAIDS e vice-Presidente da Associação Internacional de Bioética.

** Jornalista do Centro de Bioética. Especialista em Bioética e Mestre em Saúde Pública (USP)
site do bioética do CREMESP

Transplante de útero é realizado com sucesso pela primeira vez na Suécia

Renato Grandelle

Transplante de útero: Pesquisa sueca permitiria que mulheres beneficiadas tenham até duas gestações
Foto: Johan Wingborg/AP
Transplante de útero: Pesquisa sueca permitiria que mulheres beneficiadas tenham até duas gestaçõesJohan Wingborg/AP
RIO - Nove mulheres na Suécia conseguiram receber transplantes de úteros doados por parentes vivas e em breve tentarão engravidar. As pacientes, a maioria na faixa dos 30 anos, nasceram sem o órgão ou tiveram de retirá-lo devido a um câncer cervical. As cirurgias foram realizadas a partir de setembro de 2012, mas o experimento só foi divulgado esta semana.
As tentativas anteriores de realização de transplantes de útero foram mal sucedidas. A última delas foi em 2011, na Turquia. Uma jovem de 22 anos recebeu o órgão do cadáver de uma mulher com quem não tinha parentesco. A gestação foi interrompida duas semanas depois.
Para a Universidade de Gotemburgo, responsável pelos novos transplantes, a escolha de doadoras que são parentes das transplantadas pode diminuir a resistência do organismo das pacientes ao útero.
“Este é um novo tipo de cirurgia”, anunciou, em comunicado, Mats Brannstrom, chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da universidade. “Não temos um livro que nos sirva como guia”.
Segundo Braanstrom, as nove pacientes passam bem. Alguns menstruaram seis semanas depois dos transplantes, um sinal de que os úteros estão saudáveis e funcionando. Uma mulher teve uma infecção e outras apresentaram pequenos episódios de rejeição, mas nenhuma das doadoras ou beneficiadas precisou de acompanhamento médico intensivo após a operação.
As cirurgias não ligaram o útero às trompas de falópio. Desta forma, as mulheres não são capazes de engravidar naturalmente. Mas todas as transplantadas têm seus próprios ovários e conseguem produzir óvulos, que serão removidos para que ocorra, com a fertilização in vitro, a criação de embriões. Depois, os médicos vão transferir os embriões para o útero, permitindo a gestação. A equipe de Gotemburgo acredita que o transplante permitirá, no máximo, duas gestações. Depois, os úteros devem ser retirados, para que não haja riscos de infecção.
Experimento tem apelo popular
O método adotado pelos pesquisadores suecos é polêmico. Presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro (Scorj), Marcelo Burlá preocupa-se com os efeitos do transplante na saúde da paciente e com a possibilidade de que a placenta não leve a quantidade necessária de alimentos para o feto.
— O organismo de uma gestante adapta-se naturalmente para que o útero receba um maior fluxo sanguíneo. Não sabemos se isso ocorrerá em uma participante do experimento — alerta. — A paciente estará sujeita a uma grande quantidade de medicamentos, inibindo o sistema imunológico. Ela pode desenvolver doenças como a hipertensão, que afeta a nutrição do bebê.
Transplantes de órgãos como coração, fígado e rim são realizados há décadas e a medicina está investindo cada vez nos transplantes de mãos, rosto e outras partes do corpo que possam melhorar a qualidade de vida dos pacientes. No útero, porém, os estudos são incipientes.
— O transplante de útero não é uma situação  vital. É possível viver sem o útero, mas não sem o coração ou os rins — destaca Burlá. — A paciente que se submete a um transplante de útero precisará de uma medicação tão intensa quanto o transplantado do coração.
Ainda assim, o estudo sueco pode ter apelo popular. Cerca de uma em cada 4.500 mulheres nasce com uma síndrome conhecida como MRKH, que faz com que não tenha útero. Diretor de Concepção Assistida do Hospital St. Thomas, em Londres, Yacoub Khalaf aguarda os resultados dos novos transplantes.
— Falta saber se o que temos pela frente é uma opção viável para quem não pode engravidar ou se estamos falando de um experimento limitado — diz.

do site o globo

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Pacientes de hospital psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio, voltarão para casa



Luiz Silveira/Agência CNJ

Pacientes de hospital psiquiátrico no Rio voltarão para casa


Em um prazo de dois anos, 88 pacientes atualmente internados no Hospital Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio de Janeiro/RJ, deverão voltar a morar em um lar. A notícia foi dada pelo coordenador de saúde da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, Marcos Argolo, nesta segunda-feira (21/1). A medida faz parte do processo de desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos cariocas que vem ocorrendo desde 2009 e segue o que preconiza a chamada Lei Antimanicomial (10.216/2001), que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.
“A mudança de endereço desses pacientes já deveria ter sido feita há anos; eles já cumpriram as medidas de segurança a que foram submetidos, mas nunca puderam voltar para suas casas por terem perdido o vínculo com a família ou pela falta de uma rede de assistência social que os acompanhe”, explica Argolo. A desinstitucionalização dos pacientes contará com o trabalho das equipes de saúde mental dos municípios, assim como da Justiça.
A ideia é que cada equipe de saúde mental dos municípios daquele estado ajude na tarefa de reintegrar os pacientes em suas respectivas famílias ou no encaminhamento às residências terapêuticas. A manutenção de pacientes em hospitais de custódia que já cumpriram medidas de segurança e que seguem internados por falta de um programa de saúde mental que os acompanhe é um problema que se repete em todo o País.
Na Bahia, após visita dos juízes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram descobertos 31 pacientes em situação análoga. No ano passado, mutirão do Complexo Médico Penal do Paraná descobriu 108 casos de internação com tempo indevido.
“Esse é um dos principais desafios que sociedade e Estado vêm encontrando para cumprir a Política Antimanicomial”, afirma o juiz Luciano Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ. “Apesar de já ter uma década de funcionamento, a verdade é que o Estado brasileiro não se articulou para cumprir a Lei 10.216”, diz o juiz do CNJ.
Em 2011, o CNJ aprovou a Recomendação n. 35, que determina a adoção da política antimanicomial na execução das medidas de segurança dos pacientes judiciários, em concordância com os princípios e as diretrizes da Política Antimanicomial. O texto recomenda aos tribunais, entre outras medidas, que os casos de penas (medidas de segurança) envolvendo dano mental, sempre que possível, sejam cumpridos em regime aberto.
Outras medidas previstas na recomendação são a criação de um núcleo interdisciplinar para auxiliar os juízes nos casos que envolvam sofrimento mental, assim como o acompanhamento psicossocial, de modo contínuo, desses pacientes, sempre que possível em meio aberto. O objetivo é evitar que o paciente se afaste do meio social em que vive ou mesmo perca os laços familiares.
No Rio de Janeiro, há 274 pacientes internados nos três hospitais de custódia do estado: 127 estão no Hospital Henrique Roxo e 59 estão no Hospital Roberto Medeiros. Aguardam a desinstitucionalização apenas os demais 88 pacientes do Hospital Psiquiátrico Heitor Carrilho.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

site CNJ

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

As clínicas de fertilização in vitro escondem os riscos da PGD dos pais?


por Michael Cook
Casais americanos que fazem o diagnóstico genético pré-implantatório (PGD), em seus embriões, quase nunca são informados sobre os riscos potenciais do procedimento, segundo o biólogo do Wellesley College, no Journal of Medical Ethics . Sem esta informação vital, diz Michelle LaBonte, os pais não são capazes de dar o consentimento informado.

