Autora: Claudia Burlá - médica geriatra especialista em Cuidados Paliativos - 01/02/2017
Com os progressos que o mundo contemporâneo foi contemplado no século XX, o envelhecimento populacional fez com que as sociedades passassem a ter um número significativo de pessoas com doenças incuráveis, que permanecem vivas com sequelas e complicações.
O atrativo modelo da medicina curativa, cujo foco é o “ataque à doença” visando à cura, não se coaduna com as necessidades das pessoas com doenças incuráveis. Muitos profissionais ainda encaram o não curar como uma derrota; sentem-se frustrados porque na sua formação a cura foi o objetivo primordial. Em determinados momentos, esquecem que estão tratando de um ser biográfico, uma pessoa com sentimentos, emoções, vontades e família, e não de uma doença ou de um órgão do corpo.
As necessidades da pessoa com doença irreversível têm sido negligenciadas, ficando à mercê da “boa vontade” ou da bem intencionada ação de alguns poucos profissionais sensíveis à nova realidade dramática em que não se vislumbra solução aparente.
A doença terminal, o processo de morrer e a morte foram “hospitalizadas” nas últimas décadas. Questões em torno da morte interessam a todos e constituem ainda hoje um tema pouco falado. A partir da Resolução 1.805/2006 e mais recentemente da entrada em vigor do novo Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina, é que a mídia veio explorar o assunto que ainda gera controvérsias.
Nesse cenário surge uma modalidade de assistência cujo alvo é a pessoa doente, com ênfase no sofrimento físico e nas demandas psicossociais e espirituais. Esta modalidade de atendimento e de intervenção é conhecida como Cuidados Paliativos: uma resposta ativa aos problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e progressiva, na tentativa de prevenir o desconforto e proporcionar qualidade de vida possível às pessoas doentes e seus familiares. Os médicos jamais devem perder o foco de atuação: a pessoa doente no final da vida, um processo que pode levar dias, semanas ou meses.
Não obstante a globalização do conhecimento e a rapidez de informações, acrescida da necessidade de atenção especial para o final da vida, nesta primeira década do século XXI os Cuidados Paliativos ainda não fazem parte do interesse e do conhecimento de profissionais e sistema de saúde.
No Brasil já existem iniciativas, porém os serviços qualificados e organizados são insuficientes. Pessoas portadoras de doença progressiva, incurável, evolutiva, caminhando para a morte, necessitam de assistência diferenciada que atenda as suas demandas.
A doença terminal atravessa todas as faixas etárias, do recém-nascido ao idoso frágil. Assim, dezenas de milhares de pessoas poderão ser beneficiadas quando o sistema de saúde incorporar esta modalidade de atendimento.
Cuidados Paliativos não são cuidados menores no sistema de saúde, não se resumem a uma intervenção de caridade bem intencionada, não restringem sua aplicação aos moribundos nos últimos dias de vida e, pela especificidade das intervenções, são diferenciados dos cuidados continuados. Cuidados Paliativos não encarecem os gastos do sistema de saúde, tendendo a reduzi-los pela racionalização da assistência.
Cuidados Paliativos deverão integrar o sistema de saúde, como uma intervenção técnica que requer formação e treinamento específico de todos os profissionais.
Cuidados Paliativos previnem o sofrimento desencadeado pelos sintomas (dor, fadiga, dificuldade para respirar, agitação, entre outros) e pelas múltiplas perdas associadas à doença crônica e terminal (da potencialidade do corpo às questões psicológicas), podendo minimizar o processo de lutos complicados.
Cuidados Paliativos são assegurados pela intervenção plural em que a pessoa doente e sua família são o centro gerador das decisões de uma equipe idealmente integrada por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas e também profissionais de outras áreas, como Direito, Filosofia, Teologia.
Cuidados Paliativos auxiliam as pessoas ao final da vida a viver tão ativamente quanto possível até a morte, utilizando os recursos técnico-científicos já estabelecidos, acrescidos de intervenções profissionais humanas e criativas.
Por fim cabe ressaltar que Cuidados Paliativos constituem uma resposta indispensável aos problemas do final da vida. Em nome da ética, da dignidade e do bem-estar de cada Ser Humano é preciso torná-los cada vez mais uma realidade.
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