Justiça obriga
planos a pagarem por tratamento de reprodução assistida
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Chico
Ferreirar - 19.nov.2013/Folhapress
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Botijões
de armazenamento com nitrogênio líquido a -196°C, com amostras de sêmen
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CLÁUDIA COLLUCCI - Folha de São Paulo
DE SÃO PAULO
16/03/2017
02h00
Planos de
saúde estão sendo obrigados a fornecer tratamento de reprodução assistida por
força de decisões judiciais. A terapia está excluída do rol de procedimentos da
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Em dois
anos, quase triplicou o número de ações de casais brasileiros que recorreram à
Justiça para esse fim, segundo levantamento on-line em oito Tribunais de
Justiça do país (São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco).
A quantidade
de processos (acórdãos em segunda instância) passou de oito, em 2015, para 20,
em 2016. Em 78% dos casos, a decisão foi favorável aos casais. Cada FIV
(fertilização in vitro) custa, em média, R$ 20 mil.
Um dos casos
é o da professora Lúcia (nome fictício), 43. A decisão diz que o seu plano deve
cobrir "honorários médicos, despesas hospitalares, exames e medicamentos
necessários, bem como custear a guarda dos óvulos/embriões excedentes até a
conclusão do tratamento".
Ela e o
marido são casados há dez anos e tentam engravidar há pelo menos seis. O casal
fez duas FIVs sem sucesso e pagou cerca de R$ 15 mil por cada procedimento.
"Investimos todas as nossas economias e não tínhamos como bancar nenhum
tratamento."
CADA LEI DIZ
UMA COISA
Juízes obrigam cobertura de reprodução assistida apesar de estar fora do
rol da ANS
O QUE DIZEM AS LEIS
Constituição Federal Planejamento familiar é um direito do cidadão. Compete ao Estado
propiciar os recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito
Lei do Planejamento Familiar (9.263/96) Devem ser oferecidos métodos de
concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a
vida e a saúde
Lei dos Planos de Saúde (9.656/98) Garante a cobertura de todas as
doenças reconhecidas pela CID (Classificação Internacional de Doenças), mas
exclui a inseminação artificial
Lei 11.935/09 Estabelece que é obrigatória a cobertura nos casos de planejamento
familiar (para advogados e juízes, fica implícita a cobertura dos tratamentos
de fertilidade)
O QUE DIZ O CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Estabelece
que são nulas as cláusulas de contratos de planos de saúde que excluam a
cobertura de qualquer doença (A infertilidade é considerada doença pela CID)
O QUE DIZ A ANS (agência de saúde
suplementar)
Resolução normativa da ANS (RN 211) de 2010
Permite que planosexcluam a cobertura de todas as técnicas de inseminação
artificial
ANS
Diz que a inseminação não está no rol e que há exames e cirurgias para
diagnosticar e tratar a infertilidade que os planos já cobrem (a agência também
afirma que a vasectomia ealaqueadura, que têm cobertura obrigatória, colaboram
para o planejamento familiar)
O QUE DIZEM OS PLANOS DE SAÚDE
Dizem que a
reprodução assistida não faz parte das coberturas obrigatórias que estão
previstas no rol de procedimentos da ANS
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No SUS, o
procedimento está previsto desde 2005, mas poucos serviços públicos o
disponibilizam. A maioria dos países europeus subsidia parcial ou integralmente
a reprodução assistida. A França, por exemplo, paga 100%. Na América Latina,
Argentina e Uruguai tornaram o procedimento obrigatório na rede pública e no
sistema privado de saúde.
A
infertilidade é considerada doença pela CID (Classificação Internacional das
Doenças), e há lei federal obrigando a cobertura do planejamento familiar
(concepção e anticoncepção). Porém, a legislação que rege os planos de saúde,
de 1998, desobriga as operadoras de oferecer a reprodução assistida–apesar de
garantir cobertura a todas as doenças reconhecidas pela CID. Ocorre que uma
outra lei (11.935, de 2009) acrescentou à legislação dos planos a
obrigatoriedade da cobertura ao planejamento familiar.
"Devem
ser oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e anticoncepção
cientificamente aceitos que não coloquem em risco a vida das pessoas", diz
trecho da lei.
No entanto,
uma resolução normativa da ANS de 2010 exclui a cobertura pelos planos de todas
as técnicas de inseminação artificial. Segundo o advogado Vinícius Zwarg, do
escritório Emerenciano, Baggio & Associados, os juízes têm usado como base
de suas decisões a lei 11.935 e entendido que o planejamento inclui tratamentos
de fertilidade, como a inseminação e a FIV. "O fato de uma resolução da
ANS excluir os tratamentos não desobriga os planos de arcar com eles."
Para o
ginecologista Newton Eduardo Busso, chefe da clínica de reprodução assistida da
Santa Casa de São Paulo, o número de ações tende a aumentar em razão das
decisões judiciais favoráveis. "Os planos começaram a se preocupar porque
os valores são altos. Já fomos procurados por convênios que querem saber como
firmar parcerias."
Para Pedro
Ramos, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), juízes
estão indo contra a lei. "Eles têm que julgar pela lei, não pelo social.
Se não está no rol da ANS, não pode deferir. Individualmente, acho a demanda
justa, mas, no coletivo, há outras prioridades em saúde. Cada liminar concedida
gera mais custo para o usuário."
"É um
equívoco de entendimento dos tribunais. A lei é clara em excluir esses
tratamentos. Planejamento familiar não é isso [FIV], não é obrigação da saúde
suplementar", diz Solange Palheiro Mendes, presidente da Federação
Nacional de Saúde Suplementar.
Em nota, a
ANS informa que a FIV não consta no rol de procedimentos e não tem cobertura em
caráter obrigatório. No entanto, operadoras podem oferecer cobertura maior do
que a estipulada no rol.
A ANS
reforça ainda que existem vários procedimentos de cobertura obrigatória e que
podem diagnosticar e tratar casos de infertilidade. Também cita procedimentos
que colaboram para o planejamento familiar, como vasectomia e laqueadura, e que
têm cobertura obrigatória.