Série mente-cérebro
Revista de Psiquiatria da USP - site
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/
Scientific research on mediumship and mind-brain relationship:
reviewing the evidence
Alexander Moreira-Almeida11
1 Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes),
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Este artigo é uma versão abreviada, adaptada e traduzida do
capítulo "Research on Mediumship and the Mind-Brain Relationship" da
obra: Moreira-Almeida A, Santos FS (eds.). Exploring Frontiers of the
Mind-Brain Relationship. New York, Springer; 2012.
Recebido: 30/10/2013 – Aceito: 30/10/2013
Resumo
Contexto: Mediunidade, uma experiência humana disseminada
pelas diversas sociedades ao longo da história, pode ser definida como uma
experiência em que um indivíduo (chamado de médium) alega estar em comunicação
com, ou sob influência de, uma personalidade falecida ou outro ser não
material. Desde o século 19 há uma substancial mas negligenciada tradição de
investigações científicas sobre mediunidade e suas implicações para a natureza
da mente. Objetivo: Discutir a importância histórica e atual da mediunidade
para o problema mente-cérebro, focando em estudos que investigam as origens e
as fontes das comunicações mediúnicas. Métodos: O artigo inicia-se com uma
breve discussão filosófica sobre o que seria evidência para identidade pessoal
e sua persistência além do cérebro, então apresenta e analisa as evidências
proporcionadas por estudos em mediunidade, incluindo uma análise mais detalhada
de dois médiuns muito produtivos: Leonora Piper e Chico Xavier. Resultados: Estudos
bem controlados, antigos e recentes, sugerem que médiuns podem exibir
habilidades e conhecimentos compatíveis com personalidades falecidas e
improváveis de terem sido obtidos por meios ordinários. Conclusões: O uso de
métodos de pesquisa contemporâneos em experiências mediúnicas pode proporcionar
a necessária ampliação e diversificação da base empírica para o avanço de nosso
entendimento do problema mente-cérebro.
Moreira-Almeida A / Rev Psiq Clín. 2013;40(6):233-40
Palavras-chave: Mediunidade, experiências espirituais,
religião e psicologia, relações mente-corpo, psicofisiologia, consciência.
Abstract
Background: Mediumship, an experience widespread throughout
human history, can be defined as an experience in which an individual (the
so-called medium) purports to be in communication with, or under the control
of, a deceased personality or other non-material being. Since the 19th Century
there is a substantial, but neglected tradition of scientific research about
mediumship and its implications for the nature of mind. Objective: To discuss
the historical and current importance of mediumship to the mind-brain problem,
focusing on studies investigating the origins, the sources of mediumistic
communications. Methods: This paper starts discussing what would be evidence
for personal identity and its persistence beyond the brain, then empirical
evidence provided by studies on mediumship are presented and analyzed,
including a more detailed analysis of two very productive mediums: Mrs. Leonora
Piper and Chico Xavier. Results: Old and recent well controlled studies suggest
that mediums can exhibit skills and knowledge unlikely to have been acquired by
ordinary means and compatible with deceased personalities. Discussion: Applying
contemporary research methods to mediumistic experiences may provide a badly
needed broadening and diversification of the empirical basis needed to advance
our understanding of the mind-body problem.
Moreira-Almeida A / Rev Psiq Clín. 2013;40(6):233-40
Keywords: Mediumship, spiritual experiences, religion and
psychology, mind-brain relationships, psychophysiology, consciousness.
Introdução
Há várias definições possíveis de mediunidade e no presente
artigo mediunidade será definida como uma experiência em que o indivíduo
(chamado de médium) alega estar em comunicação com, ou sob o controle de, a
personalidade de uma pessoa falecida ou de outro ser não material1-5. Essas
experiências, por meio de oráculos, profetas e xamãs, estão disseminadas pela
maioria das sociedades ao longo da história, sendo parte das raízes
greco-romanas e judaico-cristãs da sociedade ocidental, bem como do hinduísmo e
do budismo tibetano2. Atualmente, há vários grupos sociais que fomentam
experiências mediúnicas, tais como os católicos carismáticos, evangélicos pentecostais,
espíritas, espiritualistas e religiões de matrizes indígenas ou africanas2,6.
A investigação da mediunidade e a discussão das suas
implicações para as relações mente-cérebro têm envolvido, por mais de um
século, um grande número de intelectuais e cientistas de alto nível, tais como
William James7-9; Frederic W. H. Myers10,11; Alfred Russell Wallace12,13,
Cesare Lombroso14, Alexander Aksakof15, Allan Kardec16,17, William
Crookes18,19, Camille Flammarion20, James H. Hyslop21,22, Johann K. F. Zoellner23,
Gabriel Delanne24, Oliver Lodge25,26, Pierre Janet27, C. G. Jung28, Theodore
Flournoy29, William McDougall30, J. B. Rhine31,32, Hans Eysenck33 e Ian
Stevenson34,35. Entre os pesquisadores, estão ganhadores do prêmio Nobel como
Charles Richet, Pierre Curie and Marie Curie, J. J. Thomson, Henri Bergson, and
Lord Rayleigh1,34. Embora pouco conhecidas na atualidade, essas investigações
proporcionaram muitas contribuições à psiquiatria e à psicologia, sendo
importantes para o desenvolvimento de vários conceitos atuais ligados à mente,
tais como dissociação, histeria e inconsciente36-43.