PGD, ou triagem de embriões, tornou-se um padrão de serviço em clínicas de fertilização in vitro. Um técnico remove uma célula de um embrião de 8 células e testa-o de defeitos. Se passar, é implantado no útero.

Em um artigo potencialmente explosivo, o Dr. LaBonte afirma que "nos esforços para eliminar o risco através do uso do PGD, podemos, de fato, criar um novo conjunto de riscos, talvez ainda mais preocupantes do que aqueles que estamos tentando evitar." Ela baseia suas afirmações através de uma pesquisa nos sites das 262 clínicas norte-americanas que oferecem PGD. Ela constatou que "86,6% dos centros afirmam que o PGD é seguro e / ou deixam de divulgar quaisquer riscos em seus sites, apesar do fato de que o impacto do procedimento na saúde a longo prazo da prole não está provado".

Clínicas de fertilização in vitro têm adotado a tecnologia de PGD para uma ampla gama de usos - de eliminar embriões defeituosos através de testes de defeitos genéticos ou para seleção de sexo - sem uma profunda compreensão dos riscos envolvidos. Ela cita um especialista em fertilização in vitro que admitiu com pesar que "[T] bebês que resultaram não estão em idade reprodutiva ainda, e, por isso, não sabemos que tipo de efeitos esta técnica tem sobre o ser humano adulto ... E eu considero ainda experimental a retirada de uma célula de um embrião. "

Ela ressalta que isso já aconteceu antes. Durante anos a amniocentese foi apresentado como totalmente segura até que estudos mostraram que houve um aumento do risco de aborto espontâneo.

Dr. LaBonte especula sobre o porquê de os riscos de PGD estão sendo ignorados. Ela dá seis razões:

* Os pais estavam tão preocupados com a doença genética de um primeiro filho que negligenciaram os riscos de PGD para um segundo filho.
* Médicos dissipam as dúvidas dos pais.
* A opção dos pais supera os perigos para o embrião: "Ao contrário de 'fumantes passivos', potenciais embriões biopsiados não estão em posição de buscar regulamentação desse procedimento."
* O debate sobre a ética do uso de PGD para criar "bebês projetados" distraiu a atenção dos pais de sua segurança.
* Não houve falhas catastróficas amplamente divulgadas ainda.
* "As recompensas financeiras do PGD representam conflitos de interesses para os fornecedores."

Dr. LaBonte conclui que as clínicas de fertilização in vitro devem informar os seus clientes que PGD ainda não é uma tecnologia comprovada.

"Futuros pais de bebês de PGD devem estar cientes de todas as informações de segurança, incluindo a de estudos humanos e animais, e serem informados de que, a longo prazo, estudos de segurança definitivos ainda não foram realizadas. Qualquer coisa a menos não deve ser considerado como consentimento informado.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Deficiência e Justiça: um estudo de caso sobre a visão monocular -dissertação de mestrado

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Dissertação de Mestrado - Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, 2011

Autora: Arryane Vieira Queiroz

Esta dissertação investiga como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chegou à conclusão de que pessoas com o impedimento corporal da visão monocular podem concorrer em concursos públicos dentro da margem reservada de vagas para deficientes. Ao formular o enunciado nº 377, em 5 de maio de 2009, esse tribunal superior decidiu em sentido oposto à legislação em vigor, o Decreto nº 3.298/1999. Essa norma federal, que regulamenta a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência no Brasil, traçou um conceito legal para deficiência visual no qual a visão monocular não se enquadra. A reserva de vagas em concursos públicos é uma política de ação afirmativa, que segrega para promover a inclusão de deficientes no mercado de trabalho, aqui visto como uma possibilidade de promoção da saúde humana. Ser deficiente é condição para pleitear o benefício; porém, nem todos os impedimentos corporais geram desvantagem social, ou seja, restrição de participação social. Deficiência é um conceito complexo que reconhece o corpo com impedimentos, mas que denuncia a estrutura social que aparta do convívio social a pessoa deficiente. A construção desse conceito decorre do extenso debate internacional sobre deficiência, marcado pelo modelo médico e pelo modelo social. Entre esses dois modelos teóricos há uma mudança na lógica da causalidade da deficiência: para o modelo médico, a causa da deficiência está no indivíduo; para o social, está nos arranjos da sociedade, hostil à diversidade corporal. A metodologia escolhida nesta pesquisa foi o estudo de caso, que viabilizou a análise de cada um dos sete julgamentos que precederam à edição do enunciado nº 377. À luz dos estudos sobre deficiência (disability studies) e orientada pela perspectiva fraseriana de justiça, que considera que o não reconhecimento significa subordinação social e privação de participar como um igual na vida social, a análise dos argumentos dos julgadores mostrou que a Justiça brasileira, representada pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não enfrentou a controvérsia de que a visão monocular é um caso-limite para a deficiência; que a cultura da normalidade e o modelo médico da deficiência dominaram a fundamentação judicial; e que os estudos sobre deficiência (disability studies), aliados à noção fraseriana de justiça, foram ignorados nesse processo decisório.
 Palavras-chave: visão monocular- Justiça- saúde- Deficiência- modelo social da deficiência-reserva de vagas- ação afirmativa - mercado de trabalho

