terça-feira, 1 de março de 2011

Acórdão STJ. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo

Acórdão
REsp 1008398 / SP RECURSO ESPECIAL 2007/0273360-5
Relator(a) Ministra  NANCY ANDRIGHI (1118)
Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA
Data da Publicação/Fonte DJe 18/11/2009 RSTJ vol. 217 p. 840
Data do Julgamento 15/10/2009
Ementa
Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de
redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo.
Princípio da dignidade da pessoa humana.
- Sob a perspectiva dos princípios da Bioética  de beneficência,
autonomia e justiça , a dignidade da pessoa humana deve ser
resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do
sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no
sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o
ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e
ético-espiritual.
- A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade
humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à
possibilidade de expressar todos os atributos e características do
gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna
importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica
psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se
reflete na sociedade.
- A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige,
pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de
oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da
pessoa humana  cláusula geral que permite a tutela integral e
unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial
humano.
- Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada
um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o
reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa
humana como valor absoluto.
- Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em
perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que
hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um
de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito
instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua
personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana.
- A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em
idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua
maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo
psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de
redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem
de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil,
porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de
nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo.
- Conservar o sexo masculino no assento de nascimento do
recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das
realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a
aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo
feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia,
deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente.
- Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação
sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo
apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil,
e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira
função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida
social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da
pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de
nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é
socialmente reconhecido.
- Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado
corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia,
incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da
pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a
possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da
alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o
prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável
a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome
familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73.
- Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem
já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a
barreira do preconceito e da intolerância. O Direito não pode fechar
os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que
concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo
aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de
sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão
importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um
desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar.
- Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira
identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o
desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que
ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade
psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em
amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho
discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em
patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A
liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do
recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos,
constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e
digna.
- De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar
imperfeições como a esterilidade ou uma genitália que não se
conforma exatamente com os referenciais científicos, e,
consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o
designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova
prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve
ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores
provocados pelo holocausto no século passado.
Recurso especial provido.
Decisão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, A Turma, por
unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos
termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami
Uyeda, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e
Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra.
Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sidnei
Beneti.

retirado do site do STJ

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