segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Indústrias de medicamentos buscam no STJ extensão para suas patentes

Aguardam julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) 33 recursos que afetam diretamente a população brasileira. A discussão envolve o pedido de extensão da vigência de patentes de medicamentos e, portanto, o monopólio na comercialização de drogas que são usadas no tratamento de muitas doenças como hipertensão e leucemia. Quanto mais estas patentes são prorrogadas, mais se adia o surgimento do genérico.

As patentes desses medicamentos são do tipo “pipeline”. A atual Lei da Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/1996) criou esse mecanismo para proteger invenções das áreas farmacêutica e química, que não poderiam gerar patentes até aquela época. Pelo “pipeline”, os laboratórios tiveram um ano para requerer a patente ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e a validade foi fixada considerando o primeiro depósito no exterior. As patentes de invenção no Brasil valem por 20 anos a partir da data do depósito.

O tema não é novo no STJ. A Terceira e Quarta Turma já julgaram alguns desses recursos. Um deles, relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, inviabilizou o pedido de extensão da patente do Viagra, indicado para disfunção erétil (Resp 731.101). Outro foi o que pôs limite no prazo de patente do Diovan, indicado no tratamento da hipertensão arterial (Resp 1.145.637). Neste caso, o julgamento foi unânime, seguindo o posicionamento do desembargador convocado Vasco Della Giustina. Conforme o artigo 42 da Lei n. 9.279/96, a patente confere ao titular o direito de impedir que terceiro produza, use ou coloque à venda o produto objeto da patente.

Em todas as instâncias do Judiciário, há mais de cem ações envolvendo medicamentos diversos, segundo dados do INPI. A Justiça Federal analisou recentemente o caso envolvendo a comercialização do Xenical, fabricado pelo laboratório F. Hoffmann-La Roche e indicado para o tratamento da obesidade. Também analisou um processo envolvendo a fabricação do medicamento Hepsera, pelo laboratório Institut of Organic, indicado para controle da pressão arterial. Outro caso, que aguarda julgamento, mas no STJ, é a patente do anticoncepcional Yasmim, fabricado pela Schering.

As patentes “pipeline”
Nos processos relacionados ao “pipeline”, diversas multinacionais buscam harmonizar sua patente nacional com a concedida no exterior. Porém, as últimas decisões do STJ vêm mantendo o prazo estabelecido pelo INPI, que é de 20 anos a partir do primeiro depósito, também desconsiderando possíveis extensões em outros países.

Esse entendimento desagrada aos fabricantes de medicamentos. “Entendemos que o prazo de patente que expira aqui é o mesmo que expira lá fora”, afirmou o advogado Gustavo Moraes, responsável pela defesa da patente do Viagra no STJ. Segundo ele, a patente desse medicamento no Brasil vai expirar um ano antes do que no resto do mundo, o que seria uma violação à propriedade intelectual.

O procurador-chefe do INPI, Mauro Maia, explica que as discussões acontecem na Justiça porque as multinacionais fazem um primeiro depósito no exterior e abandonam o pedido, realizando outra solicitação posteriormente. Assim, pedem que os 20 anos sejam contados a partir do segundo pedido, e não do primeiro.

Argumentos judiciais e a posição do STJ

Há também uma peculiaridade: nos Estados Unidos, às vezes, existe um lapso entre a data de concessão da patente e a autorização para a comercialização. A legislação norte-americana prevê uma indenização por este período, de forma que, se um produto demorou três anos para chegar às prateleiras, há um acréscimo de três anos na validade da patente. E as empresas recorrem, também, querendo esse prazo adicional no Brasil.

O STJ vem decidindo que o prazo de 20 anos deve ser contado a partir do primeiro depósito no exterior, ainda que esse tenha sido abandonado ou haja extensão. Essa posição foi defendida no julgamento do Recurso Especial 1.092.139, em que o laboratório Novartis queria exclusividade na comercialização de derivados da pirimidina, substância utilizada na fabricação do Glivec, usado para tratar adultos com leucemia mielóide. O STJ, seguindo o voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, considerou o primeiro depósito feito na Suíça, e não o registro no Escritório Europeu de Patentes.

O regime de “pipeline” vem sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (ADI 4.234/2008) por supostamente afrontar o artigo 5º, incisos XXIX e XXXVI, da Constituição Federal. O primeiro inciso institui a proteção aos inventos industriais, e o segundo dispõe sobre o direito adquirido. A justificativa é que não haveria novidade aqui nos produtos comercializados no exterior, especialmente porque o Brasil não concedia patentes para tais produtos até a Lei da Propriedade Intelectual, de 1996.