Leia na íntegra

Visão Monocular: análise à luz da legislação

Ab initio, para melhor alumiação do tema, necessário trazer à lume as espécies normativas pátrias que tratam da proteção, do apoio e da integração das pessoas portadoras de deficiência, e a que estabelece o conceito de deficiência visual.
A Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.
Regulamentando a referida Lei Federal, adveio o Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Esse Decreto tratou da deficiência visual em seu artigo 4º, inciso III, ad verbum:
Artigo 4°. É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:
[...]
III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo artigo 70 do Decreto 5.296, de 02.12.2004) [...]
Analisando esse dispositivo legal, percebe-se um equívoco do legislador em não classificar, expressamente, a visão monocular como deficiência visual, o que gerou uma dissensão no âmbito jurídico.
Primeiramente, verifica-se que o referido dispositivo pressupõe a existência de visão binocular, não tratando da visão monocular especificamente, já que seu texto faz referência às expressões “melhor olho” e “ambos os olhos”, o que presume visão nos dois olhos. [1]
Além disso, não se deve fazer uma interpretação estritamente literal desse dispositivo, de maneira isolada, pois levaria à injusta, ilegal e inconstitucional conclusão de que a visão monocular não seria considerada deficiência visual. O que, data maxima venia, é um disparate, uma vez que a visão monocular cria barreiras físicas e psicológicas, e restrições para as atividades dos portadores, configurando uma verdadeira deficiência; deficiência esta que, na maioria das vezes, é mais comprometedora do que a perda parcial de visão nos dois olhos.
Dentro desse contexto, deve-se utilizar a exegese teleológica e sistemática, verificando a real finalidade da norma, a essência para a qual ela foi criada e a intenção do legislador; ademais, deve-se conjugar e harmonizar os artigos da citada legislação federal. Nesse diapasão, fazendo uma análise conjunta dos artigos 3º e 4º, inciso III, do Decreto 3.298/99, verifica-se que a visão monocular se encaixa no conceito de deficiência permanente inserto nos incisos I e II do citado artigo 3º, que estabelecem, ipsis litteris:
Artigo 3º.[...]
I – deficiência - toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos;[...]
Com efeito, na aplicação e na interpretação da aludida Lei e do seu respectivo Decreto, devem ser considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, da integração social, e outros indicados na Constituição Federal ou justificados pelos princípios gerais do Direito.
Nessa trilha de raciocínio, os Tribunais Superiores [2], inclusive o Superior Tribunal de Justiça [3] e o Supremo Tribunal Federal [4], vêm se posicionando no sentido de que o portador de visão monocular é considerado deficiente visual, inclusive para efeitos de reserva de vagas em concurso público. Nesse sentido é a Súmula n°. 377 do Superior Tribunal de Justiça. [5]
Acrescenta-se que, malgrado essa questão esteja pacificada na jurisprudência pátria, tramita, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 7.699/2006, que institui o Estatuto do Portador de Deficiência e dá outras providências, e, em seu artigo 2º, inciso III, alínea “a”, define a visão monocular como deficiência visual, extirpando, assim, quaisquer eventuais dúvidas sobre o assunto.
Destarte, conclui-se, com supedâneo nos diversos argumentos jurídicos expostos e nas normas de apoio, proteção e integração às pessoas portadoras de deficiência, que a visão monocular deve ser entendida como deficiência visual, cuja reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual constitui política de ação afirmativa, que se insere nos objetivos da sociedade fraterna e sem preconceitos consagrada no preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
Notas:[1] Entrementes, ainda que se analise sob a luz desse inciso, asseverou o Ministro Carlos Britto, em seu voto como relator no RMS 26.071/DF que, verbatim: “[...] 17. Parece-me claro, então, que a situação dos autos se encaixa na penúltima hipótese, ou seja, quando “a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60%”. Em outras palavras: se a visão do recorrente é monocular, isto significa que, por melhor que seja o seu olho bom, estará ele aquém de 60% da potencialidade máxima dos dois órgãos da visão humana. [...]” (STF, 1ª Turma, excerto do voto do Ministro Carlos Britto, Relator no RMS n°. 26071, julgado em 13.11.2007, e publicado em 01.02.2008 no DJe-018; Ementário vol. 2305-02, p. 314).
[2] Cf. TRF, 1ª Região, 5ª Turma, AC n°. 2000.34.00.015596-4/DF, Relª. Desª Federal Selene Maria de Almeida, j. 24.06.2009, DJF 03.07.2009, p. 65; TRF, 1ª Região, 5ª Turma, AMS n°. 2006.34.00.013357-6/DF, Relª. Desª Federal Selene Maria de almeida, j. 15.12.2008, DJF 13.02.2009, p. 539; TRF, 2ª Região, AC n°. 200951010095835, Rel. Des. Federal Reis Friede, j. 09.07.2009; TRF, 3ª Região, Órgão Especial, MS n°. 2008.03.00.032124-0/SP, Relª. Desª. Federal Anna Maria Pimentel, j. 27.05.2009, DJF 09.06.2009, p. 89; TRF, 3ª Região, Órgão Especial, MS n°. 2008.03.00.029836-8/SP, Rel. Des. Federal Baptista Pereira, j. 29.10.2008, DJF 11.11.2008; TRF, 4ª Região, Corte Especial, MS n°. 2008.04.00.029808-5/RS, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, j. 26.03.2009, DJ 06.04.2009; TJSP, 8ª Câmara de Direito Público, AI n°. 8967175000, Rel. Des. Rubens Rihl, j. 03.06.2009, DJ 06.07.2009; TJSP, 12ª Câmara de Direito Público, Ap. com Revisão n°. 8429465500, Rel. Des. Prado Pereira, j. 04.03.2009, DJ 07.04.2009; TJRS, 2° Grupo de Câmaras Cíveis, MS n°. 70028967677, Rel. Des. Rogério Gesta Leal, j. 10.07.2009, DJ 17.07.2009; TJRS, 3° Câmara Cível, AC n°. 70021648217, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 08.11.2007, DJ 03.12.2007; TJDFT, Conselho Especial, MS n°. 20080020068573, Rel. Des. Otávio Augusto, j. 01.07.2008, DJ 10.08.2009, p. 84; TJDFT, Conselho Especial, MS n°. 20080020189259, Rel. Des. Sérgio Bittencourt, j. 07.07.2009, DJ 29.07.2009, p. 31; TJCE, Tribunal Pleno, MS n°. 2008.0029.5472-5/0, Rel. Des. Francisco Haroldo R. de Albuquerque, Rev. Des. Fernando Luiz Ximenes Rocha, j. 28.05.2009; TJAC, Tribunal Pleno, MS n°. 2007003539-6, Rel. Des. Miracele Lopes, j. 12.03.2008.
[3] Cf. STJ, Sexta Turma, AgRg no RMS 20190/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 12.06.2008, DJE 15.09.2008 – em especial o voto do Ministro Relator; STJ, Terceira Seção, MS n°. 13.311/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. 10.09.2008, DJe 01.10.2008; STJ, Terceira Seção, AgRg no MS n°. 13.311/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. 27.02.2008, DJe 08.05.2008; STJ, Sexta Turma, AgRg no RMS n°. 20.190/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 12.06.2008, DJe 15.09.2008; STJ, Quinta Turma, AgRg no RMS n°. 26.105/PE, Rel. Min. Felix Fischer, j. 30.05.2008, DJe 30.06.2008; STJ, Quinta Turma, RMS n°. 22.489/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 28.11.2006, DJ 18.12.2006, p. 414; STJ, Quinta Turma, RMS n°. 19.257/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 10.10.2006, DJ 30.10.2006, p. 333; STJ, Quinta Turma, RMS n°. 19.291/PA, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.02.2006, DJ 03.04.2006, p. 372.
[4] Cf. STF, Primeira Turma, RMS n°. 26071, Rel. Min. Carlos Britto, j. 13.11.2007, DJe-018 de 31.01.2008, publicado no dia 01.02.2008; Ementário volume 2305-02, p. 314.
[5] Súmula 377 do STJ: “O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”.

Sumula 377 STJ: visão monocular é razão para concorrer em vaga de deficiente

SÚMULAS Nova súmula: visão monocular é razão para concorrer em vaga de deficiente
A condição de deficiência da capacidade de visão em apenas um dos olhos já é reconhecida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agora, a Terceira Seção foi além e transformou o entendimento em súmula, um enunciado que indica a posição do Tribunal para as demais instâncias da Justiça brasileira. A partir de reiteradas decisões, ficou consignado que “o portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”.

A Súmula 377 teve como relator o ministro Arnaldo Esteves Lima. As referências legais do novo enunciado foram a Constituição Federal (artigo 37, inciso VIII), a Lei n. n. 8.112/90 (artigo 5º, parágrafo 2º) e o Decreto n. 3.298/99 (artigos 3º, 4º, inciso III, e 37).

Diversos precedentes embasaram a formulação do enunciado da nova súmula. No mais recente deles, julgado em setembro de 2008, os ministros da Terceira Seção concederam mandado de segurança e garantiram a posse a um cidadão que, em 2007, concorreu ao cargo de agente de inspeção sanitária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Devidamente aprovado, foi submetido à avaliação de saúde. Ocorre que o laudo concluiu que o candidato não estaria qualificado como portador de deficiência por não se enquadrar nas categorias especificadas no Decreto nº 3.298/99. Inconformado, o candidato ingressou com mandado de segurança no STJ.

