segunda-feira, 28 de março de 2011

Cirurgia bariátrica, uma conquista médica e judicial

A cada ano, cresce o número de pessoas que encaram o desafio de emagrecer reduzindo o tamanho do estômago por meio de cirurgia bariátrica. Na última década, o número de cirurgias deste tipo cresceu mais de 500%. Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking dos países que mais realizam este tipo de intervenção, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), a previsão é de que em 2011 sejam realizadas 70 mil cirurgias de redução de estômago no país. 

Mas quem precisa fazer a cirurgia bariátrica enfrenta uma verdadeira maratona para conseguir que o plano de saúde pague pelas despesas. A Lei n. 9.656/1998 compreende a cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar para o tratamento da obesidade mórbida, doença listada e classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Entretanto, nem sempre as seguradoras cobrem o procedimento. É comum o plano alegar que a cirurgia de redução de estômago é puramente estética e, por isso, negar a realização da intervenção. Outros pontos questionados pelos convênios são a carência do plano e a pré-existência da doença.

Decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentam essas questões e, caso a caso, contribuem para firmar uma jurisprudência sobre o tema. Muitas acabam beneficiando quem precisa da cirurgia bariátrica como único recurso para o tratamento da obesidade mórbida.

No julgamento do Recurso Especial (Resp) 1.175.616, os ministros da Quarta Turma destacaram que a gastroplastia (cirurgia bariátrica), indicada como tratamento para obesidade mórbida, longe de ser um procedimento estético ou mero tratamento emagrecedor, revela-se cirurgia essencial à sobrevida do segurado que sofre de outras enfermidades decorrentes da obesidade em grau severo. Por essa razão, é ilegal a recusa do plano de saúde em cobrir as despesas da intervenção cirúrgica. No caso julgado, a Turma negou provimento ao recurso especial da Unimed Norte do Mato Grosso, que alegava não haver previsão contratual para a cobertura desse tipo de procedimento.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde (ANS), que reconhece a gravidade da obesidade mórbida e indica as hipóteses nas quais a cirurgia bariátrica é obrigatória. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante que cláusulas contratuais que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo a imediata compreensão, tanto física quanto semântica, não podendo qualquer uma delas dar margem à dupla interpretação. “Afinal, um paciente com obesidade mórbida não se submeterá a uma cirurgia de alto risco apenas com finalidade estética”, ressaltou o ministro.

Carência
Em outro julgamento (MC 14.134), a Unimed Rondônia teve que autorizar todos os procedimentos necessários para a cirurgia de redução de estômago de um paciente com obesidade mórbida, independentemente do período de carência. A Quarta Turma negou pedido da cooperativa médica, que tentava suspender a determinação da Justiça estadual.

Técnica nova

Ainda sobre redução de estômago, os ministros da Terceira Turma determinaram que um plano de saúde arcasse com as despesas da cirurgia em uma paciente que mantinha contrato de seguro anterior ao surgimento dessa técnica de tratamento (Resp 1.106.789).

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que deve ser proporcionado ao consumidor o tratamento mais moderno e adequado, em substituição ao procedimento obsoleto previsto especificamente no contrato. Ela observou que havia uma cláusula contratual genérica que previa a cobertura de cirurgias “gastroenterológicas”.

Segundo a ministra, se o contrato previa a cobertura para a doença, qualquer constatação de desequilíbrio financeiro a partir da alteração do tratamento dependeria de uma comparação entre os custos dos dois procedimentos. Para a relatora, sem essa comparação, é apenas hipotética a afirmação de que a nova técnica seria mais onerosa.

Cirurgia plástica 
No julgamento do Resp 1.136.475, a Terceira Turma entendeu que a cirurgia plástica para a retirada do excesso de pele decorrente de cirurgia bariátrica faz parte do tratamento de obesidade mórbida e deve ser integralmente coberto pelo plano de saúde.

Para o relator do processo, ministro Massami Uyeda, esta cirurgia não pode ser classificada como mero tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética, procedimentos expressamente excluídos de cobertura, nos termos do artigo 10 da Lei n. 9.656/98. “É ilegítima a recusa da cobertura das cirurgias destinadas à remoção de tecido epitelial, quando estas se revelarem necessárias ao pleno restabelecimento do segurado acometido de obesidade mórbida”, ressaltou o ministro.

Preexistência da doença

No Resp 980.326, a Quarta Turma confirmou decisão que determinou à Unimed o pagamento de cirurgia bariátrica a um segurado de Mossoró (RN). O plano de saúde havia se recusado a cobrir as despesas com a cirurgia de redução de estômago, ao argumento de ser o autor portador de doença pré-existente.

Quanto à alegação, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, asseverou que não se justifica a recusa à cobertura porque a seguradora “não se precaveu mediante a realização de exames de admissão no plano, sobretudo no caso de obesidade mórbida, a qual poderia ser facilmente detectada”.

Além disso, o ministro constatou que as declarações do segurado foram submetidas à apreciação de médico credenciado pela Unimed, ocasião em que não foi verificada qualquer incorreção na declaração de saúde do indivíduo. “Deve a seguradora suportar as despesas decorrentes de gastroplastia indicada como tratamento de obesidade mórbida”, concluiu.

Dano moral

Para as seguradoras, o prejuízo em recusar o tratamento pode ser ainda maior que o pagamento do custo do procedimento médico em si. Foi o que ocorreu com a Golden Cross Assistência Internacional de Saúde. Depois de negar a cobertura de cirurgia bariátrica a uma segurada, a empresa se viu ré em uma ação de obrigação de fazer cumulada com dano moral.

Em primeira instância, a sentença determinou a cobertura da cirurgia para tratamento da obesidade mórbida, já que a doença representava risco à saúde da paciente. No entanto, o juiz afastou o dano moral. O Tribunal estadual manteve a decisão.

No STJ, a Terceira Turma atendeu ao recurso da segurada (Resp 1.054.856). A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a recusa indevida do plano de saúde de cobrir o procedimento pode trazer consequências psicológicas bastante sérias. Daí a ocorrência do dano. No mesmo recurso, a ministra constatou que, para casos semelhantes, a indenização foi fixada entre R$ 7 mil e R$ 50 mil. Na hipótese analisada, a Turma entendeu ser razoável o valor de R$ 10 mil pelo dano moral sofrido.

Atendimento público

A hipótese de realização da cirurgia bariátrica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) também é alvo de judicialização no STJ. Por vezes, a determinação de antecipação de tutela para a realização do procedimento é questionada, mas os ministros tem entendido que analisar a urgência ou não do procedimento implica reexame de provas e fatos, o que não é permitido pela Súmula 7/STJ (Ag 1.371.505). Solução semelhante teve um recurso do Distrito Federal que questionou a impossibilidade de o paciente esperar na fila de precatórios para que recebesse valor arbitrado judicialmente para custeio de honorários médicos de uma cirurgia de redução de estômago (Ag 1.265.444).

Em 2008, o município de Lagoa Vermelha (RS) apresentou pedido de suspensão de liminar e de sentença (SLS 957) para que fosse desobrigado de cumprir determinação do Tribunal de Justiça estadual para realização ou custeio de cirurgia bariátrica de uma moradora que sofria de obesidade mórbida. A decisão do TJ se deu em antecipação de tutela.

O município alegou que a imposição de fornecimento de cirurgia “não seria de sua responsabilidade” e traria ameaça de grave lesão à economia. O então presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, não acolheu a pretensão, porque o alegado prejuízo não estava evidente. Para o ministro, o custeio de cirurgia urgente de obesidade mórbida, a uma única pessoa, em razão de suas circunstâncias pessoais de grave comprometimento da saúde, não tem o potencial de causar dano concreto e iminente aos bens jurídicos que podem ser protegidos pelas SLSs.