Concessão de uma patente
Para ter uma patente concedida, segundo a lei, é preciso que haja novidade, atividade inventiva (não ser óbvia) e aplicação industrial. Sua duração é de 20 anos e corresponde ao período médio de vida que a sociedade atribui a uma tecnologia ou, no caso dos medicamentos, ao tempo necessário para que empresas tenham o retorno do dinheiro investido. Em troca da patente, as empresas oferecem ao Estado a descrição do invento.

Não há violação quando o uso do medicamento é para finalidade experimental, relacionado a estudos ou pesquisas ou que resulte na produção de informações de dados ou resultados de testes. O que se proíbe é a comercialização dos produtos, razão esta que faz com que a indústria de genéricos reivindique uma fatia do mercado. A patente é concedida pelo INPI, uma autarquia federal, com sede no Rio de Janeiro.

O advogado Gustavo Moraes entende que as decisões judiciais estão na contramão do ideal de patente concebido pelo legislador e expressam insatisfação da indústria farmacêutica com a não concessão da extensão em alguns casos. “Quando alguém inventa e é bom, depois todos querem copiar”, assinala. Já o procurador-chefe do INPI esclarece que não há quebra de patente nos casos julgados pelo Judiciário. “O que as empresas buscam é estender uma situação insustentável de monopólio”, acusa Mauro Maia.

Mercado de genéricos

Segundo o advogado Aristóvolo Freitas, da Pró Genéricos, associação que representa oito laboratórios e quase 90% do mercado de genéricos no Brasil, não se sustenta o argumento de que as decisões do Judiciário violam os princípios da propriedade industrial e comprometem futuros investimentos com pesquisa e desenvolvimento. “A patente é importante para o país e, sem ela, não pode haver sequer genéricos”, alega o advogado.

A associação atua na condição de assistente do INPI nos processos envolvendo patentes de medicamentos em muitas das ações no Judiciário. Isso foi possível graças a uma decisão do STJ, firmada no Recurso Especial 1.128.789, na qual ficou estabelecido que não se exige que terceiro possua uma efetiva relação jurídica com o assistido, sendo suficiente a possibilidade de que alguns direitos sejam atingidos pela decisão judicial.

Os genéricos são cópias de medicamentos com patentes expiradas. No Brasil, foram instituídos em 1999 com a promulgação da Lei n. 9.787. Seus fabricantes não necessitam fazer investimentos em pesquisa para o seu desenvolvimento, visto que as formulações já estão definidas pelo medicamento de referência. Também não precisam fazer propaganda, pois não há marca a ser divulgada, razão de o preço ser menor.

“As brigas na Justiça não têm nada a ver com quebra de patentes”, reitera o procurador-chefe do INPI. “O que se discute é a extensão indevida de patente”, garante Maia. Segundo o autor Nuno de Pires de Carvalho, no livro “A Estrutura de Marcas e Patentes”, as patentes não são instrumentos de política industrial, são componentes de um conjunto de instituições jurídicas que moldam a sociedade de uma forma eficiente.

Movimento de mercado
O mercado mundial de medicamentos movimentou no último ano o equivale a um total de US$ 752 bilhões, segundo estudo divulgado pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). No Brasil, foram mais de US$ 15 bilhões investidos. “Se for olhar do ponto de vista econômico, vale a pena brigar na Justiça pela patente”, assinala Mauro Maia, “pois quaisquer três meses resultam em uma grande diferença na receita da empresa”.

A venda de um medicamento pode ter o impacto de até 30% no faturamento da empresa, segundo levantamento do INPI. De acordo com dados do IMS World Review, somente um em cada cinco mil compostos pesquisados chega aos pacientes, e sete entre dez drogas não cobrem os custos com pesquisa e desenvolvimento. O estudo informa ainda que somente 27% dos produtos no mercado são protegidos por patentes. Os Estados Unidos são o país com maior número de patentes na área de medicamentos, com 45.790, e o Brasil ocupa a 24ª posição, com 480.
 
A notícia refere-se aos seguintes processos:
retirado do site do STJ

Justiça suspende liminar que proibia médico de fazer ortotanásia

Depois de mais de três anos de debates nos meios jurídicos e médicos e na sociedade, a Justiça Federal revogou a liminar que suspendia a regulamentação da ortotanásia no país. O procedimento médico, que consiste na suspensão de tratamentos invasivos que prolonguem a vida de pacientes em estado terminal, foi regulamentado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) em novembro de 2006.
O juiz Roberto Luis Luchi Demo, da 14ª Vara Federal, julgou improcedente o pedido do MPF (Ministério Público Federal), que considerava a medida inconstitucional. A decisão será publicada esta semana no Diário Oficial da União, segundo o CFM.