Esses estudos buscavam usar uma abordagem científica
rigorosa e, ao mesmo tempo, com abertura para investigar e compreender
experiências que habitualmente são analisadas a partir de dois pólos extremos:
aceitação ingênua ou rejeição dogmática44. Uma das principais questões
subjacentes às investigações desses pesquisadores foi se a hipótese de que o
cérebro cria a consciência humana é adequada para explicar o amplo leque das
experiências humanas43,45. Esses estudos, contudo, são virtualmente
desconhecidos pela maioria dos autores acadêmicos da atualidade e raramente têm
sido usados como contribuições para debates sobre a relação mente-cérebro.
Neste debate, o estudo dos médiuns que alegam estar sob a influência de
personalidades falecidas é particularmente útil, devido à sua potencial
implicação para a (in)dependência da mente em relação ao funcionamento
cerebral.
Nas últimas décadas, tem havido um renovado interesse no
estudo de experiências espirituais, tais como a mediunidade, notadamente na sua
relação com a saúde mental. Tem se tornado claro que experiências dissociativas
e alucinatórias são frequentes na população geral e, em 90% dos casos, não são
relacionadas a transtornos psicóticos46. Algumas experiências alucinatórias
apresentam informações verídicas sugestivas de alguma forma de percepção
extrassensorial. Com base nisso, Stevenson47 propôs, em um artigo no American
Journal of Psychiatry, um novo termo (idiofania verídica), como suplemento ao
termo "alucinação", para designar experiência sensória não
compartilhada verídica e não patológica. Há também evidências de que as
experiências mediúnicas frequentemente envolvem pessoas com bons níveis de
saúde mental e ajustamento social, ou mesmo superiores aos encontrados na
população geral. Tais evidências não corroboram a visão de que as experiências
mediúnicas são sintomas menos intensos em um continum com transtornos
dissociativos ou psicóticos4,48-52. Também têm sido publicados estudos sobre a
neurofisiologia da mediunidade53-56.
Contudo, atualmente tem havido menos investigação sobre as
origens da experiência mediúnica e suas implicações para o problema
mente-cérebro57. Um dos mais interessantes aspectos das experiências mediúnicas
é a investigação dos relatos de atividade mental após a morte corporal, o que,
obviamente, teria marcantes implicações para nossa compreensão da relação
mente-cérebro33. Devido a isso, investigações rigorosas e em profundidade de
experiências como as mediúnicas podem auxiliar na compreensão da natureza da
consciência humana, da mente e sua relação com cérebro33,58,59. Como William
James8 afirmou sobre a mediunidade: "Estou persuadido que um estudo sério
desses fenômenos de transe é uma das maiores necessidades da psicologia"
(p. 51) … "há premente necessidade de investigações sérias" (p. 239).
A visão prevalente no mundo acadêmico atual parece ser
alguma forma de visão reducionista materialista da mente, segundo a qual a
mente é gerada pela atividade cerebral e desaparece com a destruição do
cérebro. No entanto, ao contrário do que muitas vezes se afirma, não é ainda um
fato científico estabelecido, mas uma entre outras propostas explicativas60-62.
Segundo critérios de Karl Popper63, um dos mais importantes filósofos da
ciência, essa visão reducionista materialista seria uma hipótese científica,
visto que é potencialmente falsificável. Então, a questão falseadora seria: há
alguma evidência de continuidade da atividade da mente/personalidade de alguém
após a desintegração de seu cérebro? Colocada dessa forma, não se trata de uma
questão metafísica, mas uma questão passível de ser respondida baseada em dados
observacionais.
O que seriam evidências da identidade pessoal?
Em sintonia com filósofos da tradição empirista como John
Locke64 e David Hume65,66, não discutiremos a questão altamente controversa da
substância da mente. Não debateremos aqui se a mente é uma substância material
ou espiritual, posto que a noção de substância é uma noção filosófica altamente
problemática. Essa questão ontológica é, pelo menos até o momento, insolúvel.
Focaremos no ser pensante (chamado mente, consciência, personalidade ou alma;
independente de sua natureza ontológica) e na evidência fenomenológica da sua
atividade.
A busca por evidências de sobrevivência da personalidade
após a morte corporal traz à tona a discussão do conceito de identidade
pessoal, um tópico bastante controverso. Vários autores argumentam que a
identidade corporal não é uma condição necessária da identidade pessoal,
propondo diferentes critérios para a identidade pessoal, baseados em
propriedades mentais ou psicofisiológicas67. Posto não ser possível ter acesso
direto a outras mentes, como podemos saber que existem outras mentes no mundo,
além de nossas próprias mentes? Somente a partir de evidências indiretas, por
meio da experiência da observação de outros corpos que exibem comportamentos
que sugerem a operação de outras mentes68. Desse modo, ao observar os corpos de
nossos amigos, percebemos comportamentos que sugerem a existência de outras
mentes que, como as nossas, podem, por exemplo, desejar, sentir e pensar.
Podemos julgar a identidade de uma mente (como a de um amigo íntimo) por um
padrão peculiar de qualidades, tais como desejos, pensamentos, sentimentos e
modos de lidar com as questões do dia a dia.
No cotidiano, usamos esses critérios para identificar um
amigo quando não o estamos vendo, tal como em uma chamada telefônica ou em uma
mensagem eletrônica quando há dúvidas sobre quem está de fato nos contatando.