Processos referentes:



retirado do site do STJ 

domingo, 20 de março de 2011

Anencefalia: ministro Marco Aurélio libera processo para julgamento

O ministro Marco Aurélio, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) que trata de um dos temas mais polêmicos em tramitação no Supremo Tribunal federal (STF) – a possibilidade de interrupção terapêutica da gestação de fetos anencéfalos (sem cérebro) – concluiu seu voto e liberou o processo para que entre na pauta de julgamentos plenários, ainda sem data prevista. 
A ação foi ajuizada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que defende a descriminalização da antecipação do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo. A CNTS alega ofensa à dignidade humana da mãe o fato de ela ser obrigada a carregar no ventre um feto que não sobreviverá depois do parto. A questão é tão controversa que foi tema de audiência pública em 2008 no STF, que reuniu representantes do governo, especialistas em genética, entidades religiosas e da sociedade civil.
A audiência pública foi concluída após quatro dias de discussões, sob a condução do ministro Marco Aurélio, nos quais os defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos puderam apresentar seus argumentos e opiniões, assim como aqueles que acreditam ser a vida  intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro. Foram ouvidos representantes de 25 diferentes instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros, cujos argumentos servem de subsídio para a análise do caso por parte dos ministros do STF.
acompanhamento processual
ADPF 54 QO / DF - DISTRITO FEDERAL 
QUESTÃO DE ORDEM NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO



acompanhamento processual





retirado do site do STF

segunda-feira, 14 de março de 2011

Aborto: o paradoxo entre o direito à vida e a autonomia da mulher

Perda do feto em razão de acidente, em casos em que se verifica má-formação congênita, clandestinos, causados por medicamento, violência ou de forma espontânea – a verdade é uma só: o aborto existe, e muitas brasileiras sofrem pela falta de amparo nos serviços públicos de saúde. A despeito da falta de assistência governamental, a gestação é interrompida independentemente de leis que as proíbam ou de punição por parte do Judiciário. 

Segundo dados da organização não governamental que cuida do direito das mulheres Ipas Brasil, em parceria com o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), denominada “A magnitude do aborto no Brasil: aspectos epidemiológicos e socioculturais”, um milhão de abortos são realizados todos os anos. A pesquisa foi realizada em 2007 e esse número é contestado por segmentos contra o aborto. O estudo aponta que a curetagem é o segundo procedimento obstétrico mais realizado na rede pública.

O aborto, contudo, é fato e, geralmente, feito da pior maneira possível. Na Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tramita um habeas corpus em que a Defensoria Pública pede o trancamento de investigação contra centenas de mulheres suspeitas de fazer aborto em uma clínica de planejamento familiar em Mato Grosso do Sul. A defesa alega violação do sigilo médico, já que foram apreendidos os prontuários sem anuência do profissional. A relatora é a ministra Laurita Vaz (HC 140123), que está com o parecer do Ministério Público Federal sobre o caso. Ainda não há data prevista para julgamento.

Além da constatação da prestação do serviço médico inadequado e até mesmo irregular, o tema gera um amplo debate moral, colocando como contraponto o direito absoluto da vida do feto e a autonomia da mulher em relação ao próprio corpo.

Crime contra a pessoa

A legislação penal brasileira só autoriza a prática do aborto em casos de estupro ou nos casos que não há outro meio para salvar a vida da mãe. A matéria está disciplinada pelos artigos 124 a 128 do Código Penal, tipificando seis situações. No Brasil, o ato é classificado como crime contra a pessoa, diferentemente do que ocorre em alguns países que o classificam como crime contra a saúde ou contra a família. A lei brasileira prevê pena de um a dez anos de reclusão para a gestante que recorre a essa solução.

Para o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que compõe a Quinta Turma do STJ, a melhor maneira de evitar uma gravidez indesejada é investir nos contraceptivos, mesmo aqueles de emergência. “Sou a favor de todo e qualquer método, principalmente aqueles que evitam a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis”, diz ele.

O ministro acredita que a solução da interrupção da gravidez em casos de violência deve ser conduzida pela mulher, mesmo que ela seja casada ou que tenha um parceiro estável. “A mulher é a grande responsável pela maternidade”, constata, “pois é ela quem alimenta o filho durante a fase intrauterina, e quem tem a responsabilidade do cuidado com o filho”.

O ministro é contra o aborto e acredita que é um erro tratar a prática como um método contraceptivo. Ele afirma que as autoridades governamentais deveriam incentivar a distribuição de preservativo ou a injeção de pílulas do dia seguinte. “É muito menos traumático para a mulher e para a sociedade”, conclui.

Violência contra a mulher 

Segundo pesquisa da socióloga, Thais de Souza Lapa, na tese “Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros”, de um universo de 781 acórdãos pesquisados entre 2001 e 2006, 35% envolvem situações de violência contra a mulher. Na seara dessa temática, o STJ analisou o caso em que um morador de São Paulo desferiu, em 2 de abril de 2005, facadas na esposa, que estava no quinto mês de gestação, e em mais duas pessoas, sendo uma maior de 60 anos (HC 139008).

O réu respondeu, entre outros, pelo crime de provocar aborto sem o consentimento da gestante, o que, pela legislação penal, acarreta a pena de três a dez anos de reclusão. A defesa ingressou no STJ contra a inclusão da causa de aumento da pena na pronúncia pela Justiça estadual, sem que houvesse menção a esta quando da denúncia.

Segundo o relator, ministro Jorge Mussi, a qualificadora pode ser incluída na pronúncia, ainda que não apresentada na denúncia, uma vez que não provoca qualquer alteração do fato imputado ao acusado. Pela lei penal, no homicídio doloso, a pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos.

Relações extraconjugais 

A violência contra a mulher pode surgir também de uma relação extraconjugal, em que o parceiro se ressente de uma gravidez indesejada. Entre 2008, um morador de Alegrete (RS) teria matado a amante com golpes no crânio e ocultado o cadáver. Ele exigia que ela tomasse medicamentos abortivos, mesmo já estando em fase avançada da gestação.

Seis habeas corpus e um recurso especial foram apresentados em defesa dele, além de um recurso especial interposto pelo Ministério Público gaúcho. No último habeas corpus (HC 191340), apresentado em dezembro de 2010, a defesa buscava a liberdade do acusado, alegando excesso de prazo da prisão.

Mas o relator, ministro Og Fernandes, da Sexta Turma, negou a liminar. Ainda falta a análise do mérito do pedido, o que deve ser feito ainda este ano. Tanto o recurso especial apresentado pelo acusado, quanto o apresentado pelo MP/RS (REsp 1222782 e REsp 1216522, respectivamente) ainda serão analisados. O ministro Og Fernandes também é o relator dos dois casos.

Outro caso de violência contra a mulher resultou na condenação de Jefrei Noronha de Souza à pena de cinco anos de reclusão. Ele respondeu pelas práticas de aborto não consentido e sequestro qualificado (HC 75190). O réu mantinha um relacionamento extraconjugal e, ao saber da gravidez da amante, simulou um sequestro com amigos na cidade de Taubaté (SP) com o fim de eliminar a criança. Consta da denúncia que os sequestradores introduziram medicamentos na vagina da vítima e depois, com a expulsão, jogaram o feto no vaso sanitário e acionaram a descarga.

A defesa alegou que o crime de aborto, por si só, já representava grave sofrimento moral e físico, de modo que o juiz não podia aplicar a qualificadora do parágrafo 2º do artigo 148 do Código Penal. Esse artigo trata da agravante do crime de sequestro e prevê pena de reclusão de dois a oito anos a quem impuser grave sofrimento físico ou moral à vítima. O objetivo da defesa era aplicar ao caso o princípio da consunção, segundo o qual se houver um crime-meio, de sequestro, ocorre absorção pelo crime-fim, aborto.