A ortotanásia só pode ser realizada quando não é mais possível a cura do paciente. Para fazê-la, o médico precisa ter autorização do próprio paciente ou de sua família, em caso de incapacidade do primeiro. Essa conduta médica é considerada ética e tem manifestações favoráveis da Igreja Católica. A morte, em 2005, do papa João Paulo II, é um dos exemplos mais conhecidos de ortotanásia.
No Brasil, o exemplo mais famoso é a morte do ex-governador de São Paulo Mário Covas, em 2001, que levou o Estado a ser o único do país a aprovar uma lei garantindo o direito do cidadão a uma morte digna. Covas teve um câncer reincidente na bexiga e preferiu passar os últimos momentos de vida na companhia da família, recebendo apenas tratamento paliativo.
Segundo o presidente do CFM, Roberto d'Avila, a liminar que suspendeu a regulamentação da ortotanásia no país, há três anos, era reflexo do desconhecimento da sociedade sobre sua prática, confundida com outras tipificadas como crime, como a eutanásia, quando a morte de paciente terminal é provocada. O lado bom foi que isso fez com que discutíssemos mais profundamente o assunto com toda a sociedade, colocou d'Avila.

Ele disse ser importante esclarecer que existe um grupo de pacientes em que a cura não é mais possível. Nesses casos, o doente continua sendo acolhido, mas pode optar por tratamento paliativo, com uso de sedativos e analgésicos em quantidades adequadas, no lugar de procedimentos que não lhe trariam benefícios e poderiam prolongar a morte com dor.
A revogação da liminar ocorreu depois que o próprio MPF (Ministério Público Federal) revisou a ação inicial e reconheceu que ela deveria ser acolhida. Segundo argumentação da procuradora Luciana Loureiro Oliveira, a ortotanásia não constitui crime de homicídio, ao contrário da eutanásia, e o CFM tem competência para editar a resolução que a regulamenta, que não versa sobre direito penal e, sim sobre ética médica e consequências disciplinares.

Para d'Avila, a decisão da Justiça foi um avanço da compreensão da sociedade sobre o tema. Além disso, retira a insegurança criada nos médicos que viram uma conduta moral na medicina sendo tratada, temporariamente, como ato ilegal. É um processo que a própria sociedade acaba exigindo de nós. Por isso, os médicos vinham sendo orientados a sempre conversar e preservar a autonomia de seus pacientes.

retirado do site do IBDFAM

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Presidente do STJ destaca no Fórum da Saúde importância do tema para o Judiciário

“A tarefa de administrar a Justiça na área da saúde é muito difícil e pesa mais sobre os juízes de primeiro grau, uma vez que os casos envolvem uma verdadeira ‘escolha de Sofia’”. A afirmação é do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, uma das autoridades presentes na abertura do primeiro encontro do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, que está sendo realizado em São Paulo, a partir desta quinta-feira (18), pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Ao falar na solenidade, o ministro destacou que existe uma grande necessidade de troca de experiências a respeito das questões relacionadas ao direito à saúde por parte dos cidadãos. E essa troca de conhecimentos, a seu ver, passa não apenas pela discussão da legislação, como também pela aplicação prática das leis, motivo por que é importante a realização de um evento como esse.

Na mesma solenidade, o coordenador do fórum, conselheiro Milton Nobre, do CNJ, defendeu a participação do Poder Judiciário na busca de soluções para os conflitos dos cidadãos com o Sistema Único de Saúde (SUS) e as operadoras de planos privados. Sem citar nomes, Nobre criticou os que utilizam o termo “judicialização” para sugerir que há uma avalanche de ações judiciais por acesso a medicamentos, tratamentos e outros serviços.

Exagero
“Há um exagero descabido no termo ‘judicialização da saúde’. Para se ter uma ideia, em 2009 havia cerca de 86 milhões de ações judiciais, das mais diversas naturezas. Conforme pesquisa que ainda está sendo realizada pelo CNJ, as ações relacionadas à saúde não devem chegar nem a 500 mil. Além disso, o Judiciário está fazendo o que deve, defendendo os direitos fundamentais dos cidadãos e cumprindo a Constituição Federal”, disse Nobre.

Segundo ele, os números são compatíveis com a realidade de um país de 190 milhões de habitantes, onde 50 milhões têm planos privados de saúde e o restante é atendido exclusivamente pelo SUS. “Então, deixo no ar a seguinte provocação: será que esse exagero de ações judiciais é verdadeiro?”, questionou o coordenador do fórum, acrescentando que o recurso à Justiça é o único e derradeiro meio utilizado pelo cidadão que tem dificuldade para ver atendidas suas demandas por atendimento à saúde.

