Estudo abriria caminho para produção de bactérias artificiais sob medida.
Grupo é liderado pelo polêmico J. Craig Venter, o ‘pai do genoma’.
Etapas do experimento foram detalhadas em artigo publicado pela 'Science'Cientistas do Instituto J. Craig Venter anunciaram nesta quinta-feira (20) o desenvolvimento da primeira célula controlada por um genoma sintético. Agora, esperam usar o método para compreender melhor o mecanismo básico que guia todas as formas de vida e para desenvolver bactérias sob medida que, por exemplo, produzam biocombustível ou ajudem a limpar vazamentos de petróleo. O instituto entrou com pedidos de patente para salvaguardar direitos de propriedade intelectual sobre algumas das técnicas desenvolvidas.
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O grupo já havia sintetizado quimicamente um genoma de bactéria, e também já havia transplantado o genoma de uma bactéria para outra. Agora, o cientista Daniel Gibson e seus colegas (todos empregados no instituto criado pelo empresário-biólogo Craig Venter) juntaram os dois métodos para criar o que batizaram de “célula sintética” – ainda que apenas o genoma da célula seja sintético. "Nós chamamos de sintético porque a célula é totalmente derivada de um cromossomo fabricado em um sintetizador químico, com base em informações em um computador”, explicou Venter.
É uma ferramenta muito poderosa para tentar projetar o que desejamos que a biologia faça. Temos uma ampla gama de aplicações em mente"
Craig Venter
O genoma sintético é uma cópia de genoma da bactéria Mycoplasma mycoides. Só que à cópia foram adicionadas sequências de DNA montadas em laboratório que serviram como marcas d’água para distingui-la de um genoma natural. O resultado, transplantado na bactéria Mycoplasma capricolum, deu “reboot” nas células receptoras. Na hora do transplante, 14 genes foram deletados ou rompidos, mas mesmo assim as M. mycoides se comportaram como M. mycoides normais, e só produziram proteínas próprias de M. mycoides.
“Se os métodos que descrevemos no artigo puderem ser generalizados, projeto, síntese, montagem e transplante de cromossomos sintéticos não serão mais uma barreira para o progresso da biologia sintética”, escrevem os pesquisadores. “É uma ferramenta muito poderosa para tentar projetar o que desejamos que a biologia faça. Temos uma ampla gama de aplicações em mente”, avisa Venter.
Uma das propostas de Venter (que ele vem propagandeando não é de hoje) é fazer sua "vida 2.0" produzir etanol (álcool) ou hidrogênio, como forma barata de obtenção desses combustíveis limpos. O cientista-empresário já foi acusado de estar criando a "Micróbiosoft" (em referência à Microsoft de Bill Gates), impedindo o uso livre da chamada biologia sintética e mesmo monopolizando a tecnologia.
Outros cientistas defendem a chamada "biologia sintética open-source" (de fonte aberta), na qual as informações para a construção de novos organismos ficariam disponíveis para uso gratuito de toda a comunidade científica.
Biólogo brasileiro comenta criação
de célula com genoma artificial
Eficiência do processo ainda é bem baixa e o custo é bem alto.
Mas potencial da tecnologia é enorme, assim como seus riscos.
Havia dito que viria em 2009, mas errei por pouco. Mas mesmo com alguns meses de atraso, o genoma sintético, criado pelo polêmico Craig Venter, ganhou as manchetes mundiais nesta quinta-feira (20).
O trabalho, publicado na concorrida revista científica "Science", traz uma narrativa interessante dos desafios enfrentados pelo grupo de Venter para gerar vida artificial. O manuscrito - cheio de nuances, reviravoltas, dilemas éticos, frustrações e um final feliz - mais parece um romance.
A saga de Venter começou com a síntese química do DNA de um micro-organismo, no caso um tipo de micoplasma (genitalium G37), com 582.970 pares de base, contendo 482 genes, um dos menores genomas até agora. A sequência do micoplasma já havia sido decifrada anteriormente.