Como colocado pelo filósofo Braude69, "nós decidimos quem alguém é com
base no que ele diz ou como ele se comporta – mais especificamente na sua
memória e continuidade do caráter" (p. 3-4). Assim, quando nós não temos
acesso à parte física de uma personalidade (o corpo), precisamos basear nosso
julgamento nesse tipo de continuidade psicológica. Quinton70 definiu alma
(identidade pessoal), o constituinte essencial da personalidade,
"empiricamente como uma série de estados mentais conectados pela
continuidade de caráter e memória" (p. 59).
O que seriam evidências da persistência da personalidade
além do cérebro?
O objetivo do presente artigo é investigar se mediunidade
proporciona evidências da existência de algum tipo de aspecto não corporal da
personalidade que persista após a morte corporal. Naturalmente, como em
qualquer ciência, não existe um "experimento crucial", a prova
definitiva além de qualquer dúvida que não poderia ser explicada de outro
modo71,63. A maioria dos resultados experimentais científicos pode ser
explicada de mais de uma forma. Não é razoável descartar estudos e evidências
porque eles não são perfeitos. Em qualquer ciência, o melhor que habitualmente
podemos fazer é acumular evidências boas, mas não perfeitas, em favor de alguma
hipótese, verificar se essa hipótese é potencialmente falseável e, no entanto,
resiste às tentativas de falseamento. Além disso, quanto mais perto uma
evidência está do nível fenomenológico, mais forte é a evidência72. O tipo de
dados discutido neste artigo está muito perto do nível fenomenológico.
A questão que podemos colocar é: qual tipo de evidência eu
aceitaria para falsear a visão reducionista da mente e admitir a possibilidade
que a mente ou personalidade possa sobreviver à morte corporal? De acordo com
Popper63, caso alguém não consiga listar potenciais evidências que falseariam
uma crença que tenha, esta seria dogmática e não científica, posto ser
infalsificável. Assim, que tipo de evidências eu esperaria se a mente de alguém
fosse capaz de se comunicar por intermédio do corpo de uma outra pessoa (o
médium)?
A seguir, listamos alguns vestígios de atividade mental
refletindo uma personalidade específica que seria razoável de se esperar se uma
personalidade que eu conheci em vida não tiver mais o corpo para auxiliar no
seu reconhecimento:
Memória:
Lembrar de fatos, idealmente em grande número, acurados e
cobrindo diversos tópicos.
Identificar pessoas que a personalidade em questão conheceu
em vida.
Habilidades da personalidade em questão:
Falar ou escrever em língua estrangeira.
Artísticas: poemas, prosas, pintura etc.
Caligrafia.
Traços de personalidade: temperamento, caráter e estilo
pessoal
Hipóteses explicativas para o conteúdo das comunicações
mediúnicas
Uma grande parte, provavelmente a maioria, das alegadas
comunicações mediúnicas é composta por afirmações genéricas, mas que podem ser
facilmente aceitas como evidência de sobrevivência postmortem por pessoas
enlutadas e fragilizadas psicologicamente. Entretanto, há um grande número de
fenômenos mediúnicos que não pode ser explicado tão facilmente1,57,73.
Estão resumidas a seguir as quatro principais hipóteses que
têm sido propostas para explicar experiências mediúnicas que proporcionam
informações acuradas ou outras evidências relacionadas a alguma pessoa
falecida1,69,17,74,75
Fraude, vazamento sensorial ("pescar"
informações), acertos casuais.
Personalidade dissociativa gerada pela atividade mental
inconsciente do médium, envolvendo o acesso a informações consciente ou
inconscientemente armazenadas na memória do médium e a liberação de habilidades
latentes. A emergência de memórias ocultas (não acessadas ordinariamente) em
estados alterados de consciência é chamada criptomnésia.
Percepção extrassensorial (PES): médiuns comunicam
informações obtidas por telepatia a partir da mente de outras pessoas e por
clarividência de fontes materiais distantes.
Mente pode sobreviver à morte corporal e se comunicar por
meio de outra pessoa.
As primeiras duas hipóteses são compatíveis com visões
reducionistas da mente, mas as outras duas colocam sérios problemas a essas
visões. Naturalmente, usando-se do princípio da parcimônia ("navalha de
Ockham"), essas duas últimas visões somente deveriam ser consideradas após
as primeiras duas terem sido excluídas como explicações razoáveis de um dado
fenômeno observado.
Evidências empíricas proporcionadas por estudos em
mediunidade
A grande maioria dos cientistas que investigou mediunidade
em profundidade terminou convencida de que explicações convencionais (fraude e
atividade mental inconsciente) podem explicar muito mas não todos os dados
observados. Eles habitualmente passavam a aceitar a existência de PES e/ou a
hipótese da sobrevivência1,33,57,58,69,75,73,76. Naturalmente, há pesquisadores
que se mantiveram céticos em relação à necessidade de explicações não
convencionais para a mediunidade59,77,78.
Em muitas situações, o médium pode proporcionar informações
verídicas conhecidas da personalidade falecida, mas desconhecidas do médium.
Essas informações podem envolver detalhes sobre a circunstância da morte,
apelidos íntimos ou incidentes conhecidos apenas por um ou poucos parentes
próximos da alegada personalidade falecida comunicante por meio do médium73,34.
