Procuradoria endossa testemunhas de Jeová, que negam prática com base em dogmas
Determinação contraria parecer do Conselho Federal de Medicina, que deve ter sua constitucionalidade discutida pelo STF
MATHEUS LEITÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Estado do Rio vai reconhecer o direito dos fiéis da igreja Testemunhas de Jeová de recusar transfusão de sangue por motivos religiosos.
A decisão se refere ao caso de uma praticante de 21 anos que foi internada com doença pulmonar grave e se negou a receber o tratamento -o que gerou uma consulta do hospital envolvido à Procuradoria Geral do Estado. O caso ficou em estudo por quatro meses.
Nesta semana, a procuradora-geral, Lucia Lea Guimarães Tavares, responderá que trata-se de "exercício de liberdade religiosa". Segundo o parecer ao qual a Folha teve acesso, esse é "um direito fundamental, emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de fazer suas escolhas existenciais".
"A minha convicção é que a pessoa tem direito a escolher, desde que seja maior e esteja consciente. Não é um tema muito simples: manter a vida de um paciente, mas desrespeitando aquilo em que ele mais acredita", disse a procuradora. A Folhaapurou que o governador Sérgio Cabral acatará o parecer, transformando-o numa norma estadual no Rio, com poder de decreto.
A determinação contraria parecer do Conselho Federal de Medicina, que diz: "Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue independente do consentimento do paciente ou de seus responsáveis".
A procuradora do Rio vai entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) para discutir a constitucionalidade do parecer dos médicos.
Se o precedente aberto no Rio for acatado pelo STF, os cristãos da Testemunhas de Jeová terão amparo legal para a manutenção do que consideram seus direitos.
Divergências
O assunto é tão polêmico que houve, inicialmente, divergência dentro da Procuradoria do Estado do Rio. Diante disso, a procuradora-geral, Lucia Lea, pediu um estudo sobre o tema ao constitucionalista Luis Roberto Barroso.
"A liberdade religiosa é um direito fundamental. Pode o Estado proteger um indivíduo em face de si próprio, para impedir que o exercício de liberdade religiosa lhe cause dano irreversível ou fatal? A indagação não comporta resposta juridicamente simples nem moralmente barata", diz Barroso no estudo.
No fim das 42 páginas, o texto conclui pelo reconhecimento do direito das testemunhas de Jeová, com a seguinte cautela: "A gravidade da recusa de tratamento, sobretudo quando presente o risco de morte ou de grave lesão, exige que o consentimento seja genuíno, o que significa dizer: válido, inequívoco, livre, informado".
terça-feira, 27 de abril de 2010
Macacos podem ter consciência da morte
Observações em cativeiro mostram cuidados com o moribundo, "velório" e aparente período de luto entre chimpanzés
Para cientistas, capacidade de empatia da espécie está por trás do fenômeno; ainda é preciso estudar melhor tais casos, diz pesquisadora
repórter REINALDO JOSÉ LOPES
Rosie passou a noite em claro, sem arredar pé de onde estava o cadáver da mãe. Seus amigos Chippy e Blossom dormiram um sono inquieto naquela madrugada. Ficaram silenciosos na semana seguinte, comendo pouco, sem tocar nos pertences da morta. Para os cientistas que registraram tais cenas, são indícios de que os chimpanzés, tal como os humanos, entendem o que é morrer.
Até agora, a espécie humana parecia ser a única dotada do "privilégio" dúbio da consciência sobre a morte. James Anderson e seus colegas da Universidade de Stirling (Reino Unido) lançam dúvida sobre essa ideia ao relatar detalhadamente suas observações sobre a morte de Pansy, fêmea de mais de 50 anos, na edição de hoje da revista científica "Current Biology". Para eles, a consciência que os parentes mais próximos do homem têm de seu fim foi "subestimada".
Pansy vivia com sua filha Rosie, outra fêmea idosa, Blossom, e o filho desta última, Chippy, num parque zoológico. Foi tratada pelos veterinários do local por vários dias, até que o tratador, ao perceber que ela estava respirando com dificuldade, decidiu permitir que ela morresse "em família", sem intervenção humana. Os pesquisadores contavam com um sistema de câmeras, que permitiu acompanhar cada movimento do grupo durante as últimas horas da vida de Pansy, bem como nas semanas seguintes (veja detalhes no quadro acima).
