quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Comentários ao voto, no STF, do Min. Barroso sobre concessão de medicamentos sem registro na ANVISA

autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo

Agora acredito que a questão sobre medicamentos a ser decidida no STF, começa a ter encaminhamento razoável e sob a luz da bioética. Gostei do voto em razão do que descrevo.
Ministro Barroso apresenta seu voto no sentido de se impor limites para concessão de medicamentos que não estão na lista da ANVISA. Ressalva que estando na lista há obrigação lógica de o Estado fornecer o medicamento, mas não deve existir regra geral de imposição de concessão. Apresenta cinco requisitos que o postulante tem que comprovar:
1- incapacidade financeira de adquirir o medicamento sem prejuízo de seu sustento. A hipossuficiência é sua e não extensiva aos familiares, conforme constou do voto do Min. Marco Aurélio de Mello;
2- tem que demonstrar que o medicamento não teve recusa expressa pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) no SUS, pois o juiz não tem expertise técnica para dispensar um medicamento que o órgão técnico o negou;
3- inexistência de um substituto terapêutico no SUS;
4- quando houver segurança cientifica em relação a sua eficácia através de laudo médico, estudos da medicina baseada em evidencias e vantagem para o paciente;
5- nesta matéria a responsabilidade primária é da União e não do Estado ou Município, pois a União é quem tem a responsabilidade legal, pela Lei nº 8080/90 de incluir medicamentos, não obstante a solidariedade existente entre os entes federativos;
O ministro recomenda o diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e os órgãos técnicos, o juiz deve ouvir previamente os órgãos técnicos antes da tutela antecipada ou logo após. A partir da concessão do medicamento por ordem judicial caberá à CONITEC avaliar se vai incorporar ou não o medicamento servindo de parâmetro para o Judiciário a sua justificativa.
Sugere rápida implementação de banco de dados com manifestações técnicas e análises científicas sobre medicamentos requeridos em processo judicial, através do qual os juízes, em qualquer comarca do país, poderão acessar para saber sobre a discussão sobre determinado medicamento, com as respectivas avaliações técnicas.
Afirma que medicamentos experimentais, sem eficácia e segurança comprovadas, não podem ser concedidos, mas somente medicamentos quando testados e aprovados sem que a ANVISA tenha incorporado, por demora do órgão técnico e precedido de pedido para registro no Brasil e existência de registro no exterior, na Europa, Japão e EUA.

Seguirá com o voto do Min. Fachin que depois analisaremos.

RE 566471 RN

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Suspenso julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por decisão judicial



Pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) 566471 e 657718, analisados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na sessão desta quinta-feira (15). Os recursos, que tiveram repercussão geral reconhecida, tratam do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O único voto até o momento foi o do relator, ministro Marco Aurélio (íntegra abaixo), que se manifestou no sentido de negar provimento aos dois recursos, por entender que nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovadas a imprescindibilidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e sua família para aquisição, e que o Estado não pode ser obrigado a fornecer fármacos não registrados na agência reguladora.
RE 566471
No caso do RE 566471, o Estado do Rio Grande do Norte se recusou a fornecer medicamento – citrato de sildenafila – para uma senhora idosa e carente, alegando que o alto custo e a ausência de previsão no programa estatal de dispensação de medicamentos seriam motivos suficientes para recusa. A idosa acionou a Justiça para pleitear que o estado fosse obrigado a fornecer o fármaco. A sentença de primeiro grau determinou a obrigação do fornecimento, decisão que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça estadual.
Autor do recurso contra a decisão do TJ-RN, o procurador do Rio Grande do Norte disse que é preciso dar a máxima efetividade ao princípio da eficiência. Ele explicou que os medicamentos de alto custo têm uma política pública definida pelo Ministério da Saúde, que estabelece a relação de medicamentos a serem disponibilizados aos usuários. Essa relação contempla vários fármacos, dividindo-os por competências da União, de estados e de municípios. É essa divisão, segundo o procurador, que não vem sendo respeitada. Assim, o cidadão que precisa de um remédio que é de competência da União pode demandar o município, que pode ser obrigado a fornecer o medicamento, desorganizando as finanças do ente federado.
Falando como terceiro interessado no RE 566471, o procurador do Rio Grande do Sul também se manifestou pelo provimento do recurso. Ele sustentou que uma decisão do STF no sentido do desprovimento do recurso pode inviabilizar o SUS. O mesmo posicionamento foi defendido pelo representante do Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e do DF, para quem a preocupação no caso não se limita à esfera financeira, envolvendo também questões como segurança e saúde pública. Ambos defenderam a tese de que a atuação jurisdicional envolva apenas medicamentos registrados na Anvisa.
A advogada-geral da União falou da importância do trabalho da Anvisa, e salientou que decisões judiciais obrigando União e entes federados a fornecerem medicamentos de alto custo ou fora da lista do SUS desorganizam o sistema, uma vez que a distribuição de remédios deve ser feita de forma responsável. Segundo ela, é preciso que o planejamento e a organização do sistema sejam preservados, para que seja possível atender a toda a coletividade.
A advogada que defende a autora da ação inicial, e que também falou em nome da Associação Brasileira de Assistência a Mucoviscidose (fibrose cística), pediu ao STF que seja definido que a Justiça deve apreciar cada caso individualmente, não fechando as portas para pessoas que nasceram com problemas de saúde e querem viver e carecem do auxílio farmacológico. Ela fez críticas à Anvisa, alegando que a agência reguladora não faz o registro de certos medicamentos para ter o álibi para negar pedidos, dizendo que o fármaco é experimental, que faz mal ou tem efeitos colaterais.
A Ordem dos Advogados do Brasil, a Defensoria Pública Geral da União e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro também se manifestaram em Plenário, posicionando-se pelo desprovimento do RE 566471. De acordo com o defensor fluminense, não há doença que possa ser excluída da atividade do SUS, tampouco qualquer tratamento que possa ser recusado ao cidadão carente.
Mínimo existencial
O ministro Marco Aurélio disse, em seu voto, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantido por políticas sociais e econômicas. Ele frisou que o acesso à saúde é um bem vinculado à dignidade do homem, e que o direito ao mínimo existencial é um direito fundamental do cidadão, estando ligado a condições mínimas de dignidade.
Objeções de cunho administrativo não podem subsistir ante a existência de violação ao mínimo existencial. Argumentos genéricos não possuem sentido prático em face de inequívoca transgressão a direitos fundamentais. Não se trata de defender interferência judicial em políticas públicas, mas de assentar a validade da atuação judicial subsidiária em situações não alcançadas por essas políticas públicas, afirmou o relator.
Para o ministro, a judicialização, nos casos em que verificada transgressão ao mínimo existencial, é plenamente justificada, independentemente da existência de reserva orçamentária. O relator verificou que o STF, há muitos anos, vem assegurando acesso a medicamentos para os mais necessitados.
O ministro apontou dois critérios para que o Judiciário possa concretizar o direito à saúde: a imprescindibilidade do medicamento para o paciente e a incapacidade financeira para sua aquisição, do beneficiário do fármaco e de sua família, responsável solidária.
A tese apresentada pelo ministro Marco Aurélio diz que “o reconhecimento do direito individual ao fornecimento pelo Estado de medicamento de alto custo não incluído em política nacional de medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade, adequação e necessidade, e da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil.”
RE 657718
No caso do RE 657718, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o pedido da autora da ação, que precisava do medicamento cloridrato de cinacalcete, sem registro na Anvisa à época do ajuizamento da ação. O tribunal estadual entendeu que, apesar de o direito à saúde estar previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, não se pode obrigar o Estado a fornecer medicamento sem registro na Anvisa, sob pena de vir a praticar autêntico descaminho. O TJ ressaltou a inexistência de direito absoluto e, tendo em vista a prevalência do interesse coletivo, bem como dos princípios do artigo 37 da CF, “a competência do administrador público para gerir de maneira proba e razoável os recursos disponíveis”.
O defensor público-geral da União, falando em nome da autora da ação e do recurso dirigido ao STF, falou sobre a demora da Anvisa para concluir o registro de remédios novos (mais de 600 dias) e genéricos (mais de mil dias). Ele salientou que a saúde do doente não pode esperar, não pode se curvar aos trâmites da administração pública. Ele pediu que o STF defina tese no sentido de que a análise quanto à prescrição e custeio de remédios pelo Estado sejam feitos caso a caso, sem que possa ser negado o pedido apenas por falta de registro da agência reguladora.
Já o procurador de Minas Gerais salientou a importância do registro de medicamentos na Anvisa. Esse registro, segundo ele, não trata de mero capricho burocrático, e a demora se dá porque é preciso comprovar a segurança, a eficácia e a qualidade do fármaco. Ele disse entender que não se deve fornecer medicamento sem registro, e lembrou que sem essa chancela o gestor poderia até ser responsabilizado criminalmente. Ele revelou, ainda, que o código de ética dos médicos prevê que nenhum profissional pode oferecer medicamento não registrado nos órgãos competentes.
Consenso científico
Nesse caso, o ministro Marco Aurélio lembrou que o artigo 12 da Lei 6.360/1976 diz que nenhum medicamento pode ser industrializado, comercializado ou entregue ao consumo sem registro no Ministério da Saúde. Para o relator, juízes e tribunais não podem colocar cidadãos em risco determinando o fornecimento de medicamentos quando não haja consenso científico, revelado mediante registro no órgão competente, conforme exigido no diploma legal.
Casos concretos
O relator salientou que, nos dois recursos em julgamento, os casos concretos não estavam mais em análise, uma vez que no primeiro processo o medicamento foi incluído na lista de remédios disponíveis pelo SUS e, no outro caso, o fármaco já foi registrado pela Anvisa. Mas como os processos tiveram repercussão geral reconhecida, o ministro frisou que o interesse coletivo se sobrepunha ao individual no sentido de ver a controvérsia analisada pelo Supremo.
Leia a íntegra do voto do relator:
- Voto do relator no RE 566471
- Voto do relator no RE 657718
MB/FB


do site do STJ