O relator foi o ministro Felix Fischer. Ele observou que a visão monocular constitui motivo suficiente para reconhecer o direito líquido e certo do candidato à nomeação e posse no cargo público pretendido entre as vagas reservadas a portadores de deficiência física (MS 13.311).

Cegueira legal
Noutro caso analisado anteriormente pelo STJ, em outubro de 2006, um candidato ao cargo de técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) protestava contra a negativa de inclusão do seu nome na lista dos deficientes. Ele é portador de ambliopia no olho esquerdo, sendo considerada cegueira legal neste olho (acuidade visual 20/400 com correção).

O recurso em mandado de segurança foi julgado pela Quinta Turma. O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, destacou que a deficiência de que o candidato é portador não foi contestada nos autos, restringindo-se a discussão apenas à hipótese de o portador de visão monocular possuir direito a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiência física em concursos públicos (RMS 19.257).

De acordo com o ministro relator, o artigo 4º, inciso III, do Decreto 3.298/99, que define as hipóteses de deficiência visual, deve ser interpretado de modo a não excluir os portadores de visão monocular da disputa às vagas destinadas aos portadores de deficiência física. De acordo com o artigo 3º do mesmo decreto, incapacidade constitui-se numa “redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida”.

Outros precedentes: RMS 19.291, RMS 22.489, Agravo Regimental (AgRg) no RMS 26.105 e AgRg no RMS 20.190.
A notícia refere-se aos seguintes processos:

sábado, 11 de janeiro de 2014

Neuroimagem e mediunidade: uma promissora linha de pesquisa


Neuroimaging and mediumship: a promising research line
rev psiq clin 2013; 40(6):225-32

Julio F. P. Peres1, Andrew Newberg2
1 Instituto de Psiquiatria (Proser), Universidade de São Paulo (USP).
2 Jefferson-Myrna Brind Center for Integrative Medicine, Thomas Jefferson University, Philadelphia, Pennsylvania, United States of America.
Recebido: 30/10/2013 – Aceito: 30/10/2013
Resumo
A relação mente-corpo tem despertado perguntas e debates desde os tempos das milenares tradições religiosas e dos antigos gregos até a neurociência contemporânea e, apesar de essas questões ainda não terem sido decisivamente respondidas, atualmente intervenções terapêuticas são orientadas por suposições a esse respeito. As investigações sobre os correlatos neurais da consciência e expressões mentais progrediram ao longo dos últimos 15 anos por meio do desenvolvimento de métodos de imagiologia funcional do cérebro. Essa abordagem pode abrir novas perspectivas para investigação da expressão de consciências supostamente espirituais com importantes implicações éticas, sociais e filosóficas. Propomos uma promissora nova linha de pesquisa em neurociências e discussão de algumas questões pertinentes à efetiva utilização da neuroimagem como potencial método de investigação da mediunidade para avançar a compreensão consensual a respeito da consciência, da suposta comunicação espiritual e suas relações com o cérebro. Destacamos certos aprendizados e desafios metodológicos adquiridos em nossa pesquisa neurofuncional sobre mediunidade a serem considerados em novos estudos nesse campo para formulação de hipóteses a respeito de tais fenômenos e discutimos orientações úteis para estudos de neuroimagem envolvendo experiências espirituais em geral.

Peres JFP, Newberg A / Rev Psiq Clín. 2013;40(6):225-32

Palavras-chave: Mediunidade, consciência, dissociação, neuroimagem, SPECT.
Abstract
The mind-body relationship has prompted debate from the times of millennial religious traditions and the ancient Greeks through to contemporary neuroscience, and although these questions have yet to be decisively answered, therapeutic interventions today are guided by assumptions made in this respect. Research on the neural correlates of consciousness and mental expressions has made progress over the last 15 years by developing functional brain imaging methods. This approach may open up new perspectives for studies of the expression of presumed instances of spiritual consciousness, which would have major ethical, social and philosophical implications. We pose a promising new line of research in the neurosciences and discuss certain issues pertaining to the effective use of neuroimaging to investigate mediumship and advance the consensus comprehension of consciousness, alleged spiritual communication and its relations with the brain. We highlight methodological challenges and lessons gleaned from our neurofunctional study of mediumship to be considered for further research in this field when formulating hypotheses to address these phenomena, and discuss useful guidelines for neuroimaging studies of spiritual experiences in general.

Peres JFP, Newberg A / Rev Psiq Clín. 2013;40(6):225-32

Keywords: Mediumship, consciousness, dissociation, neuroimaging, SPECT.
Introdução
Há atualmente diversas teorias que procuram explicar a consciência e a personalidade por meio de um extenso espectro de hipóteses, tais como interações de fatores ambientais, psicossociais, neurais, genéticos e espirituais1-3. A fonte e o suposto término da "vida psíquica" vêm sendo debatidos desde as milenares tradições religiosas e antigos gregos até a neurociência contemporânea, mas sem o estabelecimento de um consenso4-6. Contudo, a visão do homem e a da natureza que o constitui são esteios que norteiam as intervenções terapêuticas dos profissionais da saúde7-11. Aproximadamente 40% dos cientistas americanos acreditam em Deus e mantêm visões dualistas quanto à relação mente-cérebro e 7,9% dos membros da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos acreditam na vida após a morte12. Suposições a respeito da relação entre a mente e o cérebro têm implicações filosóficas, científicas e práticas3,13. A etiologia do sofrimento humano, da consciência e dos fatores que constituem a personalidade é de interesse essencial aos profissionais que se ocupam de tratar a dor psíquica em suas inúmeras expressões10. Nenhuma teoria da Psicologia pode ser vista como completa se não levar em consideração as experiências consideradas como paranormais/anômalas14. Essas experiências parecem ser relativamente comuns na população em geral (48%) e aqueles que as relataram às vezes/frequentemente as descreveram como altamente significativas15. Investigações sobre a mediunidade – em que um indivíduo (o médium) alega se comunicar com a (ou ser controlado pela) mente de uma pessoa morta – estão situadas nessa agenda de experiências anômalas. Por exemplo, o estudo clássico de Pierre Janet16 sobre a dissociação examinou vários médiuns; a tese de doutorado de Carl Jung17 envolveu um estudo de caso mediúnico; e William James14 pesquisou a médium Leonore Piper. Mais recentemente, apesar de alguns resultados apresentarem acertos de informações altamente significativos por parte dos médiuns18,19, outras investigações obtiveram resultados não significativos20,21, provocando consideráveis debates metodológicos19,20. Persiste, portanto, a necessidade de estudos controlados sobre a mediunidade, com critérios adequados para que pesquisadores investiguem se os médiuns podem manifestar informações específicas e precisas não obtidas por vias conhecidas e, em caso afirmativo, em que condições isso ocorre19. Outras linhas de pesquisa devem ser associadas à investigação da mediunidade e consideramos que a neurociência pode contribuir significativamente com geração de dados neurofuncionais relativos ao conhecimento mais amplo sobre os fenômenos mediúnicos em que, supostamente, a consciência e a volição do médium estão atenuadas ou mesmo dissociadas22.