O Tribunal local entendeu que os delitos de sequestro e aborto visam a proteger bens jurídicos distintos. O primeiro, a liberdade individual, e o segundo, a própria vida. A Sexta Turma não apreciou a tese em virtude de já haver trânsito em julgado da decisão do Júri e de envolver matéria de prova, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.

Fornecimento de medicação

Não só a gestante, mas também a pessoa que instiga ou auxilia no aborto responde judicialmente pelo crime, inclusive quem fornece a droga. É o caso do teor de um agravo em que pesou sobre o réu a acusação de ter praticado o crime sem o consentimento da gestante (Ag 989.744), o que acarreta uma pena de um a quatro anos de reclusão. O aborto clandestino geralmente ocorre em clínicas médicas e com o apoio de conhecidos, e usualmente com a ingestão de medicamentos, o mais comum, o Cytotec.

Um caso de aborto provocado por terceiros foi o relativo a um julgado de São Paulo, em que o réu vendeu esse medicamento sem registro (HC 100.502). O Cytotec foi lançado na década de 70 para o tratamento de úlcera duodenal. No entanto, vem sendo largamente utilizado como abortivo químico. Sua aquisição se faz via mercado negro ou por meio de receita especial. A questão analisada pelo STJ remetia à aquisição irregular.

A defesa buscava anular a sentença de pronúncia com o argumento de que não foi comprovado que o uso do medicamento teria causado o aborto. A Turma entendeu que o crime se configura com a própria venda irregular, de forma que não é necessária a perícia para verificação da qualidade abortiva da droga.

A lei também apena não só o fornecedor, mas os profissionais que auxiliam a prática do aborto, com base no artigo 126 do Código Penal. Um ginecologista foi preso em flagrante em sua clínica no centro de Porto Alegre (RS), em junho de 2008, e respondeu por aborto qualificado por quatro vezes, aborto simples, também por quatro vezes, tentativa de aborto e formação de quadrilha. Ele pedia no STJ o relaxamento da prisão cautelar, mas, segundo a Corte, os reiterados atos justificaram a prisão.

Bebês anencéfalos 

Os casos que trazem maior polêmica ao Judiciário são os de anencefalia e má-formação do feto. A anencefalia consiste em uma má-formação rara do tubo neural que ocorre entre o 16° e o 26° dia de gestação e se caracteriza pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana. A causa mais comum é, supostamente, a deficiência de nutrientes, entre eles o ácido fólico. Também diante da falta de vitaminas, há dificuldade na formação do tubo neural.

A ministra Laurita Vaz reconheceu no julgamento do HC 32.159 que o tema é controverso, porque envolve sentimentos diretamente vinculados a convicções religiosas, filosóficas e morais. “Contudo, independentemente de convicções subjetivas pessoais, o que cabe ao STJ é o exame da matéria sob o enfoque jurídico”, assinalou a ministra. Para ela, não há o que falar em certo ou errado, moral ou imoral.

O habeas corpus discutia a autorização para o aborto que havia sido dada pela Justiça do Rio de Janeiro. Para a ministra Laurita Vaz, o Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizadoras do aborto, previstas no artigo 128 do Código Penal, esse caso. “O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo legislador”.

Segundo o ministro Napoleão Nunes, a vivência religiosa ou filosófica interfere nos julgamentos, pois, em princípio, elas influenciam a conduta humana. O ministro entende que a questão da anencefalia não deve ser entendida sob a perspectiva puramente religiosa, mas sob uma perspectiva médica, e cada caso é único. “Não se pode estabelecer uma regra única de solução, ainda mais porque há questões em aberto”, diz.

Perda do objeto 

Nos tribunais superiores, segundo análise da socióloga Thais de Souza, entre os anos de 2001 e 2006, não havia decisões favoráveis em sua pesquisa para o pedido de interrupção de gravidez no caso de anencefalia, pois ocorria perda de objeto. O bebê já tinha nascido ou a gravidez já estava bastante adiantada, dificultando a análise. A jurisprudência do STJ confirma essa constatação. Em 2006, três acórdãos perderam o objeto pelas razões enumeradas (HC 54317, HC 47371 e HC 56572).

Em um dos habeas corpus, um casal de São Paulo pedia para interromper a gravidez em decorrência de anencefalia. A mulher tinha ultrapassado a 31ª semana de gestação e passados 50 dias da impetração junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ainda não havia uma decisão de mérito. O STJ considerou que, devido ao fato de a gestação estar estágio bastante avançado, deveria ser reconhecida a perda de objeto da impetração.

O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, no entanto, ponderou que, havendo diagnóstico médico definitivo que ateste a inviabilidade de vida após a gravidez, a indução antecipada do parto não tipifica o crime de aborto, uma vez que a morte do feto é inevitável, em decorrência da própria patologia. A Quinta Turma entendeu que a via do habeas corpus é adequada para pleitear a interrupção da gravidez, tendo em vista a real ameaça de constrição da liberdade da mulher.

HC 140123, HC 139008, HC 191340, REsp 1222782, REsp 1216522, HC 75190, Ag 989744, HC 100502, HC 32159, HC 54317, HC 47371 e
HC 56572