"O interessante é que eles tinham dados sobre como era o comportamento normal dos animais antes da morte, e isso permitiu fazer a comparação", aponta Patrícia Izar, especialista em comportamento de primatas do Instituto de Psicologia da USP, que comentou o estudo à pedido da Folha.
Os cientistas britânicos comparam a longa vigília de Rosie ao lado do corpo com um velório; consideram que o ataque de Chippy ao corpo da morta pode ter sido motivado pela raiva ligada à perda; e traçam paralelos entre a falta de apetite e quietude do trio sobrevivente e o luto humano. Os chimpanzés chegaram mesmo a se recusar a dormir onde Pansy havia expirado.
"Não questiono a alteração de comportamento em relação à morte. O sono alterado é natural, porque eles passaram por uma emoção profunda. Mas é ousado afirmar que isso é luto pela morte", afirma Izar. Um teste mais preciso da ideia, diz ela, seria ver se a reação diante da simples remoção de um membro do grupo, sem que os demais o vissem partir, seria parecida. "De qualquer modo, o conjunto das observações mostra o que já vemos em outros comportamentos: que pode, sim, haver uma continuidade entre humanos e chimpanzés."
Para cientistas, capacidade de empatia da espécie está por trás do fenômeno; ainda é preciso estudar melhor tais casos, diz pesquisadora
repórter REINALDO JOSÉ LOPES
Rosie passou a noite em claro, sem arredar pé de onde estava o cadáver da mãe. Seus amigos Chippy e Blossom dormiram um sono inquieto naquela madrugada. Ficaram silenciosos na semana seguinte, comendo pouco, sem tocar nos pertences da morta. Para os cientistas que registraram tais cenas, são indícios de que os chimpanzés, tal como os humanos, entendem o que é morrer.
Até agora, a espécie humana parecia ser a única dotada do "privilégio" dúbio da consciência sobre a morte. James Anderson e seus colegas da Universidade de Stirling (Reino Unido) lançam dúvida sobre essa ideia ao relatar detalhadamente suas observações sobre a morte de Pansy, fêmea de mais de 50 anos, na edição de hoje da revista científica "Current Biology". Para eles, a consciência que os parentes mais próximos do homem têm de seu fim foi "subestimada".
Pansy vivia com sua filha Rosie, outra fêmea idosa, Blossom, e o filho desta última, Chippy, num parque zoológico. Foi tratada pelos veterinários do local por vários dias, até que o tratador, ao perceber que ela estava respirando com dificuldade, decidiu permitir que ela morresse "em família", sem intervenção humana. Os pesquisadores contavam com um sistema de câmeras, que permitiu acompanhar cada movimento do grupo durante as últimas horas da vida de Pansy, bem como nas semanas seguintes (veja detalhes no quadro acima).
"O interessante é que eles tinham dados sobre como era o comportamento normal dos animais antes da morte, e isso permitiu fazer a comparação", aponta Patrícia Izar, especialista em comportamento de primatas do Instituto de Psicologia da USP, que comentou o estudo à pedido da Folha.
Os cientistas britânicos comparam a longa vigília de Rosie ao lado do corpo com um velório; consideram que o ataque de Chippy ao corpo da morta pode ter sido motivado pela raiva ligada à perda; e traçam paralelos entre a falta de apetite e quietude do trio sobrevivente e o luto humano. Os chimpanzés chegaram mesmo a se recusar a dormir onde Pansy havia expirado.
"Não questiono a alteração de comportamento em relação à morte. O sono alterado é natural, porque eles passaram por uma emoção profunda. Mas é ousado afirmar que isso é luto pela morte", afirma Izar. Um teste mais preciso da ideia, diz ela, seria ver se a reação diante da simples remoção de um membro do grupo, sem que os demais o vissem partir, seria parecida. "De qualquer modo, o conjunto das observações mostra o que já vemos em outros comportamentos: que pode, sim, haver uma continuidade entre humanos e chimpanzés."
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Judicialização da saúde coloca ao STJ o desafio de ponderar demandas individuais e coletivas
Não é de hoje que a Justiça se tornou refúgio dos que necessitam de medicamentos ou de algum procedimento não oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A premissa inaugurada na Constituição de 1988 de que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado arrombou as portas dos tribunais para a chamada judicialização da saúde.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a discussão sobre o tema reflete a dicotomia que cerca a questão: privilegiar o individual ou o coletivo? De um lado, a participação do Judiciário significa a fiscalização de eventuais violações por parte do Estado na atenção à saúde. Mas, de outro, o excesso de ordens judiciais pode inviabilizar a universalidade da saúde, um dos fundamentos do SUS.