Análises microscópicas e moleculares mostraram pouca diferença entre os micro-organismos naturais e os artificiais. A julgar pelas imagens, pode-se dizer que Venter conseguiu
Por meio de reações químicas, o grupo refez a sequência das bases nitrogenadas do DNA, uma por uma, até atingir a cópia perfeita do genoma biológico encontrado na natureza. O obstáculo tecnológico da síntese de grandes sequências de DNA havia sido relatado anteriormente, num avanço tecnológico descrito em 2007. A montagem do genoma inteiro foi feita por partes, aproveitando-se do maquinário de recombinação das leveduras. Tudo foi sequenciado novamente, para ter certeza de que o genoma estava livre de erros. Também foram adicionadas “marcas d’água” no genoma sintético, diferenciando o micoplasma sintético do natural. Também foram adicionados genes que conferem resistência a certos antibióticos, para seleção em laboratório.
Com receio de armas biológicas,a CIA já está acompanhando de perto esses avanços, e tem uma lista dos centros capazes de sequenciar e montar pequenos genomas.
O outro desafio foi o de transplantar esse genoma para dentro de um citoplasma de uma célula receptiva. O genoma dos micro-organismos possuem "marcas" químicas no DNA, conhecidas como metilação. A célula lê o padrão de metilação do genoma e não o destrói, pois reconhece como pertencente a si mesma. Quando a bactéria é invadida por um vírus ou outro agente infeccioso, ela não reconhece o mesmo padrão e degrada o DNA exógeno, evitando a colonização do DNA pelo invasor.
O grupo de Venter usou duas estratégias para garantir que o genoma sintético não fosse destruído pelo mecanismo de defesa do micoplasma receptor. Primeiro, eles manipularam a bactéria hospedeira, removendo os genes responsáveis pela "restrição" de DNA exógeno (genes que lêem o perfil de metilação do DNA). Além disso, o grupo recriou o padrão de metilação do genoma sintético in vitro. Com essas duas estratégias, eles conseguiram manter os dois genomas dentro da mesma célula, mesmo que temporariamente. A pressão seletiva com antibióticos garantiu a sobrevivência dos micoplasmas que só tivessem o genoma sintético resistente.
O truque não funcionou de primeira. Descobriu-se uma mutação no sequência sintética, num gene essencial. Corrigiu-se a mutação e tentou-se de novo. Dessa vez pegou. Ao re-sequenciar novamente o genoma, descobriu-se que alguns genes não estavam funcionais por causa de deleções que aconteceram pelo caminho. Tudo bem, não eram genes muito importantes e seguiu-se assim mesmo.
Assim, o genoma sintético passou a codificar utilizando-se o maquinário protéico que já estava presente no citoplasma, produzindo todas as proteínas necessárias para a replicação da célula. Ao longo de diversas passagens, as proteínas celulares foram sendo substituídas por proteínas codificadas pelo genoma sintético. Estimou-se que em 30 gerações, os micoplasmas das culturas eram completamente oriundos de um genoma artificial. Análises microscópicas e moleculares mostraram pouca diferença entre os micro-organismos naturais e os artificiais. A julgar pelas imagens, pode-se dizer que Venter conseguiu.
A eficiência do processo é bem baixa e o custo bem alto. Ainda não é uma tecnologia que qualquer laboratório de biologia molecular será capaz de fazer nos próximos anos. Mesmo assim, o potencial da tecnologia é enorme. Pode-se, por exemplo, criar versões seguras de bactérias que “digerem” vazamentos de óleo, ou que produzam bicombustível de forma limpa. Poderá ser usada tanto para o bem (aplicações na área de saúde) quanto para o mal (armas biológicas). Talvez por isso mesmo a CIA já esteja acompanhando de perto esses avanços e tem uma lista dos centros capazes de sequenciar e montar pequenos genomas.
Interessante notar que o trabalho de Venter cutuca valores morais e éticos da sociedade atual. Até que ponto os cientistas teriam liberdade para criar novos seres recombinantes? Quais seriam as regulações e restrições para esse tipo de pesquisa? Mais importante, na minha opinião, são as possibilidades de se criar um genoma minimalista. Replicantes artificiais não são mais ficção científica e podem fornecer importantes detalhes sobre a origem da vida ou como manipular a evolução das espécies. Fascinante e adorável perspectiva.
* Alysson Muotri é colunista do G1 e pesquisador na Universidade da Califórnia , campus de San Diego
Fonte:http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/05/cientistas-montam-celula-controlada-por-genoma-fabricado-em-laboratorio.html
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