Protocolos duplo-cegos (médiuns não têm contato direto com os consulentes, e os
consulentes pontuam as comunicações controles e as direcionadas para eles sem
saberem a qual categoria cada uma pertence) têm sido propostos79 e testados com
alguns resultados positivos80,81 e negativos59,82,83. Vários desafios
metodológicos têm sido debatidos45, um deles refere-se à necessidade de
equilibrar entre o rigor metodológico para evitar vazamento de informações e o
proporcionar de um ambiente mais natural de estudo para que o fenômeno desejado
ocorra45,58,82. Com base nos estudos prévios, é também necessário levar em
conta que os médiuns não obtêm os mesmos níveis de informações verídicas, se
comparados uns aos outros, assim como um mesmo médium em diferentes ocasiões. É
também importante focar os estudos não em amostras randomizadas de médiuns, mas
naqueles mais talentosos, aqueles que têm consistentemente proporcionado
evidências razoáveis, sugestivas de recepção anômala de informação58. Tal
proposta está em sintonia com a recomendação de William James'84 sugerindo
focar a pesquisa em mediunidade nos "bons espécimes da classe" (p.
97).
Uma estratégia de pesquisa que tem sido empregada é a do
"consulente por procuração" ("proxy sitter"), onde "a
pessoa desejando uma comunicação de um ente querido falecido não está
fisicamente presente na sessão, em seu lugar está uma terceira pessoa, preferencialmente
alguém com pouco ou nenhum conhecimento sobre o falecido"57 (p. 256). Esse
método tem a vantagem de eliminar o consulente como uma fonte de informação
(por leitura a frio ou telepatia) e permitir que o consulente avalie de modo
cego a acurácia da comunicação direcionada em relação a comunicações controle.
Os melhores estudos controlados recentes
Serão discutidos a seguir os dois estudos mais rigorosos
publicados recentemente avaliando comunicações anômalas em mediunidade
utilizando consulentes por procuração. Beischel e Schwartz86 conduziram um
estudo "triplo-cego", em que "(a) os médiuns pesquisados estavam
cegos para as identidades dos consulentes e seus falecidos, (b) o
pesquisador/consulente por procuração interagindo com os médiuns estava cego para
as identidades dos consulentes e seus falecidos e (c) os consulentes pontuando
as transcrições das sessões eram cegos quanto à origem destas (dirigidas ao
consulente versus uma comunicação controle pareada) (p. 24). Oito médiuns
buscaram obter informações sobre determinados parentes falecidos de oito
estudantes da universidade do Arizona (EUA). Os médiuns foram abordados por
consulentes por procuração que conheciam apenas o primeiro nome da
personalidade falecida. A cada médium foi solicitado que contatasse duas personalidades
falecidas relacionadas a dois estudantes. Cada consulente pontuou de modo cego
(de 0 [nenhuma informação ou comunicação correta] a 6 [excelente, incluindo
fortes aspectos da comunicação e com basicamente nenhuma informação incorreta])
as afirmações específicas feitas em duas comunicações (uma direcionada a
ele/ela e a de uma comunicação controle pareada para gênero) e escolheu a
comunicação mais aplicável a ele/ela. O escore médio para as comunicações
direcionadas ao consulente foi quase o dobro (média 3,56) dos escores das
comunicações controle (média 1,94)
(p = 0,007). Três médiuns obtiveram médias de escore muito
altas para suas comunicações (entre 5 e 5,5), dois obtiveram escores moderados
(3,5) e nenhum dos médiuns produziu comunicações cujos escores foram menores do
que os controles. Os consulentes identificaram a comunicação correta em 81% das
vezes (13 em 16, p = 0,01). O estudo buscou controlar para potenciais fontes de
fraudes, pistas sensoriais e viés do avaliador. Os autores concluíram que
"sob estritas condições triplo cego (…) evidências para recepção de
informações anômalas puderam ser obtidas" (p. 26).
Kelly e Arcangel45 recentemente publicaram no Journal of
Nervous and Mental Disease dois estudos testando métodos diferentes. O primeiro
e menor estudo não produziu resultados estatisticamente significantes, que os
autores atribuíram a problemas metodológicos que não permitiam os médiuns
focarem na pessoa falecida e criavam dificuldades para os consulentes pontuarem
as sessões. Com base nesses achados, eles conduziram o segundo e maior estudo
com nove médiuns e quarenta consulentes, usando dois consulentes por
procuração. Os médiuns receberam apenas uma fotografia "neutra" do
falecido ("mostrava a pessoa sozinha e não engajada em atividades
específicas que pudessem proporcionar informações significantes sobre o
falecido", p. 13) e realizavam a sessão por telefone para um assistente
por procuração. Todas as sessões foram transcritas. Cada consulente pontuou de
modo cego seis transcrições de sessões (uma direcionada ao seu parente falecido
e cinco outras direcionadas a parentes de outros consulentes, mas pareadas por
idade e gênero do falecido). Quatorze dos 38 conjuntos de respostas obtidas
foram corretamente escolhidas (classificadas como primeira entre as seis
sessões transcritas) e sete foram classificadas como segunda. Trinta das 38
sessões transcritas foram classificadas entre as três primeiras (p <
0,0001). Como em outros estudos, alguns médiuns tiveram desempenho muito melhor
que outros. Todas as cinco sessões de um dado médium foram classificadas como
número um. Na avaliação de comunicações mediúnicas, é importante levar em
consideração não apenas resultados quantitativos, mas também a natureza
qualitativa dos dados obtidos para melhor avaliar seu valor. Por exemplo, uma
das 14 pessoas que corretamente escolheu sua transcrição de sessão afirmou que
entre as razões para sua escolha foi "a afirmação do médium de que 'há
algo engraçado sobre alcaçuz negro... algo como uma grande brincadeira sobre
isso'. De acordo com o consulente, seu irmão falecido e a esposa deste
brincavam frequentemente sobre alcaçuz. Também o médium tinha dito 'Eu também
sinto uma dor intensa no lado de trás à esquerda da minha cabeça, no occipital.
