terça-feira, 24 de agosto de 2010

Decisão Administrativa para registro no caso de "Barriga de Aluguel"

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Importante decisão de cunho adminsitrativo que autoriza o registro de bebê gestado em "barriga de aluguel" diretamente pelos pais doadores de gameta.

PARECER Nº 82/2010_E_ PROCESSO Nº 2009/104323

Data inclusão: 21/05/2010(082/10_E)

REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS _ Assento de nascimento _
Filha gerada mediante fertilização in vitro e posterior inseminação artificial, com implantação do embrião em mulher distinta daquela que forneceu o material genético _ Pretensão de reconhecimento da paternidade pelos fornecedores dos materiais genéticos (óvulo e espermatozóide) _ Cedente do óvulo impossibilitada de gestar, em razão de alterações anatômicas _ “Cedente do útero”, por sua vez, que o fez com a exclusiva finalidade de permitir o desenvolvimento do embrião e o posterior nascimento da criança, sem intenção de assumir a maternidade _ Confirmação, pelo médico responsável, da origem dos materiais genéticos e, portanto, da paternidade biológica em favor dos recorridos _ Indicação da presença dos requisitos previstos na Resolução nº1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina, em razão das declarações apresentadas pelos interessados antes da fertilização e inseminação artificiais _ Assento de nascimento já lavrado, por determinação do MM. Juiz Corregedor Permanente, com consignação da paternidade reconhecida em favor dos genitores biológicos _ Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

1. Trata_se de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de  Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, da Comarca de Campinas, que afastou a recusa de lavratura de assento de nascimento de criança com imputação da paternidade aos fornecedores de materiais genéticos utilizados para fertilização in vitro e inseminação artificial em mulher que, sem ser a produtora do óvulo, autorizou a prática do ato com a exclusiva finalidade de permitir o desenvolvimento do embrião e o seu futuro nascimento.
O recorrente alega, em suma, que a maternidade é presumida pela gestação, sendo mãe aquela que pariu a criança. Afirma que o contrato celebrado entre os envolvidos, intermediado por médicos do Centro de Reprodução Humana de Campinas, ligado à Faculdade de Medicina da Unicamp, não supera o princípio da maternidade certa pela gestação e parto. Assevera que, no presente caso,  não existe segurança jurídica da origem dos materiais genéticos que resultaram na fertilização artificial, para o que seria necessária a produção de exame de confronto do DNA da criança com os dos requerentes, prova cuja produção o presente procedimento administrativo não comporta. Diz que devem prevalecer os interesses da criança, o que ocorrerá com a lavratura de assento de nascimento que retrate a estrita veracidade quanto à paternidade e maternidade, de forma a assegurar a preservação da dignidade humana. Considera que a lavratura do assento de nascimento na forma pretendida não possibilitará o futuro conhecimento, pela criança, de sua real origem, porque ocultará a verdadeira maternidade. Além disso, não existe regulamentação legal para a prática pretendida pelos recorridos, o que impõe maiores cautelas e impede, por sua vez, a presunção de paternidade e maternidade tão só pelas declarações apresentadas pelos interessados, nas quais se inclui a do médico responsável pela fertilização e pela inseminação. Tece comentários sobre a possibilidade de manipulação genética vedada ou ilegal. Afirma, por fim, que a genitora que deu à luz não tem parentesco com os supostos pais biológicos, o que contraria resolução do Conselho Federal de Medicina destinada a impedir a comercialização do útero. Requer o provimento do recurso para que seja determinada a lavratura do assento de nascimento em nome da mulher indicada como genitora na Declaração de Nascido Vivo, com remessa dos interessados às vias ordinárias para a solução de eventual litígio relativo à paternidade e maternidade.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 60/63).

Opino.