Fonte: STJ

retirado do site da ed. Magister

domingo, 13 de março de 2011

O Realismo Jurídico

Alexandre Araújo Costa


Contemporâneos de Kelsen foram os primeiros autores vinculados ao realismo jurídico, que radicalizou a opção sociológica mediante um rompimento da perspectivateleológica que as concepções sociológicas anteriores. Os realistas jurídicos mais destacados foram Karl Llewellyn e Jerome Frank, tendo ambos escrito suas principais obras por volta do ano 1930, época de grande crise do estado liberal[1] e de ceticismo acerca de suas instituições. Esse ceticismo mostrou-se especialmente no antinormativismo da corrente realista que, apesar de fixar-se no estudo da atividade judiciária, opunha-se frontalmente ao positivismo normativista da escola analítica.
Para os realistas, a idéia de que as normas jurídicas têm um sentido objetivo que pode ser percebido pelos juristas a partir de um estudo cuidadoso do sistema jurídico não passa de um dogma do idealismo normativista. Porém, apesar de falso, esse mito está fortemente enraizado no modo jurídico de ver o mundo e constitui uma espécie demito básico do direito. Como essa crença na objetividade do direito é especialmente reforçada pelo discurso judiciário, que trata o direito como se fosse um sistema de normas e as decisões judiciais como deduções silogísticas, Llewellyn sustentava que “la teoría de que las normas deciden los asuntos parece haber engañado durante un siglo, no solo a los ratones de biblioteca, sino a los jueces”[2].
Inspirado pela psicanálise, Frank chegou a afirmar que o mito da certeza jurídica tinha como principal motivação satisfazer uma necessidade emocional de segurança que era profundamente enraizada no inconsciente das pessoas. Partindo da idéia de que a criança retira sua segurança da crença ilimitada na autoridade do pai, Frank afirmava que a descoberta da limitação paterna levava o adulto a, inconscientemente, tentar “encontrar en el Derecho un substituto de aquellos atributos de firmeza, certeza e infalibilidad que se confieren, en la infancia, al padre”[3]. Portanto, a segurança jurídica seria uma ficção a que recorremos em virtude da permanência de um comportamento infantil e que somente poderia ser superada pelo desenvolvimento de uma verdadeira maturidade emocional[4].
Contrapondo-se a essa ficção, Frank sustentava que não era possível conhecer o direito relativo a uma situação senão a posteriori, pois até que um tribunal decidisse a questão, não se pode dizer que havia uma norma jurídica que regulasse esse problema[5]. Era preciso, pois, encarar a ausência de previsibilidade das decisões jurídicas e construir uma teoria jurídica não fundada em quaisquer idealismos. Portanto, era preciso admitir que as normas tinham um papel bastante menor do que lhe era atribuído pela teoria tradicional, sendo que, em muitos casos, o conhecimento das regras jurídicas serve muito pouco para prever as decisões de um juiz, pois as decisões judiciais são fortemente influenciadas pelas preferências e aborrecimentos pessoais dos juízes, bem como por seus preconceitos e estados de ânimo[6].
Rejeitada, assim, a função idealista da ciência jurídica, restava-lhe apenas concentrar-se no estudo do modo como as decisões eram efetivamente tomadas. Na medida em que o discurso tradicional partia do pressuposto de que o direito deveria ser algo que ele não era, ele conduzia os juristas a desenvolver visão idealista do direito. Contra essa perspectiva, o realismo jurídico inspirou-se em Holmes e Max Weber[7] para propor uma visão descritiva do direito, que explicasse como o direito efetivamente era, em vez de desenvolver um ideal de como ele deveria ser. Com isso, sua questão principal já não era mais o que deveria fazer um juiz? (pergunta que remete a uma visão idealista do direito), mas o que efetivamente fazem os juízes?. Opera-se, então, uma mudança de foco dos estudos jurídicos, que passa da análise das regras para uma análise do real comportamento dos juristas, especialmente dos juízes[8]. Tratava-se, portanto, de uma perspectiva sociológica que visava exclusivamente a descrever o funcionamento efetivo da atividade judicial[9].
Percebe-se, então, que a teoria realista constitui um discurso externo e não um discurso interno, pois pretende analisar o direito da perspectiva de um observador que se limita a descrever o os fatos tal como ele os vê, identificando por via indutiva os padrões de comportamento típicos dos juízes. Nesse sentido, Llewellyn afirmou que, ao lado das teorias jurídicas (legal doctrines), seguem as técnicas jurídicas (crafts of law), sendo que não se pode estudar o direito sem ter em conta os ideais e tradições que subjazem a essas técnicas, pois isso significaria deixar de lado metade do efetivo modo de funcionamento do direito[10]. É essencial aos juristas, portanto, conhecer o modo como pensam e atuam os juízes de primeiro grau, os tribunais do júri e os tribunais de segunda e terceira instâncias, bem como levar em conta as diferenças entre as técnicas de julgamento utilizadas em cada um desses órgãos.
Percebe-se, assim, o discurso realista não visa a explicar o que os juízes deveriam fazer, mas simplesmente a descrever o que eles efetivamente tendem a fazer, tratando-se, pois, de um discurso despido da carga prescritiva. Neste ponto, o realismo diferencia-se das teorias sociológicas anteriores, especialmente da sociological jurisprudence, pois, enquanto elas tinham como finalidade básica oferecer aos juízes um modelo dogmático que orientasse a aplicação do direito, o realismo limitava-se a oferecer uma descrição do modo como o poder judiciário efetivamente operava.
O resultado dessa opção é que, em vez de fundar um discurso dogmático, o realismo origina um discurso estratégico, substituindo a clássica busca da solução juridicamente correta pela tentativa de estabelecer estratégias adequadas para influenciar um determinado juiz no sentido de que ele venha a tomar a decisão desejada pelo jurista. Como bem notou o jurista Edgar Bodenheimer, a adoção dessa perspectiva significa que os realistas norte-americanos passaram a estudar os fenômenos jurídicos desde a perspectiva do advogado[11].
Esta é uma peculiaridade muito importante, dado que marca uma diferença em relação à maioria das outras teorias jurídicas[12] que têm no juiz a sua figura principal. Enquanto as teorias jurídicas são normalmente centradas na figura do juiz e na pergunta “o que o juiz deve fazer para resolver adequadamente os casos a ele submetidos?”, o realismo concentra-se na figura do advogado e na tentativa de identificar as formas efetivas de atuação dos juízes, inclusive para capacitar os advogados a prever os resultados de um processo e a influenciar as decisões judiciais conforme seus interesses.
Ao partir da figura do advogado e não do juiz e ao adotar uma perspectiva meramente externa da atividade judicial (buscando unicamente descrevê-la, sem participar de seus pressupostos metafísicos), não faz sentido dentro do realismo jurídico a busca de uma resposta correta, dado ser impossível estabelecer critérios de correção. Nessa medida, por mais que possa oferecer uma descrição bastante minuciosa dos modos como se processa a atividade judicial, o realismo não pode (nem tem pretensões) a elaborar uma teoria hermenêutica dogmática, dado que o discurso dogmático é sempre um discurso interno (parte do dogma de que as normas têm algum sentido e que vinculam o juiz) e prescritivo (na medida em que oferece critérios para o agir e não apenas descrições de fatos).


[1] Lembremo-nos da crise do capitalismo mundial em 1929, do acirramento das tensões ligadas ao movimento sindical e da ascensão dos governos totalitários, especialmente o nazismo e o fascismo, durante a década de 30.
[2] Llewellyn, “The constitution as an Institution” (1934), citado por Bodenheimer, Teoría del derecho, p. 362.
[3] Frank, Law and modern mind (1930), citado por Bodenheimer, Teoría del derecho, p. 363.
[4] Llewellyn, contudo, discorda frontalmente dessa abordagem psicanalítica de Frank, acusando-a de utilizar conceitos imprecisos e inconsistentes. [vide Llewellyn,Jurisprudence, p. 105]
[5] Bodenheimer, Teoría del derecho, p. 363.
[6] Vide Bodenheimer, Teoría del derecho, p. 362.
[7] Llewellyn faz referência expressa a esses dois autores como suas principais influências [Llewellyn, Jurisprudence, p. 103]
[8] Llewellyn chega mesmo a tratar o realismo como uma perspectiva comportamental (behavior aproach) acerca do direito. [Llewellyn, Jurisprudence, p. 28]
[9] Nessa medida, o realismo jurídico diferenciava-se da sociologia de Ehrlich, pois, enquanto este se voltava para um amplo estudo das dimensões jurídicas do comportamento social, o realismo limitava seu conceito de direito à atividade jurisdicional do Estado.
[10] Llewellyn, Jurisprudence, p. 136.
[11] Bodenheimer, Teoría del derecho, p. 361.
[12] Inclusive da sociological jurisprudence de Holmes e Cardzo, que não por acaso vieram ambos a se tornar juízes da Corte Suprema norte-americana (Supreme Court).
retirado do site http://www.arcos.org.br/livros/hermeneutica-juridica/capitulo-v-neopositivismo-juridico/3-o-realismo-juridico/#topo

sábado, 12 de março de 2011

BIODIREITO, BIOÉTICA E MEIO AMBIENTE

(Publicado em 2003)
Maria Aglaé Tedesco Vilardo
Juíza de Direito; Professora de Direito Civil da Emerj
Membro do Fórum Permanente de Debates sobre o Direito do Consumidor e do Ambiente - EMERJ.


SUMÁRIO: I - ABORDAGEM TEMÁTICA E OBJETIVOS; II- IMPORTÂNCIA DO TEMA; III- OS AVANÇOS CIENTÍFICOS, A BIOÉTICA E O BIODIREITO; IV- O BIODIREITO E O MEIO AMBIENTE; A- ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS; B- PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO; V- CONSIDERAÇÕES FINAIS; VI- BIBLIOGRAFIA.