Os órgãos da Seção de Direito Público (Primeira Seção – Primeira e Segunda Turmas) são encarregados de analisar as ações e os recursos que chegam ao Tribunal a respeito do tema. Para o presidente da Primeira Seção, ministro Teori Albino Zavascki, não existe um direito subjetivo constitucional de acesso universal, gratuito, incondicional e a qualquer custo a todo e qualquer meio de proteção à saúde.
O ministro Teori Zavascki esclarece que o direito à saúde não deve ser entendido “como direito a estar sempre saudável”, mas, sim, como o direito “a um sistema de proteção à saúde que dá oportunidades iguais para as pessoas alcançarem os mais altos níveis de saúde possíveis”.
No entanto, o ministro pondera que isso não significa que a garantia constitucional não tenha eficácia. “Há certos deveres estatais básicos que devem ser cumpridos”, explica. “Assim, a atuação judicial ganha espaço quando inexistem políticas públicas ou quando elas são insuficientes para atender minimamente”, conclui o ministro.
O senador Tião Viana (PT/AC) milita contra a judicialização da saúde. Segundo dados divulgados pelo senador, haveria no Brasil um movimento financeiro da ordem de R$ 680 milhões em compras de medicamentos decididas por ordens judiciais. Ele chama de “temerosa” a tendência de se substituir um pensamento técnico e político de gestão da saúde pela decisão de um juiz.
Nova droga
Em julgamento de um recurso na Primeira Turma (RMS 28.962), o ministro Benedito Gonçalves advertiu que as ações ajuizadas contra os entes públicos, para obrigá-los indiscriminadamente a fornecer medicamento de alto custo, devem ser analisadas com muita prudência.
Naquele caso, um paciente de Minas Gerais havia ingressado na Justiça para garantir o recebimento de uma droga nova para o tratamento de psoríase, prescrita por um médico conveniado ao SUS. O pedido foi negado porque se entendeu não haver direito líquido e certo do paciente, já que o SUS oferecia outros medicamentos para o tratamento, e, ainda, não haveria comprovação de melhores resultados com o novo remédio.
O ministro Benedito Gonçalves observou que, ao ingressar na esfera de alçada da Administração Pública, o Judiciário cria problemas de toda a ordem, como o desequilíbrio de contas públicas, o comprometimento de serviços públicos, entre outros.
Para ele a ideia de que o poder público tem condição de satisfazer todas as necessidades da coletividade ilimitadamente, seja na saúde ou em qualquer outro segmento, é utópica. “O aparelhamento do Estado, ainda que satisfatório aos anseios da coletividade, não será capaz de suprir as infindáveis necessidades de todos os cidadãos”, avaliou.
O ministro entende que as demandas ao Estado devem ser logicamente razoáveis. “Acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos”, resumiu.
Medicamentos
Mas, a depender do caso, o entendimento pode pender para garantir tratamento ao indivíduo. O STJ tem reconhecido aos portadores de doenças graves, sem disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Foi o que ocorreu na análise de um recurso especial na Primeira Turma (Resp 1.028.835).
O relator, ministro Luiz Fux, entende que, sendo comprovado que o indivíduo sofre de determinada doença, necessitando de determinado medicamento para tratá-la, o remédio deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. No entanto, é preciso investigar a condição do doente.
Na análise de um recurso especial (Resp 944.105), o ministro Fux constatou que o paciente, que reivindicava o fornecimento de medicamentos para asma brônquica severa, não comprovou impossibilidade de arcar com o custo. No caso, apesar de alegar uma renda no valor de R$ 350, ele tinha conta de telefone de mais de R$ 100.
Em outro caso analisado pela Segunda Turma, os ministros definiram que o direito à saúde não alcança a possibilidade de o paciente escolher o medicamento que mais se encaixe no seu tratamento. A relatora foi a ministra Eliana Calmon (RMS 28.338). Ela observou que, na hipótese, o SUS oferecia uma segunda opção de medicamento substitutivo, mas que, mesmo assim, o paciente pleiteou o fornecimento de medicamento de que o SUS não dispunha, sem provar que aquele não era adequado para seu tratamento.
Bloqueio
Ao analisar um recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul (REsp 901.289), a Primeira Turma entendeu ser legítima a atuação do Ministério Público na defesa do direito à saúde de um adolescente. A ação buscava o pagamento de despesas referentes a hospedagem e alimentação de menor e seu acompanhante, por ocasião de transplante medular ósseo e respectivo tratamento médico.