2. H. F. C. J. e S. R. L. formularam ao Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, da Comarca de Campinas, solicitação para que figurem como genitores no assento de nascimento de M. L. C., nascida em 27 de julho de 2009.
Essa solicitação foi instruída com “Declaração de Nascido Vivo” expedida pelo Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher _ CAISM _ Unicamp, em que M. E. T. se encontra identificada como genitora por se cuidar daquela que deu à luz.
Foram apresentados pelos recorridos, ainda; a) “Termo de Consentimento para Substituição Temporária de Útero” em que H. F. C. J. e S. R. L. figuram como “Pais Genéticos”, ou seja, fornecedores do óvulo e do espermatozóide, e A. F. C. e M. E. T. figuram como “Doadores do Útero” (fls. 4/8); b) “Termo de Consentimento Pós Informado para FIV/ICSI” (fls. 09/10); c) “Termo de Consentimento Pós_Informado para Criopreservação de Pré_Embriões/Embriões após Fertilização In Vitro” (fls. 11/12); d) declaração prestada pelo médico Carlos Alberto Petta confirmando a origem dos materiais genéticos que resultaram na fertilização e inseminação artificiais; e) declaração de M. E. T. no sentido de que foi submetida a inseminação artificial de embrião fertilizado com uso de materiais genéticos alheios e de que não tem pretensão de assumir a maternidade da criança assim gerada (fls. 25).
3. O MM. Juiz Corregedor Permanente, fundado na inexistência de vedação legal para o procedimento adotado na fertilização e inseminação artificiais, na natureza relativa das presunções de paternidade e maternidade decorrentes da lei, e no melhor interesse da criança, determinou a lavratura do assento de nascimento com consignação de que é filha de seus pais biológicos, ou seja, fornecedores dos materiais genéticos utilizados na fertilização in vitro, com arquivamento do procedimento pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais para fornecimento, aos interessados, de certidão relativa ao seu conteúdo, mediante prévia autorização judicial (fls. 32/41).
4. Presume_se a maternidade em favor daquela que consta no termo do nascimento do filho (artigos 1.603 e 1.608 do Código Civil), elaborado em consonância com a Declaração de Nascido Vivo (artigo 10, inciso IV, da Lei nº 8.069/90) e a paternidade em favor do marido quanto aos filhos nascidos na constância do casamento, ainda que havidos por inseminação artificial heteróloga consentida (artigos 1.597 e 1.600 do Código Civil). Além disso, presume_se a maternidade e a paternidade em favor daqueles que, não sendo casados, a reconhecerem voluntariamente (artigos 1.607 e1.609 do Código Civil, artigo 59 da Lei nº 6.015/73 e artigos 1º e 2º da Lei nº 8.560/92). Cuida_se, por sua vez, de presunções relativas, o que possibilita a contestação da maternidade e da paternidade pelos legitimados na forma da lei (artigos 1061 e 1608 do Código Civil), ressalvada a irrevogabilidade do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento (artigo 1609 e 1610 do referido Código). Admite_se, outrossim, que na falta ou defeito do termo de nascimento seja a prova da filiação realizada por qualquer modo admissível em direito quando houver começo de prova escrita, proveniente do pai ou da mãe, e quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos (artigo 1.605, incisos I e II, do Código Civil).
5. No caso em exame, não incide a presunção de paternidade em favor de A. F. C., qualificado como “doador de útero” no “Termo de Consentimento para Substituição Temporária de Útero” (fls. 4), porque o próprio Anderson declarou não ser o fornecedor do material genético, nem ter autorizado a fecundação heteróloga de sua companheira com a finalidade de gerar prole para o casal. Ademais, foi posteriormente apurado que M. E. T., que figurou como cedente do útero, é solteira (fls. 25 e 26), fato não alterado pela eventual manutenção de união estável com A. F. C. porque não há, nesta esfera administrativa, presunção de paternidade para o companheiro sem que expressamente a declare para efeito de estabelecimento de filiação mediante registro.
Por tais motivos, prevalecem, in casu, as declarações de H. F. C. J. no sentido de que é o genitor biológico da criança gerada por meio de fertilização in vitro e dela reconhece a paternidade (fls. 2 e 4/12).