I - Abordagem Temática e Objetivos

O presente texto visa a realizar breve abordagem sobre questões alcançadas pelo biodireito, novo território desbravado pelo direito, sob a perspectiva constitucional ambiental. A constituição assegura ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, buscando tornar este direito efetivo através de controle e fiscalização de pesquisas biológicas e científicas que envolvam patrimônio genético ou que possam oferecer risco à vida.
Sob um prisma, apreciam-se os benefícios dos avanços tecnológicos e científicos e, de outro, verifica-se a necessidade de conhecimento dos possíveis malefícios que possam advir destes avanços, fixando-se limites para as experiências.
Por fim, ressalta-se a fundamental necessidade do amplo debate acerca de tão instigantes questões, divulgando-se as descobertas para motivar a participação do cidadão ao lado do Estado, ativamente.



II - Importância do Tema
Os temas envolvidos geram expectativas as mais diversas, por vezes irreais ou quiméricas, mas não há preciosismo em estudarem-se questões práticas que já trazem implicações no presente, nem tampouco questões que brevemente clamarão por uma posição precisa do Poder Judiciário. Verifica-se o real interesse nesta discussão por conta das inúmeras possibilidades de aplicação das descobertas genéticas.
Análises genéticas prévias à concepção, bem como diagnósticos na fase pré-natal já infundem preocupação quanto ao aperfeiçoamento da espécie ou processo de seleção de seres humanos. Realizado um exame genético para saber se um feto possui doenças ou caracteres genéticos indesejáveis abrem-se dois caminhos: tratamento imediato, ainda no útero materno ou logo após o nascimento; ou a possibilidade para a mulher do aborto legal ou criminoso. Decisões judiciais no Brasil já autorizaram o aborto de feto anencéfalo, alegando a proteção da psique da mulher já que a má-formação genética grave, irreversível e inevitável é incompatível com a vida, mas ainda não há consenso jurisprudencial, havendo decisões negando esta autorização, como recentemente ocorreu em nosso Tribunal. Não se pode olvidar que o aborto clandestino é praticado por mulheres que descobrem através de exame genético que geram filhos portadores de síndrome de down onde não ocorre incompatibilidade com a vida, mas tão-somente seu restringimento.
Da mesma forma, o debate sobre alimentos geneticamente modificados, muito divulgado pela imprensa, já chegou aos Tribunais com casos concretos sendo julgados pela Justiça. Questiona-se sobre seu cultivo, comercialização e conseqüências de sua utilização, além do impacto ambiental e direitos daquele que o consome.
Como se pode observar, o debate é contemporâneo e requer conhecimentos interdisciplinares, obrigando àqueles que atuam com o direito a uma capacitação diferenciada, principalmente aos Magistrados que decidirão casos os mais diversos.



III - Os Avanços Científicos, a Bioética e o Biodireito
O prêmio Nobel de Química de 1966, Robert Curl, afirmou que se as ciências dominantes do Século XX foram a química e física, o terceiro milênio ficaria conhecido como a "era da biologia".
O progresso das pesquisas biológicas é célere e um ano representa décadas de avanço. Dos avanços científicos derivam questionamentos acerca das conseqüências e das limitações a serem impostas aos pesquisadores e à utilização do resultado das pesquisas.
BOBBIO (1995) categorizou os direitos decorrentes das pesquisas biológicas com manipulações do patrimônio genético como direitos de 4ª geração, lembrando que os direitos vão surgindo de acordo com os avanços da humanidade, tornando-se necessário protegê-la de seu próprio progresso, pois este, muitas vezes, traz ameaças à liberdade do indivíduo, além de malefícios. Não há fundamentos absolutos aos direitos do ser humano, porém é viável à humanidade partilhar de alguns valores comuns ao considerar-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, valores subjetivamente acolhidos pela humanidade.
Diante de novas e instigantes descobertas científicas apresentou-se um novo estudo que foi denominado de Bioética. Criado pelo oncologista americano Van Rensselaer Potter, o termo foi conceituado como "o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais" pela Encyclopaedia of Bioethics, em 1978.
Os valores e princípios morais são fronteiras para limitar os extremos avanços científicos e tecnológicos no campo da ética e com esse propósito estabeleceram-se princípios de bioética divulgados pelo denominado Relatório Belmont, em 1978. Conforme apontado por BARBOZA (2002), destacam-se os princípios da autonomia, da beneficência e da justiça. O princípio da autonomia ou do respeito às pessoas seria o respeito à vontade e à intimidade de cada pessoa com base nas suas crenças e valores morais, regendo sua própria vida, dentro de limites; o princípio da beneficência significa que os tratamentos realizados devem atender aos interesses do paciente ou pessoa submetida à pesquisa, evitando-se danos ou tratamentos não reconhecidamente úteis e necessários e o princípio da justiça exige eqüidade na distribuição de bens e benefícios, no exercício da medicina e nos resultados das pesquisas científicas.
Com a dinâmica realidade e a carência de regulamentação legal, devem ser criados parâmetros para a vinculação dessas novas relações jurídicas. Princípios básicos devem ser trazidos para iluminar esses direitos. Surge, assim, o Biodireito para regular a conduta humana em relação aos avanços científicos e tecnológicos.
BARBOZA (2002) refere-se a Ramón Martín Mateo que afirma não bastar a invocação da consciência pessoal para dar soluções a estes problemas, mas há que se estabelecer valores relevantes e merecedores de proteção, superando as convicções pessoais.
A evolução científica deve ser amparada pelas leis, mas os avanços biológicos são mais céleres do que a capacidade do legislador. Observem-se quantas questões de Biodireito estão no nosso dia-a-dia. A reprodução humana assistida, atendendo ao anseio de muitas mulheres e homens em gerar um filho e circundando-a a tormentosa questão dos embriões excedentários; o transplante de órgãos e tecidos de pessoas com o organismo vivo e a necessidade de detectar-se a morte encefálica; a eutanásia e os princípios do direito à vida e da dignidade humana; a cirurgia de transgenitalismo com o propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico do transexual e suas conseqüências sociais; o aborto eugênico e o direito à vida; o patrimônio genético e a possibilidade de dano genético e sua conseqüente responsabilização civil; a clonagem e suas reais vantagens para a humanidade; os transgênicos e a possibilidade de maior produção de alimentos; enfim, inúmeras questões que assolam o mundo contemporâneo e contrapõem os diversos direitos, como o direito à vida e o direito à morte.
Na ausência de leis a tutelar estes interesses, há consenso doutrinário em buscarem-se os princípios gerais do direito, que não se confundem com os princípios constitucionais. Dizem respeito aos preceitos abstratos que passarão a bem conduzir as relações jurídicas, em cada caso concreto, na ausência de normatização específica. Muitos já constituem o direito positivo, sendo exemplos a liberdade e a solidariedade humana, entre outros.



IV - O Biodireito e o Meio Ambiente
Da análise da Constituição Federal de 1988, verificam-se, em vários dispositivos, normas relativas ao Biodireito. Ao mencionar o direito à vida digna, bem como os diversos desdobramentos deste princípio fundamental, o Constituinte aponta para o Biodireito. Dentre os mencionados desdobramentos, encontram-se, no capítulo referente ao Meio Ambiente, normas determinando a preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do País, além de determinação de controle da produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
A preservação do patrimônio genético do País inclui tanto o humano quanto a fauna e a flora, alcançando a preservação das diversas espécies que o País, com a maior biodiversidade da Terra, possui.
Incluem-se, portanto, os problemas relativos aos alimentos geneticamente modificados; a mutação genética e clonagem de animais; a pesquisa do genoma humano e a utilização dos conhecimentos alcançados com a mesma, como também a clonagem humana, que serão analisados a seguir.