O relator, ministro Teori Zavascki, considerou legítimo o bloqueio de verbas da Fazenda Pública como meio para efetivação do custeio do tratamento. O ministro explicou que, em situações de conflito entre o direito fundamental à saúde e o da impenhorabilidade dos recursos da Fazenda, prevalece o primeiro.
“Sendo urgente e impostergável a realização de transplante medular ósseo, sob pena de grave comprometimento da saúde da demandante, não teria sentido algum submetê-la ao regime jurídico comum, naturalmente lento, da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública”, disse.
AIDS
A judicialização da saúde começou a ocorrer com a busca pelos medicamentos antirretrovirais, para combate ao avanço do vírus HIV. Ela se popularizou por meio de liminares que obrigavam o Estado a fornecer gratuitamente remédios de alto custo que não constassem da lista do SUS. A lentidão na inclusão de certos avanços médicos pelos SUS é criticada pelas entidades de defesa dos pacientes.
Em 1996, uma lei tornou obrigatória a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. A Lei 9313/1996 previu, inclusive, que o Ministério da Saúde revisasse e republicasse anualmente a padronização das terapias, para adequar o tratamento oferecido pelo SUS ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado.
Mas os casos continuaram a chegar ao STJ. A Primeira Turma analisou, em 2005, um recurso (Resp 684.646) em que o paciente portador de HIV pedia a condenação do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Porto Alegre ao fornecimento gratuito de medicamento não registrado no Brasil, mas que constava de receituário médico, necessário ao tratamento.
O relator, ministro Fux, constatou que se discutia a importação de medicamento em fase experimental, não registrado no Ministério da Saúde. No entanto, o remédio havia sido aprovado recentemente pelo órgão que controla os medicamentos nos Estados Unidos, assim como pela Agência Europeia de Avaliação de Medicamentos.
Para o ministro, comprovado o acometimento do indivíduo por determinada moléstia, necessitando de certo medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna – e que tem como direito-meio o direito à saúde.
retirado do site do STJ
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a discussão sobre o tema reflete a dicotomia que cerca a questão: privilegiar o individual ou o coletivo? De um lado, a participação do Judiciário significa a fiscalização de eventuais violações por parte do Estado na atenção à saúde. Mas, de outro, o excesso de ordens judiciais pode inviabilizar a universalidade da saúde, um dos fundamentos do SUS.
Os órgãos da Seção de Direito Público (Primeira Seção – Primeira e Segunda Turmas) são encarregados de analisar as ações e os recursos que chegam ao Tribunal a respeito do tema. Para o presidente da Primeira Seção, ministro Teori Albino Zavascki, não existe um direito subjetivo constitucional de acesso universal, gratuito, incondicional e a qualquer custo a todo e qualquer meio de proteção à saúde.
O ministro Teori Zavascki esclarece que o direito à saúde não deve ser entendido “como direito a estar sempre saudável”, mas, sim, como o direito “a um sistema de proteção à saúde que dá oportunidades iguais para as pessoas alcançarem os mais altos níveis de saúde possíveis”.
No entanto, o ministro pondera que isso não significa que a garantia constitucional não tenha eficácia. “Há certos deveres estatais básicos que devem ser cumpridos”, explica. “Assim, a atuação judicial ganha espaço quando inexistem políticas públicas ou quando elas são insuficientes para atender minimamente”, conclui o ministro.
O senador Tião Viana (PT/AC) milita contra a judicialização da saúde. Segundo dados divulgados pelo senador, haveria no Brasil um movimento financeiro da ordem de R$ 680 milhões em compras de medicamentos decididas por ordens judiciais. Ele chama de “temerosa” a tendência de se substituir um pensamento técnico e político de gestão da saúde pela decisão de um juiz.
Nova droga
Em julgamento de um recurso na Primeira Turma (RMS 28.962), o ministro Benedito Gonçalves advertiu que as ações ajuizadas contra os entes públicos, para obrigá-los indiscriminadamente a fornecer medicamento de alto custo, devem ser analisadas com muita prudência.
Naquele caso, um paciente de Minas Gerais havia ingressado na Justiça para garantir o recebimento de uma droga nova para o tratamento de psoríase, prescrita por um médico conveniado ao SUS. O pedido foi negado porque se entendeu não haver direito líquido e certo do paciente, já que o SUS oferecia outros medicamentos para o tratamento, e, ainda, não haveria comprovação de melhores resultados com o novo remédio.