Dessa forma decorre dos artigos 1.609, inciso II, do Código Civil, 59 da Lei nº 6.015/73 e 1º, inciso II, da Lei nº 8.560/92, anteriormente citados, cabendo observar que o reconhecimento de paternidade contou com as anuências de M. E. T. (fls. 25) e de S. R. L. (fls. 2).
Não havia, portanto, impedimento para a lavratura do assento de nascimento (já promovido) com imputação da paternidade ao genitor biológico da criança que foi gerada por meio de fertilização in vitro e posterior inseminação artificial.
6. Por outro lado, o Código Civil, em seu artigo 1.597, incisos III a V, estabelece presunção de paternidade do marido em relação aos filhos havidos por inseminação artificial homóloga (incisos I e II) e por inseminação artificial heteróloga previamente consentida (inciso III). A legislação pátria, contudo, não contém ressalva para a presunção de maternidade decorrente do parto (artigos 1.603 e 1.608 do Código Civil e 10, inciso IV, da Lei nº 8.069/90), seja a criança gerada por fertilização natural ou artificial. Presume_se, portanto, mãe aquela que deu à luz, independente da origem doóvulo, o que se faz em atendimento ao princípio mater semper certa est.
7. Diante da inexistência de legislação específica, o Conselho Federal de Medicina, no campo da ética, regulamentou a conduta de seus membros, na denominada “gestação de substituição”, por meio da Resolução nº 1.358/92 que assim dispõe:
“VII _ SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra_indique a gestação na doadora genética.
1 _ As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 _ A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial”.
Fora, porém, do campo da ética na conduta dos médicos, encontra_se na doutrina jurídica divergência sobre o tratamento a ser dispensado aos casos de gestação por substituição, em que ocorre a fertilização do óvulo de outrem, in vitro, e a sua posterior inseminação, por meio artificial, naquela que acaba por suportar a gestação e realizar o parto.
Rolf Madaleno, sobre o tema, assim se posiciona: “Anota Belmiro Pedro Welter ser definida a maternidade pelo parto e esta é a orientação que tem prevalecido de ser mão aquela que dá à luz a criança, sendo negados efeitos jurídicos aos contratos de gestação substituta e que a quase totalidade dos países consideram inclusive um ilícito penal” (Curso de Direito de Família, 2008, Rio de Janeiro: Forense, 1ª ed., págs. 395/396).
Paulo Lôbo, seguindo linha não dissonante, diz que: “O Brasil, ao lado maioria dos países, não acolheu o uso instrumental do útero alheio, sem vínculo de filiação (popularmente conhecido como “barriga de aluguel”). Com a natureza de norma ética, dirigida à conduta profissional dos médicos, a Resolução n. 1.358, de 1992, do Conselho
Federal de Medicina, admite a cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente colateral até o segundo grau da mãe genética” (Direito Civil: famílias, 2008, São Paulo: Saraiva, págs.199/200).
O referido autor, além disso, prossegue esclarecendo que o § 1.591 do Código Civil alemão, com a redação dada por lei de 1997, prevê que a maternidade da mãe parturiente “não pode ser anulada por falta de ascendência genética, nem desafiada por ação de investigação de maternidade” (obra citada, pág. 200).
Já para Sílvio de Salvo Venosa: “Quanto à maternidade, deve ser considerada mãe aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de família é irrenunciável e não admite transação. Nem sempre será essa, porém, uma solução eticamente justa e moralmente aceita por todos. A discussão permanece em aberto. Muito difícil poderá ser a decisão do juiz ao deparar com um caso concreto. Tantos são os problemas, das mais variadas ordens, inclusive de natureza psicológica na mãe de aluguel, que o mesmo projeto de lei sobre reprodução assistida citado, em tramitação legislativa, proíbe a cessão do útero de uma mulher para gestação de filho alheio, tipificando inclusive essa conduta como crime. Sem dúvida, essa é a melhor solução. No entanto, a proibição não impedirá que a sociedade e os tribunais defrontem com casos consumados, ou seja, nascimentos que ocorreram dessa forma, impondo_se uma solução quanto à titularidade da maternidade. Sob o ponto de vista do filho assim gerado, contudo, é inafastável que nessa situação inconveniente terá ele duas mães, uma biológica e outra geratriz. Não bastassem os conflitos sociológicos e psicológicos, os conflitos jurídicos serão inevitáveis na ausência de norma expressa” (Direito Civil: direito de família, 2007, São Paulo: Atlas, 7ª ed., pág. 224).