A - Organismos Geneticamente Modificados 
Os organismos geneticamente modificados podem pertencer tanto à flora como à fauna.
Estudar estas questões e o impacto da evolução científica nas relações existentes, encontrando soluções para cada situação, atende aos princípios da precaução e prevenção. É fato notório que a prevenção evita problemas futuros. Prevenir-se é dispor-se com antecipação a fim de se impedir que se realize dano ou mal futuro. Portanto, há que se ter conhecimento suficiente quanto à possibilidade de que determinado ato possa ou não redundar em dano futuro e mediante este conhecimento poderão adotar-se práticas que impeçam que eventual dano previsto ocorra. Já a precaução, ainda na seara ante factum, implica em cautela antecipada, antes mesmo de haver evidência ou comprovação de que tal ou qual ato poderá provocar dano futuro. Há incerteza quanto ao nexo de causalidade entre o ato a ser perpetrado e a possibilidade de dano. Se há dúvida, o ato deve ser evitado, somente se permitindo quando certa a inofensividade da conduta.
Cultivam-se os alimentos geneticamente modificados que trazem muitas dúvidas quanto à segurança de sua produção e consumo. Tais alimentos são produzidos sob a afirmativa de que possuem melhor resistência às pragas que atacam plantações, que sua produção em larga escala ajudaria no combate à fome e que se busca melhor qualidade nutricional. Ao lado destes fatores há que se levar em consideração a ausência de conhecimento exato sobre os efeitos das mutações genéticas dos alimentos sobre o organismo humano, além do impacto ambiental na cadeia natural dos microorganismos que acabam tornando-se mais fortes para sobreviverem à nova espécie potencializada. A interferência do homem na natureza pode trazer inúmeros benefícios, mas a natureza não deixa de se adaptar ao novo.
O cultivo de alimentos geneticamente modificados, chamados de transgênicos, é realizado em larga escala no Brasil, tendo havido recentemente intervenção do Presidente da República para proibição da comercialização interna de soja transgênica, muito embora seu antecessor tenha permitido o plantio.
Cogitou-se a venda daquela produção para a Argentina, Canadá, China ou Estados Unidos, países que produzem e consomem alimentos transgênicos. Graves problemas, de ordem social e econômica, surgem, quando, não tendo sido proibido o plantio, veda-se a comercialização do produto no Brasil.
Embora os defensores do plantio e comercialização dos transgênicos afirmem que a polêmica sobre os mesmos seja baseada em hipóteses, não havendo provas ou estudos que concluam que os transgênicos são prejudiciais ao ser humano, é fundamental ter em mente que o encadeamento natural das espécimes vegetais e animais será, de qualquer forma, alterado. Os insetos sofrerão mutação natural para adaptação ao novo meio que lhe é proporcionado, alguns outros serão extintos sem a certeza das conseqüências de sua ausência. Alguns vegetais deixarão de existir sem terem sido explorados em toda sua potencialidade.
Há decisão judicial proibindo o plantio de um tipo específico de soja transgênica antes do estudo de impacto ambiental.
A segurança do meio ambiente deve ser o primeiro foco observado, até porque o estudo prévio de impacto ambiental é exigência constitucional. Viabilizada tal possibilidade, há que se ter em mente os direitos daquele que vai consumir o alimento geneticamente modificado, consagrando-se o inarredável direito à informação.
O Decreto Nº 4.680, de 24 de abril de 2003, que regulamenta o direito à informação, assegurado pelo Código do Consumidor, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, determinou que o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica do produto quando houver presença acima do limite de 1%, autorizando redução pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, revogando o Decreto Nº 3871/01 que fixava o limite em 4% do produto.
O novo Decreto acrescentou um artigo determinando que o consumidor também deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene. Em outro artigo obrigou a informação ao consumidor quando os alimentos e ingredientes forem produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos. Há enorme relevância social destas determinações legais, pois o consumidor poderá efetivar sua escolha com maior consciência.
Entretanto, somente a mera informação de componentes do produto não atende ao direito à informação em sua completude. O consumidor necessita ter a compreensão do que cada componente poderá causar em seu organismo. Não basta o conhecimento funcional.
Saliente-se que a lei brasileira concede o direito de propriedade industrial sobre processo ou produto obtido a partir de amostra de componente do patrimônio genético da fauna ou flora. A Lei de Cultivares, nº. 9456/97, concede a patente por até 18 anos o que pode originar um monopólio. Grave, também, a perspectiva de que sementes transgênicas compradas pelo plantador, em alguns casos, poderiam ser utilizadas uma única vez, devendo ser adquiridas novas a cada cultivo, fato alertado por SOARES (in Temas de Bioética e Biodireito). Ou, ainda, sementes que exigiriam herbicida personalizado obrigando sua aquisição conjunta. Seria percorrer caminho contrário ao trilhado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Na manipulação genética somente entre animais e entre humanos e animais surge perspectiva muito interessante chamada de xenotransplantes, onde órgãos de animais, principalmente do porco, seriam utilizados para transplantes nos seres humanos suprindo a carência de doadores. Nos Estados Unidos, foi concedida autorização judicial para experimentos em seres humanos, inobstante esta pesquisa esbarrar no problema imunológico. Em seu artigo, "Biotecnologia genética na agricultura e na pecuária", BURILLO (in CASABONA, 2002), denomina de genes comprometidos eticamente àquelas transferências genéticas que afetam a determinados grupos quando há inserção de genes de animais proibidos a certas religiões para outros animais permitidos ou transferência de genes de animais a vegetais independente dos conceitos dos vegetarianos.
Como se observa há possibilidade de muitas vantagens para a humanidade devendo haver ponderação sobre os riscos e o limite de suportabilidade dos mesmos para que possam ser usufruídos os benefícios.