As investigações sobre os correlatos neurais da consciência e expressões mentais progrediram ao longo dos últimos 15 anos por meio do desenvolvimento de métodos de imagiologia funcional do cérebro23,24, o que permitiu pesquisadores observarem a dinâmica cerebral envolvida em estados supostamente inconscientes de coma/vegetativo em estados minimamente conscientes e síndrome de encarceramento23. As descobertas sobre as atividades de circuitos neurais relacionados à compreensão cognitiva dos indivíduos aparentemente inconscientes favoreceram a melhor qualidade das terapêuticas psicológicas e médicas nesse âmbito25,26. Por outro lado, considerando as várias hipóteses a respeito do problema mente-cérebro que discutiremos a seguir, também seríamos capazes de observar a atividade cerebral atenuada durante atividades mediúni­cas, quando um espírito é supostamente o autor do conteúdo que um médium está expressando em palavras, escrita, pintura etc. A abordagem neurocientífica pode abrir novas perspectivas para investigação da expressão de consciências supostamente espirituais com importantes implicações éticas, sociais, filosóficas, assim como no âmbito da saúde.

O tema a que se propõe este artigo envolve um terreno fronteiriço e paradoxalmente desgastado em conflitos históricos controversos, que brevemente abordaremos aqui. Temos como objetivo apresentar uma nova e promissora linha de pesquisa no âmbito das neurociências e discutir algumas questões pertinentes à efetiva utilização da neuroimagem como potencial método de investigação da consciência, da suposta comunicabilidade espiritual e suas relações com o cérebro.
O debate mente-cérebro na perspectiva histórica
Ao final do século VI a.C., na Magna Grécia, Crotona foi a cidade que mais se destacou das escolas de medicina, quando as doenças do corpo humano foram examinadas de forma experimental, em vez de serem atribuídas a razões sobrenaturais. Alcmeão, um dos médicos-filósofos mais interessados ​​em fisiologia humana na tradição médica de Crotona, declarou que a alma era imortal e foi possivelmente o pioneiro no conceito da relação entre o cérebro e a mente, identificando o cérebro como o centro da compreensão, percepções, sensações e pensamentos27.

Em continuidade a essa linha histórica, observamos que debates filosóficos do século XVIII apresentam controvérsias ainda atuais sobre o problema mente-cérebro. O conceito neurofisiológico chave da segunda metade do século XVIII foi a doutrina da equipotencialidade de todas as estruturas cerebrais, incluindo o córtex de Haller. Pouco antes de 1800, em uma tentativa de conciliar a filosofia e a ciência, o anatomista Samuel Thomas Soemmerring sugeriu que os fluidos ventriculares seriam o órgão imediato da alma. A refutação dessa hipótese e a ascensão da doutrina frenológica de Franz Joseph Gall (1758-1820) – a qual postulava que a personalidade e os traços de caráter complexos (combatividade, esperança, entre outros) são controlados por áreas do cérebro que se expandem à medida que esses traços se desenvolvem – marcam o debate de localização cerebral no fim da era pré-moderna28. Hoje, cuidadosamente, filósofos e neurocientistas, no campo da neuroética, têm discutido se a neuroimagem seria de fato uma ferramenta de pesquisa revolucionária ou somente uma "sofisticada" repetição frenológica dos nossos tempos29,30. Além disso, são discutidas as implicações da suposta autonomia do cérebro em produzir a mente no campo da ética e as potenciais consequên­cias prejudiciais quanto à responsabilidade de cada um de nós sobre nossos atos a partir da exclusiva "biologização" da experiência humana31. Dois mil e quinhentos anos mais tarde, contribuições como a de Alcmeão continuam influenciando debates entre filósofos, naturalistas e neurocientistas da atualidade32.

Alguns estudiosos têm argumentado que a crença na alma é culturalmente universal33,34, provavelmente por ajudar as pessoas a explicarem a experiência subjetiva da própria mente, que parece ocorrer de maneira não vinculada a qualquer evento físico35. Nesse sentido, Dennett36 entende que a crença teológica tem um significado evolutivo e pode ser vantajosa nas nossas relações com o outro, considerando a teoria da "postura intencional", quando explicamos eventos ou comportamentos mentais volitivos (ou "da vontade própria"). Além disso, estudos com neuroimagem funcional mostraram correlatos neurais para muitos fenômenos mentais/psicológicos, incluindo os juízos morais37,38, expressões emocionais39 e efeitos neurobiológicos da psicoterapia40,41. Tais pesquisas conquistaram também a atenção da mídia e do público em geral. A captura de imagens vívidas do cérebro "iluminado" durante a atividade mental parece sugerir aos leigos "provas concretas" de que a mente é uma expressão decorrente do cérebro. Apesar dos muitos avanços da neuroimagiologia funcional, há ainda uma questão epistemológica da mente que a neurociência pode não ser capaz de resolver, chamada de "hard problem of consciousness"1 ou de "explanatory gap"42. Por outro lado, alguns materialistas reducionistas afirmam que não há "perguntas difíceis" a serem respondidas ou mesmo "lacunas" a serem explicadas, porque a mente não pode existir separada do cérebro: a mente é o cérebro. Nesse sentido, as experiências mentais seriam explicadas exclusivamente pela atividade cerebral2.

Hoje, uma significativa parcela de investigadores da Inteligência Artificial acredita ser possível construir algoritmicamente a alma humana43,44. Esse ponto de vista nega a "separação" dos fenômenos mentais e físicos, sendo a mente análoga à operação de sofisticados softwares cerebrais45. Todavia, não houve acordo sobre a compreensão da gênese da mente ou como os processos neurofisiológicos podem produzir experiências conscientes, sentimentos e intenções. Apesar das discussões recorrentes, o materialismo promissório não foi entregue até agora46,47. É notório, contudo, que a neurociência pode identificar correlatos neurais associados aos processos mentais, mas ainda assim não explica precisamente como a atividade no cérebro cria a experiência dos fenômenos mentais, e essa lacuna deixa alguns aspectos da mente inexplicáveis, favorecendo implicações para a crença na alma5,48,49.
Vieses a serem desconstruídos
Demertzi et al.13 conduziram duas pesquisas realizadas na Universidade de Edimburgo (estudantes universitários, n = 250) e na Universidade de Liège (profissionais da saúde, público leigo, n = 1.858) para investigar as opiniões/atitudes sobre a relação mente-cérebro e as variáveis que afetaram as diferenças entre os pontos de vista. As afirmações apresentadas aos participantes foram: (1) a mente e o cérebro são duas coisas distintas, (2) a mente é fundamentalmente física, (3) uma parte espiritual de nós sobrevive após a morte, e (4) cada um de nós tem uma alma que é separada do corpo. A primeira pesquisa revelou uma predominância de atitudes dualistas, enfatizando a separação entre mente e cérebro. A segunda mostrou que os participantes mais jovens, as mulheres e as pessoas com crenças religiosas eram mais propensos à crença de que a mente e o cérebro são separados, que alguma parte espiritual de nós sobrevive à morte e cada um de nós tem uma alma. A crença religiosa foi observada como o maior preditivo de atitudes dualistas. Embora a maioria dos profissionais de saúde tenha negado a distinção entre a consciência e o cérebro, mais de um terço dos profissionais médicos e paramédicos consideraram a mente e o cérebro como entidades separadas13. Mais recentemente, Preston et al.48 investigaram um grupo de estudantes de Psicologia e descobriram que a exposição de textos com explicações fortemente mecanicistas foi associada à diminuição das pontuações relativas à crença na alma, enquanto a exposição das fragilidades da neurociência em explicar a mente e a consciência aumentou os escores relativos à crença na alma. Em outras palavras, explicações neurocientíficas sobre correlatos neurais e faculdades cognitivas levaram à atenuação da crença na alma, enquanto a menção das fragilidades da neurociência em explicar a consciência favoreceu a crença na alma. O "materialismo promissório"50 envolve uma expectativa de que a ciência será capaz de mostrar no futuro como o cérebro produz a mente. Embora essa promessa, que já tem 300 anos46, possa se materializar em algum momento, não podemos ignorar as explicações alternativas, como as propostas por Henri Bergson, William James e Frederic Myers, ou seja, de que o cérebro funciona como um filtro, e não como a causa de manifestações mentais3,51,52. Portanto, é preciso cautela com declarações exageradas e ponderação ao interpretar os resultados obtidos em estudos neurofuncionais. O que parte dos neurocientistas atualmente chama de "bases neurais" deveria ser corrigido para "correlatos neurais", em consideração a outras hipóteses para a relação mente-cérebro3,22.