Por seu lado, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, ao comentar o que denomina como “maternidade_de_substituição”, conclui que deve prevalecer a vontade volitiva que se revelar em prol do melhor interesse do filho, o que faz nos seguintes termos:
“No Brasil, contudo, no estágio atual dos valores culturais, religiosos e morais relativamente à maior parte da sociedade, não se mostra possível conceber a licitude da prática da maternidade_de_substituição, conforme foi analisado, mesmo na modalidade gratuita. Contudo, em havendo a prática _ mesmo que de forma ilícita _, logicamente que a criança não poderá ser considerada espúria e, conseqüentemente, deve ter resguardados os seus direitos e interesses, entre eles o de integrar uma  família onde terá condições de ser amparada, sustentada, educada e amada, para permitir seu desenvolvimento pleno e integral em todos os sentidos, cumprindo_se, desse modo, os princípios e regras constitucionais a respeito do tema. Quanto à paternidade, maternidade e filiação originárias, no entanto, é oportuno observar o mesmo raciocínio anteriormente desenvolvidos a respeito da vontade como principal pressuposto para o estabelecimento dos vínculos, em substituição à relação sexual, já que também na maternidade_de_substituição _ como prática associada às técnicas de procriação assistida _ não há que se cogitar na conjunção carnal para o fim de permitir a concepção e o início da gravidez da mulher gestante” (O Biodireito e as Relações Parentais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, págs. 862/863).
Luiz Edson Fachin, considerando predominantes a verdade biológica ligada à verdade sócio_afetiva, entende que: “O avanço da técnica médica presta relevantes serviços aos fins do Direito de Família. Sem embargo, a plena possibilidade de atestar a verdade biológica, em percentuais elevados de confirmação da paternidade pela via do exame em DNA, traduz consigo mesma um paradoxo: a verdade biológica pode não expressar a verdadeira paternidade. Cogita_se, então, da verdade socioafetiva, sem exclusão da dimensão biológica da filiação.
De outra parte, verifica_se que a procriação artificial tem a finalidade de possibilitar a geração de um descendente de sangue. Neste aspecto, também aqui surge o problema da valoração da verdade socioafetiva. No vazio legislativo ordinário, contempla a temática na perspectiva da inseminação artificial a Resolução n. 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina. Das “Normas Éticas para a Reprodução Assistida” daquela Resolução emergem algumas características: 1) A reprodução assistida é “subsidiária”; 2) Toda manipulação genética deve evitar a seleção da espécie, princípio fundamental para evitar a eugenia; 3) A mulher, para  submeter_se à reprodução assistida, deve ser casada ou manter união estável; 4) A Resolução prevê a gestação por substituição, desde que seja com pessoa da família, parentes de segundo grau. Assim, em tese, estaria vedada a contratação de terceiro para realizar a gestação por substituição.
Em suma, parentesco e benemerência, gratuidade e impossibilidade da reprodução pelas vias normais equilibram esse regime de “doação gratuita e temporária” do útero”.
8. Verifica_se na doutrina citada que, ante a ausência de regulamentação legislativa, a solução para as situações concretas, ocorridas a fertilização in vitro e a posterior inseminação artificial em “cedente de útero”, ou “mãe_de_substituição”, deve prevalecer o melhor interesse da criança desse modo concebida e nascida, o que, neste caso concreto, corresponde à lavratura do assento de nascimento com base na verdade biológica da filiação.
Assim porque as declarações apresentadas por H. F. C. J., S. R. L.i (pais biológicos) e M. E. T. (indicada como genitora na Declaração de Nascido Vivo), são concludentes no sentido de que a concepção e paternidade sempre foi desejada pelos pais biológicos, doadores dos materiais genéticos utilizados na fertilização in vitro, prestando_se M. somente a servir para a gestação e parto, sem qualquer intenção de assumir a maternidade da criança, o que fez porque S. R. L. não tem possibilidade de gestar em decorrência de alterações anatômicas (fls. 05). Nesse sentido são as declarações contidas nos documentos de fls. 02 e 04/08 e, mais, a declaração de fls. 25 em que M. E. T. afirma:
“DECLARO AINDA que NÃO TENHO nenhuma pretensão de assumir a maternidade de tal criança, que não é minha filha, visto que apenas e tão somente doei meu útero para gestação conforme TERMO DE  CONSENTIMENTO PARA SUBSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA DE ÚTERO,  constante nestes autos” (fls. 25).
Negada a intenção de assumir a maternidade por aquela que suportou a gestação e parto, porque somente o fez com a premeditada intenção de servir de “mãe_de_gestação” para a filha concebida pelos doadores dos materiais genéticos (espermatozóide e óvulo), torna_se evidente que a lavratura do registro em desconformidade com a verdade biológica será prejudicial à criança que nenhum sustento e educação receberá dessa genitora.
O mesmo ocorre em relação a A. F. C., companheiro de M. E. T., porque também manifestou sua anuência com a gestação por substituição visando o nascimento de filho (ou filha) biológica de H. F. C. J. e S. R. L. (fls. 04/08).
Prevalecendo a verdade biológica, terá a criança estado compatível com sua condição sócio_afetiva, pois serão presumidos genitores (artigo 1.604 do Código Civil) aqueles que manifestaram, desde a concepção, a posteriormente concretizada intenção de tê_la como filha, assumindo, desse modo, a responsabilidade por todos os devedores inerentes ao poder familiar, em especial os de sustento e educação. E a possibilidade de prevalência da verdade sócio_afetiva não é estranha à legislação civil, porque abarcada pelo artigo 1.593 do Código Civil, cabendo, novamente, ressaltar que neste caso concreto a paternidade sócio_afetiva correspondente à biológica. No mesmo sentido encontra_se o r. parecer do douto Procurador de Justiça, Dr. Luiz Felippe Ferreira de Castilho Filho, com o seguinte teor: “É certo que não se tem certeza absoluta se o embrião introduzido no útero de M. E.T. é, de fato, produto da inseminação do espermatozóide do requerente H. no óvulo da requerente S. No entanto, não há nos autos nenhum indício que levante dúvidas a respeito disso, sendo certo que  nem mesmo um exame de DNA garantiria a certeza absoluta sobre seu  resultado. Além do mais, o registro será sempre passível de contestação e de correção, caso não exprima verdade biológica. Há, ainda, a questão da vinculação sócio_afetiva, que, no caso presente, existe a partir do momento em que os requerentes aceitaram realizar o procedimento médico, cientes de todos os riscos que um procedimento desta natureza possui. Também não há que se falar em ofensa à preservação da história da criança, já que o que se está buscando é justamente garantir que seu registro de nascimento espelhe a verdade biológica e afetiva, sendo indiferente se quem a pariu foi sua mãe biológica ou terceira pessoa.   Mesmo porque a própria M. E. T. manifestou no sentido de que não é a mãe da criança, sendo que apenas cedeu seu útero para que a gestação fosse levada até o fim, reconhecendo a maternidade da requerente (fls. 25). Em termos práticos, o útero de M. E. T. equivale a uma incubadora, já que, por mais altruísta que tenha sido a conduta, foi apenas o meio utilizado para que o feto pudesse sobreviver” (fls. 62/63). Cabe, outrossim, anotar que tendo M. E. T. e A. F. C. declarado a existência de união estável, assumindo a primeira a qualidade de cunhada dos genitores biológicos (fls. 4), não há que se falar na ausência de parentesco por afinidade entre a “mãe_de_substituição” e os pais biológicos, na linha colateral, porque também existe nessa forma de constituição de família (artigo 1.595, parágrafo 1º, do Código Civil).
Assim, no caso concreto, prevalente a paternidade biológica, A. F. da C., que era companheiro de M. E. T. na época da inseminação artificial, será tio paterno da criança nascida após a fecundação artificial (fls. 14 e 30).
9. Por fim, anota_se que mediante determinação do MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 51) já foi lavrado o assento de nascimento da criança, conforme se verifica pela certidão copiada às fls. 55.
10. Ante o exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.
Sub censura.
São Paulo, 19 de março de 2010.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Auxiliar da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso interposto. Publique_se.