B - Patrimônio Genético Humano
No tocante ao patrimônio genético do ser humano foi recentemente anunciada a conclusão de seu mapeamento surgindo grandes perspectivas. É fascinante saber que o ser humano conhece seu encadeamento genético e as combinações de proteínas, gerando inúmeras possibilidades de cura de doenças através de tratamentos personalizados. Após a pesquisa concluída em tempo muito menor ao inicialmente previsto, pode-se depreender a celeridade da evolução científica em busca da materialização dos desejos humanos de uma vida longa e saudável. Contudo, ao lado destas extraordinárias possibilidades há que se ter a devida precaução em razão do desconhecimento do rumo que as pesquisas e empreendimentos científicos podem tomar.
Pesquisas genéticas em determinadas mulheres que resultam em indicação de propensão ao desenvolvimento de graves doenças têm sido determinantes no sentido de extirpação de mamas independente de início da enfermidade, mas somente da expectativa da doença. Abortos são realizados clandestinamente em razão de testes genéticos no feto que indicam doenças possíveis. Embriões são escolhidos de acordo com suas melhores características genéticas, sem, contudo, saber-se o que fazer com os embriões não utilizados e, normalmente, sem qualquer intenção de utilização futura.
Outra reflexão importante é quanto à utilização das informações genéticas que não podem, de modo algum, ser fonte de discriminação em qualquer tipo de relação, seja no âmbito público ou privado, como nos contratos de trabalho ou relativos aos contratos de seguros de vida e planos de saúde, conforme lembrado por CASABONA. Deixar de contratar um empregado porque seu fator genético indica a possibilidade de contrair doença grave que o afastaria de suas atividades ou a negativa de contrato de seguro em razão de exame genético indicar que o contratante tem alta probabilidade de doença coronariana faz surgir uma expectativa de risco zero para qualquer negociante e fere frontalmente princípios como o da dignidade humana, fazendo com que as pessoas passassem a ser estigmatizadas por sua carga genética.
Também soa inadmissível a utilização de exames genéticos para avaliação de personalidades a fim de caracterizar possíveis criminosos, mas tão-somente para efeitos de identificação de autoria de crimes ou determinação de inocência de acusados, isto porque princípios fundamentais também estariam sendo confrontados.
A legislação brasileira, através da Lei nº 8974/95, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso de técnicas de engenharia genética na construção, cultivo manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado, visando a proteger a vida e a saúde do homem, a flora e a fauna.
A Lei veda expressamente a manipulação genética de células germinais humanas, o que significa que no Brasil não é permitida a clonagem humana, constituindo crime punido com pena de detenção de três meses a um ano. Caso resulte em morte, a pena de reclusão poderá ser de seis a vinte anos.
O Brasil é um dos poucos países que domina a técnica de clonagem animal, onde a partir de uma célula de um adulto, sem a participação de patrimônios genéticos distintos, reproduz-se um ser vivo. Ou separam-se as células de um único embrião ou transfere-se o núcleo de uma célula para um óvulo. Os benefícios vislumbrados dizem respeito ao aprimoramento de animais para consumo alimentício de melhor qualidade e até preservação de animais em extinção, além do já mencionado transplante de órgãos.
A clonagem humana teria como propósitos a reprodução, na hipótese de infertilidade, e fins terapêuticos para substituição de tecidos e órgãos doentes.
É vedada, por lei, a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, afirmando-se expressamente o respeito aos princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência.
A lei criminaliza a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, determinando sejam respeitados os princípios, denominados éticos, da responsabilidade e da prudência, além de aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Esses avanços significativos terão que ser analisados em cada caso, dada a subjetividade da expressão. A mencionada lei de Biossegurança determina que a indenização ou reparação dos danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por atividade de engenharia genética, independe da existência de culpa. É a consagrada responsabilidade objetiva, seguindo os ditames constitucionais.
Indiscutível que a humanidade anseie por descobertas que, enfim, produzam um prognóstico para uma vida saudável e de qualidade. Com tantas possibilidades e desenvolvimento científico não mais se aceita, apenas, um diagnóstico de doença se há possibilidade de conhecê-la antes mesmo de seu surgimento. Todavia, não se deve colocar em risco qualquer vida, uma única vida sequer, nem tampouco se afrontar princípios éticos e valores criados e respeitados ao longo de décadas. Não que os valores de uma sociedade sejam imutáveis, mas, para se ter esta certeza, ampla discussão e inúmeros debates devem nortear novos caminhos, precedidos de divulgação adequada e intensa para que o maior interessado, o cidadão, possa formar uma consciência, não apenas um conjunto de dados, mas uma real consciência crítica, através de sua concreta participação nos rumos a serem trilhados.



V - Considerações Finais
Diante das breves observações traçadas destacam-se alguns pontos de especial atenção.
O Brasil é um País de grandes perspectivas apesar das dissonâncias sociais existentes. De um lado a fome e de outro pesquisas avançadas para produção de alimentos transgênicos com propósitos de saciá-la com maior facilidade material. Também há o domínio de técnicas para clonagem de animais, técnica esta dominada por pouquíssimos países, com o fim de melhorar a qualidade da produção de alimentos de origem animal.
Também, verificam-se avanços significativos na detecção precoce de doenças graves, mediante pesquisa genética, enquanto o Poder Público não consegue assumir internação e tratamento de seus doentes e nem ao menos consegue pagar ao particular para assumir estes cuidados. São as disparidades sociais do Brasil.
Pensar em proteção do Meio Ambiente, tema da moda e politicamente correto, embora relegado a segundo plano quando dos estudos acadêmicos, é caminho a ser trilhado inarredavelmente. A preocupação com os problemas ambientais deve preceder catástrofes ou danos irreparáveis. Deve-se deixar de se preocupar somente com o ressarcimento financeiro empenhando-se com firmeza no combate preventivo e no retorno ao estado em que as coisas deveriam encontrar-se de acordo com os princípios e valores de nossa sociedade.
Como afirmou PERLINGIERI (2002), este é o momento de abandonar a lógica do ressarcimento e da patrimonialização do dano e privilegiar a função de reintegração de quanto foi violado. Há que se desvencilhar das concepções estatalistas, pois o ambiente é aspecto essencial do desenvolvimento da pessoa e cada um deve agir para ter direito ao seu habitat com qualidade de vida, que é o principal interesse a ser tutelado.
Para isso, há que se realizar amplo debate, difundir ao máximo as informações existentes, co-responsabilizando-se Estado e Cidadão, pois como afirmou JACOBI, a superação das barreiras sócio-institucionais é o caminho para a efetiva democratização e estímulo à co-responsabilização na defesa do interesse geral.
Divulgar ao cidadão comum os avanços científicos, por meio de ativa e permanente disseminação de informações através dos meios de comunicação de massa, trazendo a público o debate sobre benefícios e malefícios possíveis, promovendo audiências públicas com os diversos segmentos civis para ampla discussão dos rumos e limites das pesquisas científicas e seus resultados, confere qualidade à cidadania por fazer nascer uma consciência crítica. A sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais tem início com a transformação do cidadão passivo em cidadão participante, capacitado a compreender a dimensão ambiental que o cerca para que possa opinar criticamente e escolher caminhos a serem seguidos com base nos valores construídos em uma sociedade democrática.



VI - Bibliografia
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1992.
BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do Biodireito. Artigo. 2002.
CASABONA, Carlos Maria Romeo. Biotecnologia, Direito e Bioética: Perspectivas em Direito Comparado. Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas, 2002.
DICIONÁRIO JURÍDICO - Academia Brasileira de Letras Jurídicas, 2ª ed., Forense.
JACOBI, Pedro Roberto. Reflexões Sobre as Possibilidades de Inovação na Relação Poder Público-Sociedade Civil no Brasil.
NOVOS TEMAS DE BIODIREITO E BIOÉTICA / Organizadores: Heloísa Helena Barboza, Vicente de Paulo Barretto. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

TEMAS DE BIODIREITO E BIOÉTICA / Organizadores: Heloisa Helena Barboza, Vicente de Paulo Barreto. Rio de Janeiro: Renovar, 2001



sexta-feira, 11 de março de 2011

The Moral Obligation to Create Children with the Best Chance of the Best LifeFE

Texto completo em PDF

JULIAN SAVULESCU AND GUY KAHANE
Keywords
genetic selection, enhancement, reproduction, ethics, autonomy, well-being, procreative beneficence

ABSTRACT
According to what we call the Principle of Procreative Beneficence (PB), couples who decide to have a child have a significant moral reason to select the child who, given his or her genetic endowment, can be expected to enjoy the most well-being. In the first part of this paper, we introduce PB, explain its content, grounds, and implications, and defend it against various objections. In the second part, we argue that PB is superior to competing principles of procreative selection such as that of procreative autonomy.
In the third part of the paper, we consider the relation between PB and disability. We develop a revisionary account of disability, in which disability is a species of instrumental badness that is context- and person-relative. Although PB instructs us to aim to reduce disability in future children whenever possible, it does not privilege the normal. What matters is not whether future children meet certain biological or statistical norms, but what level of well-being they can be expected to have.