Talvez tenha havido uma lesão aqui atrás, ou [ele] acertou algo ou alguma coisa
o acertou'. A pessoa falecida morreu de uma lesão deste tipo em um acidente
automobilístico" (p. 14). É digno de nota que, mesmo sob essas condições
controladas e artificiais, os médiuns investigados tenham sido capazes, em
média (especialmente alguns deles), de proporcionar várias informações
específicas que foram reconhecidas por avaliadores cegos. Os autores concluíram
que "este estudo pode sugerir aos leitores que os médiuns não são nem os
oráculos infalíveis que muitas pessoas no público geral parecem acreditar que
eles são, nem as fraudes ou impostores que muitos cientistas assumem que eles
invariavelmente são" (p. 16).
Percepção extrassensorial (PES) ou sobrevivência?
Vários pesquisadores alegam que informações verídicas
proporcionadas por médiuns poderiam ser explicadas por PES, não necessitando
hipotetizar a existência de uma personalidade desencarnada. De acordo com essa
posição, os médiuns poderiam, por exemplo, obter essa informação telepaticamente
(frequentemente de modo inconsciente) dos parentes que os buscam para uma
comunicação mediúnica. Embora aplicável a muitas situações, torna-se mais
improvável quando a personalidade comunicante provê informações verídicas
desconhecidas pelos consulentes ou mesmo quando não há nenhum consulente com
conhecimento da alegada personalidade comunicante. Há casos em que uma
personalidade comunicante desconhecida dos médiuns e dos consulentes aparece
espontaneamente e fornece detalhes específicos que são verificados
posteriormente como precisos. Isso é o que foi chamado de comunicação
"drop-in" (do inglês, significando uma visita casual, sem aviso
prévio) e é considerada por alguns autores como proporcionando forte evidência
para a hipótese da sobrevivência, posto que seria mais difícil explicar esse
tipo de evento em termos de telepatia ou clarividência. Esse seria
especialmente o caso quando "a informação verificada contida na
comunicação não poderia ter sido obtida a partir de uma única fonte"57 (p.
255). Um outro aspecto relevante dos casos drop-in é a motivação para a
comunicação. Nesses casos, não é claro qual seria a motivação do médium e
consulentes em obter por PES informações de alguém desconhecido destes69. Há
alguns casos de drop-in relatados na literatura e que merecem
consideração1,87-93.
O filósofo C. J. Ducasse94 foi um dos primeiros a argumentar
que é ainda mais difícil explicar por PES os casos em que a personalidade
comunicante exibe não apenas fragmentos de informação (saber que) mas também
habilidades (saber como) previamente não aprendidas pelo médium, mas possuídas
pela personalidade comunicante quando em vida. O motivo é que habilidades
somente podem ser adquiridas por meio da prática. Não é suficiente aprender
sobre música e piano para ser capaz de, na prática, tocar um piano. Nesse
sentido, um fenômeno raro e desafiador é a xenoglossia, quando médiuns falam em
idiomas reais mas que eles desconhecem. Casos bem documentados de xenoglossia
são raros e, embora a personalidade comunicante possa ser capaz de falar em um
outro idioma, ele/ela habitualmente não é completamente fluente nesse novo
idioma1,34,73,95-97. Um raro caso de personalidade secundária com xenoglossia
já foi publicado no American Journal do Psychiatry98.
Outros tipos de habilidades não aprendidas e ocasionalmente
exibidas por médiuns são a xenografia (escrever em um idioma real, mas não
aprendido previamente), pintura, desenho e poesia (por médiuns que não tiveram
treinamento prévio e não exibem essas habilidades na sua vida diária).
Finalmente, alguns médiuns escrevem com uma caligrafia similar à da alegada
personalidade comunicante quando viva, um fenômeno ainda pouco
estudado1,99-104.
Alguns médiuns também exibem um amplo leque de traços
psicológicos (caráter, humor, concisão, maneirismos, escolha de palavras,
preferências e rejeições etc.) relacionados à personalidade comunicante,
proporcionando uma personificação mais convincente do comunicante69,105. Isto é
o que Hyslop22 chamou de "unidade seletiva da consciência" e que ele
considerava um "argumento positivo para a hipótese espiritualista"
(p. 268). Isso também foi proposto por Ducasse94 como "modos particulares
de pensar que somente a mente particular cuja sobrevivência está em questão é
sabida estar equipada com" (p. 405). Outros pesquisadores34,73 também
enfatizam, além da informação factual (saber que) fornecida por médiuns como
evidências para a sobrevivência da consciência após a morte, a demonstração de
habilidades não aprendidas e uma ampla variedade de traços de personalidade
típicos da personalidade quando viva. Stevenson et al.106 publicaram um
interessante caso de possessão em que a personalidade secundária fornecia não
apenas evidência de conhecimento, mas também um complexo conjunto de
comportamento e habilidades característicos de Shiva, uma mulher desconhecida
da paciente e seus parentes que viveu a 100 quilômetros de distância e havia
sido assassinada dois meses antes. Essa personalidade secundária foi capaz de
reconhecer vinte e três pessoas conhecidas de Shiva, exibia conhecimento e uma
variedade de comportamentos compatíveis com a personalidade de Shiva, tais como
estilo de vestir, esnobismo de casta, maior fluência literária e tendência a
humor.