São Paulo, 26 de março de 2010. Des. ANTONIO CARLOS MUNHOZ   SOARES. Corregedor Geral da Justiça.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O novo Código de Ética Médica e os limites impostos pelo Judiciário

Entrou em vigor neste ano o novo Código de Ética Médica, depois de vinte anos de vigência do anterior. Segundo informações do conselho responsável pela classe, é um documento atento às determinações da medicina brasileira do século 21, bem como aos avanços tecnológicos, científicos, à autonomia e direitos do paciente.
Comporta ao todo 25 princípios fundamentais, entre os quais o de que a medicina não pode, em nenhuma circunstância, servir ao comércio. Princípios e diretrizes que trazem, em síntese, temas espinhosos para a rotina de profissionais que atuam constantemente sob pressão por resultados, pela manutenção do sigilo e pela cobrança por responsabilidades. Assuntos delicados que, inúmeras vezes, rompem a barreira dos consultórios e chegam aos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui vasta jurisprudência sobre os diversos aspectos envolvendo o tema.
O médico, por exemplo, não deve revelar sigilo relacionado a paciente menor, inclusive a seus pais ou representantes, desde que esse tenha capacidade de discernimento e quando o segredo não acarreta dano ao paciente.
O profissional também não pode revelar informações confidenciais obtidas quando do exame de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio colocar em risco a saúde dos demais empregados ou da comunidade. E, ainda, tem a obrigação de avisar ao trabalhador eventuais riscos à saúde advindos de sua atividade laboral.
É vedado, assim, revelar fatos obtidos por desempenho da função, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento por escrito. Na investigação de suspeita de crime, por exemplo, o médico estará impedido de revelar assuntos que possam expor o seu cliente a processo penal.
Essa é a situação de um caso a ser julgado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul pede o trancamento de investigação contra centenas de mulheres suspeitas de fazerem aborto em uma clínica de planejamento familiar, em Campo Grande (MS). O argumento é que a instauração do inquérito não é calcada em prova válida, já que as fichas médicas estariam acobertadas pelo sigilo.
A regra informa que, quando requisitado judicialmente, o prontuário é disponibilizado a um perito médico nomeado pelo juiz. O STJ já julgou inúmeros casos de solicitação de quebra de sigilo feita por requisição de autoridades judiciais. O sigilo, porém, não é absoluto e existe para proteger o paciente.
Foi esse o posicionamento da Corte em um processo em que a instituição se recusava a entregar o prontuário para atender a uma solicitação do Ministério Público, com vistas a apurar as causas de um acidente registrado como queda acidental. No curso de outra investigação criminal, em que o órgão solicitou informações para apuração de crime, a Segunda Turma decidiu que detalhes quanto ao internamento e período de estada para o tratamento não estão ao abrigo do sigilo.
O conselho também recomenda não permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas à reserva profissional. O STJ tem julgados que asseguram que a simples entrega de prontuário médico sem autorização do paciente é fato que, por si só, gera dano moral (AG 1.064.345).
Em uma das ações, o Tribunal considerou que houve dano à viúva em consequência da entrega do prontuário do marido falecido à empresa seguradora responsável pelo plano de saúde do paciente. Os ministros, na ocasião, consideraram que houve violação à ética e que, no máximo, poderia ser fornecido um relatório justificando o tratamento e o tempo de permanência do segurado no hospital.
A Corte também considera que o profissional não pode deixar de expedir laudo quando o paciente for encaminhado para continuação de tratamento em outra unidade da federação. Julgado do STJ registra caso de uma paciente do Rio Grande do Sul que sofreu acidente nas ruas de Brasília e teve de recorrer à via judicial para ter acesso ao diagnóstico, bem como a todas as informações sobre o tratamento no período que ficou internada na cidade. Foram quase trinta dias de coma desassistida de familiares. Segundo o STJ, nesses casos o hospital responde pelo ônus da sucumbência – prejuízo por todos os custos com o processo, além de possíveis danos morais.
De acordo com o artigo 154 do Código Penal, a violação do segredo profissional gera detenção de três meses a 1 ano ou multa. Além de observar o sigilo, o médico deve observar o dever de informar o paciente e obter o seu consentimento a respeito de determinada conduta que pretende aplicar. São princípios também adotados pelo novo Código de Ética da Medicina brasileira. E, segundo o STJ, o médico que deixa de informar o risco de um procedimento recai em negligência e responde civilmente pelos danos decorrentes da lesão.