retirado do site wiley.com

quarta-feira, 9 de março de 2011

La Bioetica in Italia

In Italia la presenza della Bioetica, molto vivace sin dai suoi esordi (primi anni '80), è stata caratterizzata dalla compresenza di due posizioni: da un lato una bio-etica di tradizionale impostazione classico - cristiana ed ippocratica, che pone come base della gerarchia dei valori il rispetto della persona umana, a cominciare dalla sua vita, dalla sua libertà e dal bene comune; dall'altro una bioetica laica rifacentesi alle correnti filosofiche basate su di un'etica senza verità, molto attenta alle libertà e alla "qualità della vita" del singolo individuo, e favorevole ad un intervento minimalista delle regole sociali.
Lo spazio crescente della Bioetica dimostra comunque che va maturando la convinzione, che una fiorente realtà sociale e scientifica è possibile solo all'interno di un vigile contesto, in cui tutte le forme di creazione culturale e tutti gli elementi e gli interessi sociali siano debitamente istruiti, rappresentati e correlati.
Rispetto a tutti gli altri Paesi europei, il Nostro costituisce un caso anomalo, in quanto all'exploit della bioetica sul piano del dibattito culturale e del pubblico interesse, non è corrisposto un adeguato riscontro da parte del Parlamento Italiano, che finora in ambito bioetico ha prodotto solo una Legge sui trapianti d'organo; mentre è passato all'esame del Senato, dopo esser stato approvato alla Camera il 26 luglio 1999, il Disegno di legge sulla fecondazione assistita.
Si è invece assistito alla nascita di diversi centri di studio e Cimitati di bioetica; dal punto di vista istituzionale, il più autorevole è il Comitato Nazionale per la Bioetica, istituito nel 1990 come "organo della Presidenza del Consiglio dei Ministri ed ha funzioni di consulenza nei confronti del Governo, del Parlamento e delle altre istituzioni"; si è sempre distinto per lo sforzo di elaborazione di pareri ad alto livello scientifico ed elevato equilibrio di valutazioni etiche, discusse e concertate tra gli esponenti delle varie posizioni presenti nella cultura italiana. Presso il sito si può trovare anche un elenco dei principali Documenti ufficiali, nazionali ed internazionali, in materia di Bioetica.
Di particolare interesse è il Protocollo d'intesa siglato il 7 ottobre 1999 tra il Ministero della Pubblica Istruzione ed il Comitato Nazionale per la Bioetica, con il quale si propone l'insegnamento della Bioetica nelle scuole: ci si augura sia un'occasione di corretta informazione scientifica ed autentica assunzione di responsabilità, riguardo alla valutazione dei problemi inerenti alle scienze della vita ed alle scelte di vita, e favorisca anche una presa di coscienza delle funzioni formative dell'ordinamento scolastico ed una maggiore comunicazione reale tra scuola e famiglia, a favore delle nuove generazioni.
Più di recente, sempre presso la Presidenza del Consiglio dei Ministri, è stato attivato anche un Comitato Nazionale per la Biosicurezza e le Biotecnologie che "ha tra le sue finalità istituzionali il coordinamento, l'armonizzazione e l'integrazione dei programmi, delle iniziative e delle attività dei Ministeri, degli Enti e degli Organismi pubblici e privati operanti nel settore delle biotecnologie per garantire forme di intervento unitarie ed omogenee".
Il primo ed il maggiore Istituto di Bioetica, sorto in Italia presso la Facoltà di Medicina dell'UCSC, è il Centro di Bioetica dell'Università Cattolica del Sacro Cuore, diretto sin dal suo sorgere (1985) da Mons. Elio SGRECCIA. All'avanguardia nello studio delle questioni di bioetica come nel settore della formazione, della documentazione e dell'organizzazione di Simposi scientifici di livello internazionale, è specializzato nell'elaborazione di pareri scientifici conformi all'impostazione personalista, sostenuta dalla dottrina morale e sociale della Chiesa cattolica.
In Italia sono presenti anche altri centri di studio sulla Bioetica, che offrono un notevole contributo sia per quel che riguarda la formazione e la l'informazione in ambito bioetico.
Tra i siti di Bioetica italiani che forniscono utili informazioni, anche per orientarsi on line, vi sono:
Questa pagina è in corso di aggiornamento.

retirado do sito di Bio-etica

Montana Supreme Court steps in to allow appeal in hysterectomy ruling


    MISSOULA  — One day after a Missoula County District Court judge ordered a hysterectomy for a woman with cancer, the Montana Supreme Court stepped in and halted the surgery to allow an appeal.
Last Tuesday, Judge Karen Townsend found that the woman known as L.K. was not mentally competent and ordered that the surgery should be performed on Thursday.
The next day, a public defender filed an emergency petition on L.K.’s behalf.
“Tomorrow’s impending involuntary removal of L.K.’s reproductive organs both establishes that the district court is proceeding under a mistake of law and is causing a gross injustice and involves constitutional dignity and religious freedom issues of statewide importance,” the public defender’s office wrote on L.K.’s behalf.
The Supreme Court issued an order the same day providing for an expedited appeal within 30 days.
The emergency petition decision described L.K. as a deeply religious woman who wants children and balked at the hysterectomy on both those grounds.
Her religion wasn’t specified, but a psychiatrist and a physician from the Montana State Hospital termed her religious beliefs — including one that God had cured her — delusional.
The physician testified at a March 1 hearing that without treatment, L.K.’s cancer could kill her within three years. The physician said that L.K.’s “religious delusions” interfered with her ability to make reasoned decisions about her care, and that L.K. didn’t understand that she might die without the surgery, according to the petition.
“L.K. then testified on her own behalf that she did understand that she had been diagnosed with cancer and that she did understand the risks of dying if she did not have the hysterectomy procedure,” the petition said.
She also said she might change her mind later about following her doctors’ recommendations.
“L.K.’s dignity and bodily integrity are at stake and,” the petition argued, “ ... under the Montana Constitution her dignity is inviolable, including when her life or health is potentially at risk.”
Such cases present thorny issues for legal experts and medical ethicists. Decisions turn on the degree of competence and the severity of the medical issue.
“The more a disease or a problem for an adult is life-threatening, the more likely it is that treatment is compelled if the person is mentally impaired,” said Arthur L. Caplan, who heads the Center for Bioethics at the University of Pennsylvania.
“Normally, we don’t force treatment on adults. Competent adults can refuse even lifesaving treatments on religious terms,” he said. “The challenge is to establish that they truly are incompetent and that they really do comprehend the risk posed to their life.”
Then there are degrees, so to speak, of religion, said John Stone of Creighton University’s Center for Health Policy and Ethics. People with well-established religious objections to medical treatments — say Jehovah’s Witnesses who refuse blood transfusions, even lifesaving ones — generally see those requests honored, he said.
However, courts have forced minors who are Jehovah’s Witnesses to have transfusions, said Stone, who practiced cardiology in Missoula and co-founded the Institute of Medicine and Humanities, a joint program of the University of Montana and St. Patrick Hospital.
Things get more problematic with what he called the “marginal cases — people who are Satan worshipers. People who play with reptiles. ... What the heck do we make of these people who have these weird views?”
Finally, Stone said, there’s the issue of the level of expertise of those who testify as to L.K.’s incompetence.
“What was the range of knowledge of the person who assessed her regarding any of the range of religious views and how that reflects on capacity?” That question, he said, likely will be part of continued legal maneuvers.
Stacey Anderson, a spokeswoman for Planned Parenthood of Montana, said the case raises unsettling questions.
“The primary one is when the court starts ordering any sort of health care, it opens up the door for the slippery slope argument,” she said. “... Government intrusion into very private decisions is troubling.”
Anderson specified that she’s not familiar with this particular case.
“But in other states, when a woman doesn’t comply with what people think is best for her, that’s frequently the route they go — to get someone declared incompetent,” she said. “And that’s troubling.”
Both Greg Hood, the public defender, and Deputy Missoula County Attorney Cathleen Sohlberg declined to discuss specifics of the case.
The Supreme Court’s order gives the public defender 30 days to appeal the District Court order; then the county attorney’s office will respond.
“L.K. will argue on appeal that the district court erred in determining that she is an incapacitated person with respect to this decision,” according to the motion seeking the Supreme Court stay, “and that the district court’s authorization of an involuntary hysterectomy violated L.K.’s constitutional rights to personal autonomy, dignity and religious freedom.”

retirado do site bioethics