O ministro Benedito Gonçalves observou que, ao ingressar na esfera de alçada da Administração Pública, o Judiciário cria problemas de toda a ordem, como o desequilíbrio de contas públicas, o comprometimento de serviços públicos, entre outros.
Para ele a ideia de que o poder público tem condição de satisfazer todas as necessidades da coletividade ilimitadamente, seja na saúde ou em qualquer outro segmento, é utópica. “O aparelhamento do Estado, ainda que satisfatório aos anseios da coletividade, não será capaz de suprir as infindáveis necessidades de todos os cidadãos”, avaliou.
O ministro entende que as demandas ao Estado devem ser logicamente razoáveis. “Acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos”, resumiu.
Medicamentos
Mas, a depender do caso, o entendimento pode pender para garantir tratamento ao indivíduo. O STJ tem reconhecido aos portadores de doenças graves, sem disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Foi o que ocorreu na análise de um recurso especial na Primeira Turma (Resp 1.028.835).
O relator, ministro Luiz Fux, entende que, sendo comprovado que o indivíduo sofre de determinada doença, necessitando de determinado medicamento para tratá-la, o remédio deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. No entanto, é preciso investigar a condição do doente.
Na análise de um recurso especial (Resp 944.105), o ministro Fux constatou que o paciente, que reivindicava o fornecimento de medicamentos para asma brônquica severa, não comprovou impossibilidade de arcar com o custo. No caso, apesar de alegar uma renda no valor de R$ 350, ele tinha conta de telefone de mais de R$ 100.
Em outro caso analisado pela Segunda Turma, os ministros definiram que o direito à saúde não alcança a possibilidade de o paciente escolher o medicamento que mais se encaixe no seu tratamento. A relatora foi a ministra Eliana Calmon (RMS 28.338). Ela observou que, na hipótese, o SUS oferecia uma segunda opção de medicamento substitutivo, mas que, mesmo assim, o paciente pleiteou o fornecimento de medicamento de que o SUS não dispunha, sem provar que aquele não era adequado para seu tratamento.
Bloqueio
Ao analisar um recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul (REsp 901.289), a Primeira Turma entendeu ser legítima a atuação do Ministério Público na defesa do direito à saúde de um adolescente. A ação buscava o pagamento de despesas referentes a hospedagem e alimentação de menor e seu acompanhante, por ocasião de transplante medular ósseo e respectivo tratamento médico.
O relator, ministro Teori Zavascki, considerou legítimo o bloqueio de verbas da Fazenda Pública como meio para efetivação do custeio do tratamento. O ministro explicou que, em situações de conflito entre o direito fundamental à saúde e o da impenhorabilidade dos recursos da Fazenda, prevalece o primeiro.
“Sendo urgente e impostergável a realização de transplante medular ósseo, sob pena de grave comprometimento da saúde da demandante, não teria sentido algum submetê-la ao regime jurídico comum, naturalmente lento, da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública”, disse.
AIDS
A judicialização da saúde começou a ocorrer com a busca pelos medicamentos antirretrovirais, para combate ao avanço do vírus HIV. Ela se popularizou por meio de liminares que obrigavam o Estado a fornecer gratuitamente remédios de alto custo que não constassem da lista do SUS. A lentidão na inclusão de certos avanços médicos pelos SUS é criticada pelas entidades de defesa dos pacientes.
Em 1996, uma lei tornou obrigatória a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. A Lei 9313/1996 previu, inclusive, que o Ministério da Saúde revisasse e republicasse anualmente a padronização das terapias, para adequar o tratamento oferecido pelo SUS ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos medicamentos no mercado.
Mas os casos continuaram a chegar ao STJ. A Primeira Turma analisou, em 2005, um recurso (Resp 684.646) em que o paciente portador de HIV pedia a condenação do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Porto Alegre ao fornecimento gratuito de medicamento não registrado no Brasil, mas que constava de receituário médico, necessário ao tratamento.
O relator, ministro Fux, constatou que se discutia a importação de medicamento em fase experimental, não registrado no Ministério da Saúde. No entanto, o remédio havia sido aprovado recentemente pelo órgão que controla os medicamentos nos Estados Unidos, assim como pela Agência Europeia de Avaliação de Medicamentos.
Para o ministro, comprovado o acometimento do indivíduo por determinada moléstia, necessitando de certo medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna – e que tem como direito-meio o direito à saúde.
retirado do site do STJ
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