Exames complementares


Se o sigilo é um assunto que afeta a intimidade do paciente, a responsabilidade é uma questão que afeta diretamente a vida. A jurisprudência sobre o tema registra casos de médicos que, seja por negligência, imprudência ou imperícia, cometem erros graves no exercício da profissão, como inverter o laudo radiográfico na mesa cirúrgica e operar o lado oposto do cérebro do doente ou fazer tratamento para um tumor quando se tratava de uma infecção por vermes. Isso sem contar as agulhas esquecidas. De 2002 a 2008, por exemplo, a quantidade de processos envolvendo erro médico que chegaram ao STJ aumentou 200%.
Um diagnóstico errado acarreta um transtorno psicológico que gera danos morais, estéticos e patrimoniais, além de punição no âmbito penal e disciplinar. O STJ julgou responsável por má prestação de serviço laboratório que forneceu equivocadamente laudo positivo de uma doença sem a ressalva da exigência de exames complementares para comprovação dessa doença.
O Conselho Federal de Medicina recomenda, em seu Código de Ética, que nenhum médico pode se opor a uma segunda opinião e que o paciente tem o direito de ser encaminhado a outro profissional como forma de assegurar o tratamento. Uma estudante de Direito moveu ação de reparação de danos em razão de o laudo radiológico ter errado na formulação do diagnóstico: ela apresentava pneumonia dupla e o profissional ignorou o fato, causando graves consequências posteriores.
A responsabilidade médica, assim como acontece com outros profissionais liberais, é de meio, exceto nas cirurgias plásticas embelezadoras, em que o profissional se compromete com o resultado final. Isso porque o médico não pode garantir a cura, assim como o advogado não pode garantir uma causa, ou o publicitário, vendas líquidas e certas. Mas o médico deve agir com diligência, que é o agir com amor, cuidado e atenção – somada à perícia e ao conhecimento.
Segundo o autor Miguel Kfouri Neto, na publicação “Responsabilidade Civil do Médico”, os processos visando à apuração de responsabilidade por erro médico tem tramitação longa e são de difícil comprovação. “É recomendável que os juízes imprimam especial celeridade a esses feitos, colhendo as provas ainda na flagrância dos acontecimentos”, recomenda.
Os médicos, diferentemente dos hospitais, só respondem diante de culpa e mediante um nexo de causalidade (relação clara de causa e efeito). As instituições hospitalares têm a chamada responsabilidade objetiva, isto é, respondem independentemente de culpa ou nexo causal. De acordo com o Código do Consumidor, é o lesado quem deve provar o dano que tem nas relações contra os fornecedores de serviço, mas, no caso desses profissionais, não é assim que acontece.
Como, no caso, é o médico que detém o conhecimento necessário sobre o ato, o ônus da prova pode ser invertido, de modo que o prejudicado possa apenas apresentar o resultado danoso. De acordo com o STJ, essa inversão não é automática e cabe ao juiz justificá-la. (Resp 437.425)