Se considerarmos a hipótese de que médiuns possam de fato
exibir PES e/ou ter a capacidade de transmitir informações recebidas de mentes
extracorpóreas (o que também seria um tipo de telepatia), é razoável supor que
essa habilidade, como qualquer outra capacidade humana (jogar futebol, ser um
humorista, compor um poema ou uma canção etc.) seja dependente de diversas
circunstâncias externas e internas69,105. Algumas vezes, devido a condições
neurológicas, emocionais, farmacológicas ou mesmo ambientais, eu (minha mente)
não consigo me expressar de modo claro, fácil e desimpedido. O mesmo poderia se
dar, ainda com maior razão, em uma alegada comunicação mediúnica. Diversos
autores propõem que médiuns possam receber esse tipo de informação anômala de
modo descontínuo, peças fragmentadas de informação, muitas vezes por meio de
imagens mentais com significado simbólico107. Esse tipo de consideração e os
dados disponíveis levaram diversos pesquisadores a concluir que, mesmo em
comunicações mediúnicas verídicas, as lacunas entre as informações obtidas da
mente comunicante seriam preenchidas com conteúdos obtidos da mente dos
próprios médiuns e por PES. De acordo com eles, o estado dissociativo mediúnico
facilitaria a emergência de conteúdos mentais subliminares, mas também
permitiria PES e contato com mentes desencarnadas. Essa hipótese foi
desenvolvida mais amplamente por Frederic Myers10, mas também aceita por vários
outros autores1,45,69,73,75,107.
Breve estudo de caso de dois médiuns
Uma ideia geral sobre a biografia de alguns médiuns pode
também ajudar na compreensão da mediunidade e sua implicação para o problema
mente-cérebro. Serão apresentados breves estudos de caso de dois médiuns
prolíficos com diferentes características: um caso mais antigo e muito bem
documentado e investigado (Leonora Piper) e um caso contemporâneo mas muito
menos estudado (Chico Xavier).
Leonora Piper (EUA, 1857-1950)
A senhora Leonora Piper é provavelmente o médium mais
estudado e um dos que produziu mais evidências sugestivas de uma personalidade
falecida. Literalmente, milhares de páginas foram publicadas com relatos de
suas sessões e análises realizadas por uma variedade de cientistas
destacados22,25,105,108,109.
Ela viveu em Boston e começou tendo visões aos oito anos de
idade. Em 1884, assistindo a uma sessão com outro médium, ela inesperadamente
caiu em transe e escreveu uma carta para um outro assistente atribuída ao filho
falecido deste. Desde então, começou a atuar como médium22.
Como de costume mesmo nos médiuns mais habilidosos, havia
uma grande flutuação na acurácia das informações que ela fornecia.
Habitualmente, as comunicações eram um misto de informações precisas e
imprecisas105.
O filósofo, médico, psicólogo e professor da Universidade de
Harvard, William James, foi o primeiro a investigar sistematicamente a
mediunidade de Piper. No início, como avaliação inicial, ele levou até ela 25
consulentes sob pseudônimo. Sob transe, ela demonstrou um impressionante
conhecimento de questões privadas dos consulentes que eram desconhecidas aos
demais presentes às sessões. Percebendo que ela mereceria posteriores
investigações, James e outros investigadores iniciaram uma contínua e profunda
investigação. Ela foi capaz de fornecer um grande número de fatos precisos
difíceis de serem explicados pelos meios convencionais22,74,105,110,111. Após
mais de 10 anos de investigações da mediunidade da Sra. Piper, James111
afirmou:
"(…) uma proposição universal pode ser mostrada falsa
por um exemplo particular. Se você deseja questionar a lei que todos os corvos
são negros, você não precisa mostrar que nenhum corvo o é; é suficiente se você
provar que um único corvo seja branco. Meu próprio corvo branco é a Sra. Piper.
Nos transes desta médium, não posso resistir à convicção de que surgem
conhecimentos os quais ela nunca obteve pelo uso habitual dos seus olhos,
ouvidos e sagacidade. Qual a fonte deste conhecimento, eu não sei (...); mas
não vejo escapatória de admitir o fato de tal conhecimento. Então, quando eu me
volto para o restante das evidências (...) não consigo carregar comigo o viés
irreversivelmente negativo da mente científica rigorosa, com sua presunção
sobre o que a verdadeira ordem da natureza deve ser." (p. 131).
Após os estudos iniciais de James, Richard Hodgson, um amigo
deste assumiu a liderança das investigações. Hodgson era um membro cético da
Society for Psychical Research (SPR), considerado um expert em desmascarar
fraudes. Ele se mudou para Boston em 1887 para investigar a Sra Piper.