Em síntese, as teorias relativas à gênese da consciência podem ser divididas em duas categorias: (1) aquelas que propõem que a consciência é um produto da atividade cerebral e (2) aquelas que postulam que a consciência é uma entidade com vida e funcionamento próprio e que não é necessariamente limitada ao cérebro. Estudos neurofuncionais nesse campo devem respeitar os dados obtidos sem tentar fazê-los caber em uma teoria ou outra. Por outro lado, até recentemente, tivemos poucas oportunidades para testar essas teorias experimentalmente e, entre outras linhas de pesquisa, investigações neurofuncionais sobre a mediunidade podem avançar a compreensão consensual a respeito da consciência, da suposta comunicação espiritual e suas relações com o cérebro. Em adição aos estudos sobre experiências religiosas, estudos focados na suposta comunicação espiritual podem permitir-nos observar correlatos neurais em situações em que um indivíduo e seu cérebro estão supostamente produzindo conteúdos de outra consciência (o espírito) durante um transe mediúnico, desse modo ampliando nosso conhecimento a respeito do complexo mente-cérebro.
Neuroimagem funcional e experiências religiosas
As tecnologias de neuroimagem funcional favorecem investigações sobre os correlatos neurais de experiências complexas, uma vez que a dinâmica cerebral pode ser observada in vivo durante situações controladas. Os métodos mais utilizados nos últimos 15 anos são: a tomografia por emissão de fóton único (SPECT), tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância magnética funcional (fMRI)53.

Decidir qual método usar requer avaliação cuidadosa das vantagens e limitações53,54. Fatores como sensibilidade à detecção anatômica e funcional (resolução espacial e temporal), possibilidade de controlar e reproduzir ensaios, assim como custo e disponibilidade para utilização do método devem ser ponderados para o estudo ideal relativo ao objetivo proposto da investigação (Tabela 1). Por exemplo, utilizamos o método SPECT porque esse permite que os sujeitos desempenhem suas tarefas complexas, as quais exigem silêncio e concentração, em um ambiente adequado e livre de muitos efeitos que possam distrair ou causar ansiedade. A fMRI, por outro lado, é um método neurofuncional não invasivo e apresenta superior resolução espacial e temporal (Tabela 1). Contudo, os ruídos devem ser controlados nos ensaios das tarefas anteriores ao estudo para que a expressão mediúnica não seja prejudicada.

Recentemente, alguns estudos revelaram que regiões e sistemas cerebrais medeiam os diferentes aspectos da experiência religiosa55,57, descartando, assim, a teoria "ponto de Deus", que postulava um local no cérebro como responsável pela experiência com o "divino"58. As experiências religiosas são complexas e multidimensionais na medida em que envolvem alterações na percepção (por exemplo, imagens mentais visuais); cognição (por exemplo, representações do self), e emoção (paz, alegria e amor incondicional)57. Os estudos neurofuncionais tendem a sugerir maior atividade do córtex frontal e pré-frontal durante experiências religiosas55-,57,59,60. Outras semelhanças entre os achados incluem um aumento da atividade nas redes atencionais relacionadas ao pensamento reflexivo durante tais experiências55,56,57,59,60. Outros estudos contribuíram para o nosso entendimento das experiências religiosas pela investigação de experiências com indução de drogas61 e a natureza da crença religiosa62,63. Esses estudos também apontam para a atividade de áreas como os lobos frontal e parietal, correlacionados com elementos psicológicos e cognitivos específicos das experiências religiosas. Essas áreas parecem ser parte de uma rede neural envolvida na elaboração dos fenômenos religiosos. A tabela 2 lista estudos de neuroimagem em práticas religiosas. Vale notar que nosso estudo sobre mediunidade22, ao contrário de outros estudos sobre práticas religiosas, encontrou diminuição na atividade nas redes atencionais durante a suposta comunicação espiritual. Similares achados ocorreram durante a experiência de glossolalia – "falar em línguas" – em que indivíduos dizem acessar um domínio espiritual56. São necessários mais estudos para preencher detalhes da natureza e diferenciação das práticas religiosas e espirituais e seus respectivos correlatos neurais.
Uma linha de pesquisa nascente e desafios metodológicos
Usamos neuroimagem para investigar a prática da psicografia, em que supostamente "um espírito desencarnado escreve por intermédio da mão do médium"22. Baseados na experiência adquirida em nosso estudo, traremos algumas discussões e orientações pertinentes para novos estudos sobre o tema, assim como aqueles relativos a experiên­cias espirituais em geral.

A psicografia é uma das muitas formas dissociativas da expressão mediúnica. Durante a psicografia, os médiuns escrevem narrativas estruturadas e legíveis, mas frequentemente alegam desconhecer o conteúdo ou a estrutura gramatical do texto escrito. Tivemos como objetivo investigar se esse tipo de estado de transe dissociativo se relaciona com alterações específicas na atividade cerebral que sejam distintas das verificadas quando se escreve habitualmente, isto é, fora do estado de transe. Assim, medimos o fluxo sanguíneo cerebral regional (FSCr) usando SPECT durante a psicografia (escrita em estado de transe dissociativo) e comparamos os dados com aqueles adquiridos durante a escrita no estado habitual de consciência, fora do transe mediúnico (tarefa de controle). Nossa hipótese a priori era a de que as áreas envolvidas em processos cognitivos quando se escreve conscientemente, tais como raciocínio e planejamento de conteúdo, mostrariam ativação semelhante durante a escrita sob o transe mediúnico.