Prazo de cinco anos


As ações para apuração de falhas médicas podem ser propostas perante os conselhos regionais, para as punições disciplinares, ou na Justiça comum, para punição no âmbito civil ou penal, no foro de domicílio do autor. O prazo para propô-las, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é de cinco anos, embora o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil, imponha um prazo de três anos. Para eventos anteriores a 11 de janeiro de 2003, o prazo é de vinte anos.
Outra decisão importante do STJ sobre o tema “responsabilidade” é que a União não possui legitimidade para figurar no polo passivo de ação em que se objetiva danos morais decorrentes de erro médico ocorrido em hospital da rede privada, durante atendimento custeado pelo SUS.
Em contrapartida, a prestadora de serviços de plano de saúde tem legitimidade passiva para figurar em casos de indenização por erro médico. Foi o que garantiu uma decisão da Quarta Turma, em julho, em favor de uma paciente que foi internada para fazer coleta de um material num dos seios e teve as duas mamas retiradas sem o seu consentimento.

Processos: Resp 494206; Resp 629212; Resp 717900; Resp 467878; Ag1269116; Resp 605435; Resp1051674; Ag 818144; Resp 696284; RMS 14134; HC140123; Resp 540048; RMS 11453; Resp 159527; Ag 1064345; Resp 1133386; Resp685929

Retirado do site do STJ

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde

Apresentação O Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde foi instituído em 3 de agosto de 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O evento tem como objetivo a elaboração de estudos e a proposição de medidas e normas para o aperfeiçoamento de procedimentos e a prevenção de novos conflitos judiciais na área da saúde. O fórum busca criar medidas concretas voltadas à otimização de rotinas processuais bem como à estruturação e organização de unidades judiciárias especializadas.

Atividade – Para iniciar os trabalhos, o CNJ vai coordenar o I Seminário do Fórum, que acontece em 18 e 19 de novembro, em São Paulo/SP. A finalidade do evento é discutir temas sobre o direito à saúde, o controle jurisdicional da gestão pública da saúde, os desafios da vigilância sanitária e os planos de saúde privados. Os resultados servirão de subsídio para traçar o plano de trabalho do Fórum para o próximo ano.

O seminário será dividido em painéis temáticos: saúde pública, saúde suplementar, seguro saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar e terceiro setor. "A finalidade do seminário é aprofundar os estudos a respeito das questões relacionadas à saúde e conhecer sobre o nível de judicialização do tema, para garantir a proteção social do cidadão e o direito à saúde", destacou Milton Nobre.

Histórico - O Fórum Nacional do Judiciário para Assistência à Saúde foi criado pelo CNJ após a Audiência Pública n. 4, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir o aumento das ações judiciárias na área de saúde, por exemplo, obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares, tanto no setor público quanto no setor privado.

Além da Resolução n. 107/2010, que institui o Fórum, o CNJ também aprovou a Recomendação n. 31, em 30 de março de 2010, para que os tribunais adotem medidas a subsidiar os magistrados a fim de assegurar-lhes mais eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, por exemplo, apoio técnico de médicos e farmacêuticos às decisões dos magistrados.

retirado do site do CNJ