Introduziu consulentes anonimamente ou sob pseudônimos, usou consulentes por
procuração, fez transcrições completas das sessões e obteve testemunhos
assinados dos participantes. Hodgson chegou a contratar detetives para seguir a
Sra Piper. Pesquisadores da SPR levaram-na para a Inglaterra, onde ela não
conhecia ninguém, foi mantida sob estrita vigilância e teve sua bagagem
vasculhada. Mesmo sob tais condições, ela continuou a fornecer repetidamente
informações acuradas1,22,25,105,108.
Testando a veracidade da personalidade comunicante G. P.
(George Pellew), Hodgson introduziu 150 pessoas para G. P., mas somente 30 na
realidade eram conhecidos de G. P. quando vivo. O G. P. comunicante foi capaz
de reconhecer 29 desses 30 e somente entre esses 30. Ele interagiu de modo
apropriado com cada um desses 29 e mostrou conhecimentos de fatos sabidos
somente por cada um desses indivíduos e G. P. Após anos de estudos com a Sra.
Piper, Hodgson convenceu-se de que "os comunicantes eram, ao menos em
muitos casos, o que eles alegavam ser, isto é, os espíritos sobreviventes de
seres humanos previamente encarnados"1 (p. 34).
Em 1905, Hodgson morreu subitamente e a Sra Piper começou a
ter comunicações atribuídas a ele. Embora o período em que Hodgson se
comunicava não produzia tantas evidências quanto nos anos em que G. P. se
comunicava, aquele período também proporcionou muitas evidências de informações
anômalas. James74 produziu um longo relatório desse período, concluindo que:
"Eu sinto como se uma vontade externa desejando se
comunicar provavelmente estivesse lá, isto é, me pego duvidando, em
conseqüência de todo o meu conhecimento desta esfera de fenômeno, que a vida
onírica da Sra. Piper, mesmo equipada com poderes 'telepáticos', seja responsável
por todos os resultados encontrados. Mas se perguntado se esta vontade de se
comunicar seria do Hodgson ou se seria algum mero espírito-falsificado do
Hodgson, eu me mantenho incerto e espero por mais fatos (…)" (p. 209)
A Sra. Piper é um caso notável posto que foi profundamente
investigada por dezenas de cientistas, por quase 25 anos e nunca foi encontrada
qualquer evidência razoável de fraude. Ela produziu não apenas informações
acuradas e abundantes, mas também maneirismos, expressões verbais e senso de
humor compatíveis com dezenas de supostas personalidades comunicantes.
Virtualmente, todo investigador que a estudou em profundidade se convenceu de
que explicações convencionais não eram suficientes para explicar e que algum
tipo de processo anômalo (habitualmente PES e/ou sobrevivência da
personalidade) necessitaria estar envolvido1,22,25,33,109.
Chico Xavier (Brasil, 1910-2002)
Francisco Cândido Xavier, conhecido como Chico Xavier,
produziu uma ampla variedade de fenômenos mediúnicos. Ele nunca aceitou
qualquer pagamento ou gratificações por sua mediunidade, que ele entendia como
um dom espiritual que deveria ser utilizado como um instrumento de caridade
para ajudar as pessoas. Ele produziu, por intermédio de escrita mediúnica
(psicografia), mais de 400 livros cobrindo uma ampla gama de estilos e tópicos
e vendeu mais de 30 milhões de cópias, doando todos os direitos autorais para
organizações de caridade112,113. No entanto, Chico Xavier e sua produção
mediúnica têm sido submetidos a pouca pesquisa.
Seu primeiro livro, Parnaso de além-túmulo, é uma coletânea
de 60 poemas mediúnicos atribuídos a 14 poetas brasileiros e portugueses
falecidos que foi publicado em 1931. As edições seguintes incorporaram mais
poemas atribuídos a outros poetas. A edição definitiva (6a) foi publicada em
1955 e contém 259 poemas atribuídos a 57 poetas brasileiros e portugueses. Este
livro foi submetido a um estudo literário em profundidade114. Três poetas
portugueses (João de Deus, Antero de Quental e Guerra Junqueiro) e dois brasileiros
(Cruz e Sousa e Augusto dos Anjos) foram selecionados para análise das
similaridades entre as produções desses poetas quando vivos e os poemas
atribuídos a eles na antologia. A principal questão de pesquisa era: "as
vozes poéticas dos autores são convincentemente publicadas pelos poemas?".
Após análise dos aspectos estilísticos, formais e interpretativos, a conclusão
do pesquisador foi a de que os poemas da antologia não seriam produtos de uma
simples imitação literária114,115.
Um outro estudo foi realizado com os escritos mediúnicos
atribuídos ao escritor brasileiro Humberto de Campos (1886-1934). Ele foi um
autor prolífico, escrevendo centenas de artigos de jornal e publicando em torno
de 45 livros. Menos de quatro meses após a sua morte, Chico Xavier começou a
escrever textos atribuídos a ele. Doze livros mediúnicos foram publicados entre
1937 e 1969116. O investigador concluiu que o autor dos livros mediúnicos
possuía um vasto conhecimento das obras de Campos e foi capaz de reproduzir o
estilo e o caráter deste. Os escritos mediúnicos atribuídos a Campos estão
repletos de referências tanto sutis quanto explícitas aos trabalhos que ele
produziu quando em vida. Há uma intrincada e sofisticada intertextualidade,
detectável apenas por aqueles com profundo conhecimento das obras de Campos. Um
aspecto interessante é que algumas dessas informações fazem referências a
escritos de Campos que não eram de domínio público quando os textos mediúnicos
foram produzidos. Por exemplo, eles referem ao "Diário Secreto", que
foi mantido inacessível em um cofre da Academia Brasileira de Letras até 1954,
vinte anos após a morte de Campos116.