Examinamos dez médiuns brasileiros divididos em dois grupos – cinco médiuns "menos experientes" e cinco com "experiência substancial". A comparação entre médiuns experientes e médiuns menos experientes pode favorecer a obtenção de dados neurofuncionais mais realistas a respeito dessa prática. De acordo com William James14, é crucial concentrar as investigações sobre as manifestações mais extremas do fenômeno em pauta. Assim, há base racional para pesquisas neurofuncionais de casos isolados de médiuns mostrando expressão robusta ou décadas de experiência, o que pode favorecer achados mais consistentes. Triar cuidadosamente a amostra é um desafio especial nesse âmbito de pesquisa. Médiuns que cobram suas consultas espirituais devem ser evitados. A necessidade de entregar um resultado pode enviesar a experiência mediúnica espontânea. É importante avaliar as possíveis interfaces entre a mediunidade e fenômenos autoproduzidos pela expectativa de resultados "convincentes", transtornos dissociativos ou outras condições psiquiátricas e charlatanismo para que resultados duvidosos não contaminem a epistemoloia nesse campo nascente. Assim sendo, métodos para controlar essas variáveis devem ser desenvolvidos.
Auxiliando os voluntários a sentirem conforto
O ato de escrever, nos dois casos, realizou-se em ambiente silencioso e com luz suave, em uma antessala do laboratório de neuroimagem. Todos seguiram o mesmo procedimento: sentaram-se confortavelmente, fecharam os olhos, concentraram-se e fizeram uma oração. De modo geral, entraram em transe em poucos minutos, pegaram um lápis e começaram a escrever. Os médiuns relataram entrar em transe com facilidade e tranquilamente. Para que os médiuns estejam confortáveis e o fenômeno se manifeste tal como se estivessem "em casa", é importante conduzir com antecedência uma entrevista qualitativa adequada e perguntar ao participante da pesquisa: "O que é necessário para que o fenômeno ocorra?". Médiuns em geral não fazem objeção, ao contrário, apreciam participar de estudos, mas certamente ficam desconfortáveis quando se sentem "testados". Portanto, os pesquisadores devem estabelecer um vínculo amistoso, respeitar as sugestões dos médiuns e mostrar-lhes que as suas opiniões são importantes. Por exemplo, em nosso estudo, os voluntários pediram o apoio espiritual dos colegas médiuns a distância e próximo daquele que se submetia à neuroimagem, e tal pedido foi respeitado. Devemos minimizar as expectativas e receios dos médiuns de não realizarem bem as tarefas do estudo e desconstruir qualquer fantasia dos participantes a respeito das expectativas dos pesquisadores, ressaltando que a experiência mediúnica será bem-vinda, simplesmente, assim como é. A familiarização dos voluntários da pesquisa com potenciais gatilhos de ansiedade ou outros efeitos perturbadores (ambiente hospitalar, tecnologia neuroimagem, amostras de sangue, injeções etc.) é fundamental, além de começar o estudo com os voluntários mais confiantes, que naturalmente transmitirão segurança/tranquilidade para os outros participantes.

Avaliação da produção mediúnica por peritos cegos
Os próprios médiuns relatam que diferentes tipos de comunicação espiritual podem acontecer isoladamente ou mesmo simultaneamente. De acordo com os voluntários por nós estudados22, as principais manifestações mediúnicas são: incorporação (a experiência de sentir o espírito no próprio corpo); psicofonia (a experiência de expressar verbalmente o que o espírito comunica); clariaudiência (a experiência de ouvir espíritos ou ruídos produzidos por eles); clarividência (a experiência de ver espíritos); psicografia (a experiência de escrever o que o espírito comunica).

Futuros estudos devem considerar a possibilidade de avaliadores externos especialistas pontuarem cegamente aspectos da experiência mediúnica, bem como a qualidade dos conteúdos produzidos nesse estado (expressados em palavras, textos, pinturas etc.), e dos conteúdos gerados em estado habitual de consciência (fora do transe) pelos próprios médiuns e por grupos de controles. Além disso, uma avaliação cuidadosa da experiência fenomenológica investigada por neuroimagem pode favorecer a correlação mais precisa entre a experiência em primeira pessoa (fenomenológica) e a experiência em terceira pessoa (atividades neurais). Os escores de complexidade – avaliados cegamente por especialistas – dos conteúdos produzidos durante o transe ou aspectos relevantes da experiência podem ser usados como regressores ​​em análises estatísticas. Por exemplo, nosso estudo trouxe resultados interessantes a esse respeito. Um especialista da área de letras cegamente avaliou a complexidade dos textos produzidos pelos médiuns durante as duas tarefas. A análise de correlação linear comparando mudanças nos escores de complexidade para o conteúdo escrito e alteração do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) nas áreas relacionadas com o estado de psicografia (cúlmen esquerdo, hipocampo esquerdo, giro occipital inferior esquerdo, cíngulo anterior esquerdo, giro temporal superior direito e giro pré-central direito) mostrou uma tendência de correlação inversa: os níveis crescentes de complexidade foram associados com diminuição gradual do FSC em cada região. A tendência de correlação inversa encontrada em nosso estudo, quando levada em conta a complexidade do conteúdo psicografado, requer discussões futuras e novos estudos para formulações de hipóteses explicativas.
Discussões desafiadoras
Um bom estudo pode ser prejudicado por uma discussão imprópria. Dados devem ser analisados cautelosa e respeitosamente a partir de uma abordagem com mente aberta para evitar o viés do "eterno retorno do materialismo promissório"46. Nossa hipótese a priori não se confirmou, já que os resultados apresentaram significativas alterações no fluxo sanguíneo em diversas áreas do cérebro durante a psicografia, em comparação com a escrita fora do estado de transe. Além disso, os médiuns experientes, durante a escrita em estado de transe dissociativo, apresentaram FSCr significativamente mais baixo em comparação com a escrita habitual da condição de controle.

Os voluntários relataram que o transe envolvia um "estado de relaxamento mental". Tal relaxamento poderia explicar a atividade geral atenuada do cérebro, mas o fato de que os indivíduos produziram textos complexos em estado de transe dissociativo sugere que eles não estavam meramente relaxados. Os resultados também não condizem com simulação ou fraude, que, por vezes, têm sido oferecidas como explicações para a mediunidade. Circuitos neurais relacionados ao planejamento presumivelmente seriam recrutados para a composição dos textos, caso os indivíduos estivessem simulando tais conteúdos.

O nível comparativamente reduzido de atividade no córtex temporal, giro pré-central, hipocampo e cíngulo anterior em médiuns experientes também reforça os seus relatos subjetivos de que não tinham consciência do conteúdo escrito durante a psicografia, cujos temas envolveram princípios éticos/espirituais e a importância da união entre ciência e espiritualidade. Os médiuns relatam que "a autoria dos textos psicografados foi dos espíritos comunicantes e não pode ser atribuída a seus próprios cérebros", o que é também uma hipótese plausível.

Nossos achados poderiam ser discutidos em relação a estudos neurofuncionais sobre outros estados alterados de consciência como a hipnose65 e meditação66, os quais são fenomenologicamente distintos das expressões mediúnicas e, por isso, tais condições não são diretamente comparáveis. Além disso, assim como na meditação, a ideia de que a hipnose reflita um estado dissociativo ainda é controvertida67. A improvisação musical, em que a diminuição da atividade em circuitos atencionais pode ter envolvido o treinamento para a inibição da atenção, favorece a emergência da criatividade68,69. Ainda sobre criatividade, um estudo recente mostrou que o consumo de álcool reduz a atividade do lobo frontal e parece aumentar a criatividade ou talvez diminuir a crítica70. Porém, os estados de improvisação musical – com acentuada participação da memória motora – e consumo de álcool são bastante particulares e distintos da psicografia, que envolve elaboração de textos inteligíveis com mensagens éticas e, portanto, não podem ser comparáveis entre si. Por outro lado, estudos sobre expertise cognitiva envolvendo planejamento mostraram circuitos neurais com maior atividade durante tarefas realizadas por especialistas71. Por exemplo, assim como o planejamento de escrita refinada, o xadrez é um jogo que envolve muitos aspectos da cognição e requer habilidades sofisticadas de resolução de problemas. Especialistas no jogo mostraram atividade acentuada no cíngulo posterior, córtex órbito-frontal e córtex temporal direito quando comparados com enxadristas iniciantes72. A observação neurofuncional de prodígios em cálculos aritméticos e especialistas em ábaco (antigo instrumento de cálculos matemáticos) também sugere que experts em tarefas cognitivas sofisticadas expressaram maior atividade em rotas cerebrais diferenciadas e mais extensas, como nos circuitos atencionais e de planejamento73. Contudo, é necessário realizar mais pesquisas para comparar minuciosamente a psicografia com outros estados mediúnicos e elucidar com precisão as possíveis relações entre os circuitos relacionados a criatividade e atenção versus a profundidade, intensidade e complexidade do conteúdo produzido durante os estados mediúnicos. Seria útil observar a complexidade das expressões mediúnicas e seu aumento e/ou diminuição de atividade em relação a circuitos atencionais, e por isso esperamos que projetos funcionais sejam desenvolvidos nessa direção.

