autora: Tânia da Silva Pereira
O mundo acompanhou pela imprensa internacional e pelos relatos das pessoas próximas ao Papa João Paulo II, que desde o início do agravamento de sua doença Sua Santidade manifestou a vontade de permanecer em sua casa, retardar até o último momento possível a traqueotomia e adiar e utilização da alimentação enteral, fora dos protocolos usuais, todas resumidas em suas últimas palavras: "Deixai-me ir para a casa do Pai".
Embora não exista no Brasil previsão legislativa que discipline expressamente o testamento vital, devemos entendê-lo como válido e eficaz instrumento garantidor da autonomia do paciente terminal que redigido em momento de sanidade mental reflete o direito à liberdade e de ser respeitado, em sua vontade, em verdadeira e concreta manifestação de sua dignidade no momento de sua morte.
Preferencialmente lavrado em Cartório de Notas, o testamento vital é ato unilateral de vontade onde o declarante, com lucidez e convicção, atestadas por um especialista, expressa seu desejo, perante duas testemunhas de, em situações terminais, na hipótese de ser acometido de uma doença grave, ou no caso de um acidente que acarrete um quadro de inconsciência permanente, ser evitado o prolongamento da vida por meios artificiais. Deve o referido documento indicar um médico da sua confiança para acompanhar o estado terminal. Neste documento, pode conter cláusulas relativas às condições do sepultamento, cremação e doação de órgãos.
O novo Código de Ética Médica (Resolução do CFM nº 1931/2009 ) estabeleceu que "nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados". As Unidades de Cuidados Paliativos recentemente implantadas no Brasil, já representam uma conquista significativa na atenção ao doente terminal, buscando atender às necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais do paciente e sua família.
O Projeto de Lei n. 116/2000 da autoria do Senador Gerson Camata debatido na Audiência Pública realizada em 17.09. 2009 busca excluir a ilicitude da ortotanásia se previamente atestada por dois médicos, diante de uma morte iminente e inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Evita-se, assim, prolongamentos irracionais e cruéis, poupando o doente e a família do desgaste emocional, físico e financeiro que sua existência infeliz e improdutiva possa acarretar.
Considerando o direito à vida, à liberdade e o princípio da dignidade humana, garantidos desde 1988, não se pode recusar às pessoas o direito de expressar sua vontade de maneira a orientar os médicos e aqueles com quem convive com afinidade e afetividade. Tendo como contínua parceria a comunidade científica, busca-se estabelecer um posicionamento dos operadores do Direito, da classe médica e da sociedade civil organizada. Igualmente, o acesso aos cuidados paliativos deverá representar um direito universal e uma prática comum porque é direito de qualquer pessoa uma vida com qualidade que termine com uma morte digna.
* Advogada, Professora da Uerj e uma das coordenadoras da obra intitulada "Vida, Morte e Dignidade Humana" (GZ Editora).
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