Um outro aspecto importante, mas menos estudado, da produção
mediúnica de Chico Xavier são as cartas que personalidades falecidas
alegadamente escreviam para parentes e amigos. Xavier produziu milhares dessas
cartas. Embora ainda não tenham sido publicados estudos rigorosos desse
material, relatos preliminares indicam achados que merecem posteriores
investigações117-119.
Um estudo sobre a identidade caligráfica de quatro cartas
escritas em italiano por Xavier em 1978 e atribuídas a Ilda Mascaro Saullo, que
morreu em Roma no ano anterior, também foi publicado104. O pesquisador, um
técnico em grafoscopia, comparou a caligrafia dessa psicografia com a
caligrafia de Ilda quando viva, com a caligrafia ordinária de Xavier e com
outros textos psicográficos deste. Ele concluiu pela identidade caligráfica
entre as cartas psicografadas atribuídas a Ilda e os escritos dela em vida. Não
temos conhecimento de outros estudos com essa abordagem e da opinião de outros
especialistas sobre esse estudo. Assim, embora essas conclusões necessitem ser
analisadas cuidadosamente, este estudo indica uma outra importante linha de
pesquisa sobre o fenômeno mediúnico.
Conclusão
Mediunidade é um tipo de experiência humana que já
contribuiu para a nossa compreensão da mente, tendo desempenhado um importante
papel no desenvolvimento de conceitos como dissociação e mente subconsciente.
Embora tenha sido negligenciada por várias décadas, a investigação científica
criativa, rigorosa e não dogmática das experiências mediúnicas tem o potencial
de auxiliar no avanço da exploração da mente e sua relação com o cérebro.
A despeito da escassez de recursos e de apoio da maioria das
organizações acadêmicas, a pesquisa sobre a mediunidade já mobilizou dezenas de
cientistas de destaque por mais de um século e alcançou resultados
consideráveis. Alguns estudos recentes e bem controlados replicaram os achados
anteriores de que médiuns, mesmo sob condições estritas de controle, podem
obter algum tipo de informação anômala em relação a personalidades falecidas.
Médiuns em transe têm sido capazes de exibir habilidades além daquelas
demonstradas em estados normais de consciência, por vezes em sintonia com as da
suposta personalidade comunicante.
Para uma melhor compreensão da natureza humana, faz-se
mister explorar a mediunidade em profundidade, desenvolver e testar teorias
para explicar esse fenômeno desafiador. Indubitavelmente, a mediunidade é uma
experiência complexa que provavelmente envolve fenômenos ontologicamente
distintos e que não são passíveis de serem plenamente compreendidos a partir de
uma única hipótese explicativa. Estudos aprofundados, abrangentes e
interdisciplinares de médiuns especialmente talentosos podem ser muito úteis
nessa direção.
A evidência disponível em relação à mediunidade sugere
fortemente processos não habituais de obtenção de informação. Esses dados
constituem-se em anomalias ao paradigma, falseadores potenciais do modelo
reducionista para o problema mente-cérebro. É muito difícil ser capaz de
explicar todo o conjunto de dados disponíveis sem levar em consideração a PES
e/ou sobrevivência da mente após a morte corporal. Esta foi a conclusão da
maioria dos cientistas que estudaram em profundidade as experiências
mediúnicas1,10,33,34,43,69,73. Esta perspectiva está em sintonia com a
"teoria da transmissão" para a ação cerebral, proposta por William
James120. Nesta, o "cérebro pode ser um órgão para limitar e determinar
para uma certa forma uma consciência produzida em outro lugar" (p. 294).
Essa hipótese se torna ainda mais consistente se levarmos em consideração
outros fenômenos, tais como as experiências de quase morte121,122 e os
aparentes casos de reencarnação123,124.
De qualquer modo, ambas as hipóteses (PES ou sobrevivência)
não podem ser acomodadas na visão de que a mente é apenas um produto de
atividades químicas e elétricas cerebrais, sem possibilidade de ação ou
existência além do cérebro. Em conclusão, as experiências mediúnicas
proporcionam um amplo e diversificado corpo de evidências empíricas que
fortemente sugerem uma visão não reducionista da mente.
Com intuito de aprimorar o avanço dessa exploração, é
necessário ter uma abordagem investigativa que mereça de fato ser chamada de
científica: uma abordagem metodologicamente rigorosa, epistemológica e
historicamente bem informada, não dogmática e ousada. É necessário que a
pesquisa acadêmica, se realmente desejamos compreender a natureza humana, não
exclua nenhum tipo de experiência humana, não importando quão estranhas elas
possam parecer. Nessa investigação, dados observacionais consistentes devem ter
prioridade epistemológica sobre paradigmas estabelecidos que são inadequados
para explicar muitos fenômenos anômalos72. Para o avanço das pesquisas futuras,
é necessário ter cientistas bem treinados, financiamento e criatividade
científica para planejar novos protocolos de pesquisa que sejam adequados para
formular e testar teorias que possam explicar os dados disponíveis.
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Órgão Oficial do Departamento e Instituto de Psiquiatria Faculdade
de Medicina - Universidade de São Paulo
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