Vale lembrar que, embora os voluntários do nosso estudo tenham relatado alucinações auditivas, alterações de personalidade e outros comportamentos dissociativos, as entrevistas clínicas estruturadas excluíram transtornos psiquiátricos22. Esses achados sublinham a importância de futuras investigações endereçarem a precisão dos critérios para distinguir expressões dissociativas saudáveis e patológicas no escopo da mediunidade.
Limitações
Uma linha de pesquisa embrionária pode enfrentar dificuldades quanto à discussão entre os achados obtidos nos primeiros estudos e publicações neurocientíficas sobre outros estados de consciência fenomenologicamente distintos das expressões mediúnicas. Portanto, mais pesquisas devem ser conduzidas para que condições mediúnicas similares sejam diretamente comparáveis entre si, considerando controles (tarefas e sujeitos) escolhidos com pertinência para investigarmos temas como, por exemplo, a hipótese da comunicabilidade espiritual, os critérios de distinção entre as expressões dissociativas saudáveis e patológicas no âmbito da mediunidade e relações/diferenciações entre esquizofrenia e mediunidade.

Wilder Penfield, a partir de seus estudos com estimulação elétrica do cérebro em indivíduos acordados (com preservação da cons­ciência) para mapear as funções corticais, trouxe importantíssimas contribuições, como o "Homúnculo de Penfield", que relaciona estruturas cerebrais a funções específicas74. Mais tarde, no livro Mistério da mente, considerando seus longos anos de estudo, afirmou: "a mente tem uma existência distinta do cérebro, embora esteja intimamente relacionada a ele. [...] Não há local no córtex cerebral onde a estimulação elétrica fará o paciente decidir"75. Determinar as funções em isolamento espacial e temporal é naturalmente o primeiro passo das neurociências para a compreensão coerente de toda atividade encefálica. Mesmo como primeiro passo, reconhecer e limitar as funções específicas de cada estrutura encefálica não tem sido uma tarefa fácil, e talvez seja mesmo inexequível. Ao fazermos pesquisas neurofuncionais sobre consciência e expressões mentais, as estruturas e circuitos neurais vão além da especificidade de funções, conforme variáveis que pouco compreendemos ainda. Por exemplo, as condições imaginárias de audição e visualização também obedeceram a reciprocidades neurais similares às condições reais de ouvir e visua­lizar os mesmos eventos76,77. Voluntários músicos, ao imaginarem uma certa melodia, ativaram circuitos neurais tal como na condição de ouvir a mesma melodia tocada em fones de ouvido. Os autores atribuíram um título sugestivo ao artigo: "O som do silêncio ativa o córtex auditivo"76. O fato de estimular regiões específicas do cérebro e provocar certas experiências não implica a origem da experiência no cérebro. A sintaxe neural parece combinar as estruturas isoladas tal como as letras que compõem incontáveis palavras, períodos e parágrafos em distintos idiomas, que favorecem a tradução das inúmeras experiências humanas, e ainda assim muitas delas possivelmente indescritíveis nessa semântica cerebral. Enquanto a neurociência tem feito grandes progressos na descoberta das funções de regiões do cérebro, pouco se sabe sobre os padrões dinâmicos de tradução, conectividades e fluxos das informações mentais no cérebro. Portanto, é um equívoco primário identificar uma região ou circuito do cérebro envolvidos em experiências mediúnicas e concluir que esses correlatos neurais são a causa final dessas experiências. Moreira-Almeida e Santos3 afirmam que a mesma experiência pode ter diferentes etiologias (por exemplo, taquicardia pode ter uma ampla gama de causas, tais como a ansiedade, a insuficiência cardíaca, o exercício, o consumo de cocaína). Portanto, encontrar a causa de um episódio de taquicardia em um paciente em particular não significa que encontramos a causa de todos esses episódios para esse paciente, ou para todos os seres humanos. Este parece ser o caso de similares experiências alucinatórias relatadas por médiuns3,22.

A neurociência cognitiva geralmente desenvolve hipóteses para explicar fenômenos a partir da atividade mensurável no espaço (estruturas e circuitos do encéfalo) e no tempo (aquisições de imagens únicas, como no caso do método SPECT ou aquisições contínuas em sequências temporais, como no caso dos métodos PET e fMRI). Devido à influência do materialismo promissório, alguns neurocientistas podem estar olhando na direção errada em busca de regiões cerebrais ativadas durante a suposta comunicação espiritual, em vez de observar a atenuação das atividades neurais esperadas para gerar informações – às vezes complexas – resultantes do transe mediúnico. Além de considerar o aumento e especialmente o decréscimo da atividade neural em manifestações mediúnicas, devemos pensar cuidadosamente em tarefas e grupos de controle, e também em estratégias de análise estatística pertinentes ao objetivo do estudo, a comunicabilidade espiritual.

A baixa resolução temporal e espacial dos métodos de neuroimagiologia atuais é um limite relevante à captação da complexa filigrana neural. Não somos capazes de abranger a complexidade da sintaxe cerebral com a tecnologia e o conhecimento de que dispomos no presente. Futuros métodos multimodais, que integrem as vantagens das distintas técnicas de neuroimagem53, examinarão substratos neurais funcionais, estruturais, neuroquímicos/moleculares para uma crescente compreensão de como os fluxos de informações trafegam no cérebro em acordo com as experiências mentais, que parecem ser traduzidas78,79.
Conclusões
O presente artigo cobre alguns dos principais debates do complexo mente-cérebro, estudos neurofuncionais sobre experiências religiosas, alguns desafios metodológicos e limitações que consideramos serem úteis ao formular novas pesquisas sobre mediunidade e experiências espirituais. Observamos que, até agora, os estudos neurofuncionais sobre experiências religiosas não focaram especificamente a questão "comunicação espiritual", mas precisamente este tema pode ser relevante à ciência. Nossos resultados preliminares22 sugerem a continuidade e extensão dessa nascente e frutífera linha de pesquisa. Uma vez que a compreensão de correlatos neurais envolvidos em mediunidade se encontra em estágio inicial, enfatizamos que essas essas descobertas demandam futuras replicações e hipóteses explanatórias. Essa nova linha de pesquisa precisa seguir de mãos dadas com a formulação de hipóteses que cubram uma larga gama de fenômenos mediúnicos e supostas manifestações espirituais. Portanto, consideramos que estudos subsequentes com métodos de neuroimagem devem focar na mediunidade e convidamos nossos colegas neurocientistas a colaborarem e investirem nessa importante linha de pesquisa a fim de aperfeiçoar o consenso de compreensão sobre consciência, experiências espirituais e suas relações com o cérebro.
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