quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Brasil tem apenas 65 serviços para aborto legal


  • Com 2º maior número de estupros, Rio tem só um hospital com onde é possível interromper a gestação

SÃO PAULO — O número de estupros já é maior do que o número de homicídios no Brasil, e o dado chama atenção para uma questão que, segundo levantamento feito pelo GLOBO, não recebe a devida atenção das autoridades. Como garantir o direito de uma mulher que eventualmente engravida após a violência (até 6% delas) e tem de interromper a gestação? O Ministério da Saúde informa que existem apenas 65 serviços para abortos legais no país.
Dados do Fórum de Segurança Pública indicam que o número de estupros ultrapassou 50 mil em 2012. Ontem, em seu Twitter, a presidente Dilma considerou alarmante o número de estupros e anunciou o lançamento de unidades do programa Casa da Mulher, como parte do plano de combate à violência de gênero.
Os dados obtidos pelo GLOBO mostram que, além de poucos, os serviços de atendimento ao aborto legal são mal distribuídos pelo território nacional. Em Roraima, estado com maior número de estupros por cada cem mil habitantes (52,2), por exemplo, não existe nenhum centro. Já Minas Gerais, que registra uma das taxas mais baixas (10,1), possui dez; enquanto que São Paulo, estado onde mais mulheres são violentadas (12.886), tem cinco. O Rio, segundo colocado (5.923), tem apenas um.
Em tese, todas as maternidades públicas deveriam oferecer o serviço, afirmam ONGs e especialistas. O aborto é permitido por lei em quatro situações: risco de vida à gestante, risco à sua saúde, em casos de fetos anencéfalos (sem cérebro) e em casos de estupro. Enquanto que nos primeiros três casos essas maternidades realizam o procedimento sem maiores problemas, a questão do estupro é considerada um tabu. Especialistas e ONGs acusam o governo brasileiro de não tratar devidamente a questão e nem divulgar a existência desses centros por conta de pressões de “fundamentalistas religiosos”.
Indagado pelo GLOBO sobre o nome e endereço desses centros, o ministério disse que não divulgaria isso para o grande público “porque médicos e vítimas podem ser hostilizados”. As secretarias de Saúde de Rio e São Paulo citam um número muito maior de centros aptos a realizar um aborto legal do que o que ocorre na prática.
— Quando você pergunta para o gestor estadual se tem o serviço, 85% dos municípios vão dizer que têm. Isso tornaria o problema mais resolvido no Brasil do que na Europa. Mas, quando você vê se eles estão funcionando, você encontra outra situação — diz Jefferson Drezet, coordenador do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, em São Paulo, principal referência no setor.
Situação parecida no RJ e SP
Não era nem 6h da manhã quando R., de 17 anos, saiu de sua casa em Guarulhos, município vizinho a São Paulo, para ir ao trabalho — ela é recepcionista de uma academia de ginástica. Foi violentada por um homem de capacete. Passou por quatro locais (dois postos de saúde e duas delegacias de polícia) até ser encaminhada ao Pérola.
— Só queria ser atendida para tomar a pílula do dia seguinte, fazer exame de HIV. Mas o posto não me deu o remédio, disse que eu tinha que vir para cá, porque é só aqui que atende casos como o meu. Deus me livre ficar grávida — lamenta.
A situação no Rio vem se provando semelhante à de São Paulo. Apesar de as secretarias locais afirmarem que, em tese, qualquer maternidade está apta a realizar o procedimento, a relatora nacional do direito à saúde sexual e reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil, Beatriz Galli conta que, no Rio, o serviço de aborto legal funciona apenas no Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães, em São Cristóvão. A informação é confirmada por Jefferson Drezet. (Colaborou Carolina Benevides)
O Globo

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