Milton Nobre também destacou que, ao mesmo tempo em que o Poder Judiciário julga os processos da área da saúde, trabalha na busca de soluções administrativas para os conflitos, evitando novos processos judiciais. Como exemplo, ele citou a recomendação do CNJ para que 54 juízes passem a integrar comitês gestores em seus estados para acompanhar as demandas judiciais na área da saúde. 

retirado do site do STJ

sábado, 13 de novembro de 2010

Projeto de Pesquisa sobre células tronco no Brasil

Projeto de Pesquisa - GOVCEL Pesquisa de celulas tronco no Brasil
"Desenvolvimento de Capacidades para a Governança:
Visões Sociais e o Debate sobre Células Tronco no Brasil"



O objetivo principal deste projeto é analisar a evolução do papel das percepções sociais, o comportamento institucional e as crenças subjacentes tanto em relação à inovação quanto às políticas de regulação para a pesquisa com células-tronco (PCT), em áreas de controvérsia social e ética em Ciência, Tecnologia e Medicina. 
       A pesquisa busca evidências sobre como os contextos culturais influenciam a direção da PCT e as políticas de regulação e as múltiplas tensões sociais ligadas ao seu desenvolvimento no Brasil em comparação com o Reino Unido (RU), um país industrializado (PI) de liderança no tema.
      O projeto compreende uma revisão analítica inicial dos marcos de referência no RU, como background para a pesquisa no Brasil; seguido de um estudo qualitativo aprofundado, baseado em entrevistas realizadas no Brasil com diferentes grupos sociais envolvidos com a PCT (pesquisadores/médicos; organizações da sociedade civil e formuladores de política pública), utilizando a análise sócio-histórica da literatura relativa às linhas-guia da bioética para a PCT, o debate público e a cobertura dos meios de comunicação.
     Nossa proposta é desenvolver recomendações para a formulação e implementação de políticas públicas em nível local e internacional que incluam a participação cidadã informada na governança sustentável da PCT e das biotecnologias emergentes.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Vítimas de estupro têm direito a fazer aborto pelo SUS independente de registro policial

As gestantes vítimas de estupro que quiserem interromper a gravidez têm o direito de fazer a cirurgia pelo SUS, independente de apresentar registro de ocorrência policial. A 6ª Turma Especializada do TRF2 declarou nulo o decreto do município do Rio de Janeiro que estabelece a exigência de registro. A decisão foi proferida no dia 18 de outubro no julgamento de apelação cível apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), contra sentença de primeiro grau.
O MPF ajuizara ação civil pública na primeira instância da Justiça Federal, pedindo a nulidade do Decreto Municipal nº 25.745, de 2005, ano em que a Portaria nº 1.508 do Ministério da Saúde dispôs sobre o “procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS”. O Código Penal estabelece que não é punível o aborto praticado por médico, “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante”.
O relator do processo no TRF2, desembargador federal Frederico Gueiros, iniciou seu voto afirmando que “o Brasil mantém no seu sistema jurídico um enorme arsenal de dispositivos legais e constitucionais protetivos dos direitos das mulheres mas, na perversa lógica paradoxal da ideologia patriarcal, pouco faz para que seja efetivada e concretizada a garantia material desses direitos”.
Frederico Gueiros ressaltou que o Brasil assumiu compromisso internacional de garantir às mulheres que optam pelo abortamento não criminoso as condições para realizá-lo de forma segura. Inclusive, na Conferência de Beijing, de 1995, o País se comprometeu a rever toda legislação que incluísse restrições ou punições contra a prática: “A exigência da apresentação do Registro de Ocorrência como condição para o fornecimento de assistência médica para a realização do abortamento ético constitui para a mulher um inaceitável constrangimento, que, na prática, pode afastá-la do serviço público de saúde e impedir o fornecimento do indispensável tratamento médico em razão da violência sexual sofrida, a qual pode acarretar a sua morte ou inúmeras sequelas, muitas irreversíveis, com consequente custo social elevadíssimo”, destacou.
Para o desembargador, o decreto municipal viola o artigo 196 da Constiuição, que define a saúde como direito fundamental, sendo dever do Estado garantir “o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
Ainda, o magistrado chamou atenção para a importância da capacitação de médicos e demais profissionais envolvidos no procedimento cirúrgico, bem como de que os hospitais públicos estejam bem equipados e preparados para atender as pacientes: “Por fim, cabe esclarecer que a declaração da gestante vítima de violência sexual deve ser primordial no procedimento em questão, porém nenhum prejuízo surgiria em se prestá-la nos próprios hospitais públicos municipais – perante equipes mutiprofissionais especializadas – em ação concomitante, ao invés de se fazê-lo na atmosfera ‘pesada’ de uma delegacia policial”, concluiu.

Proc 2007.51.01.017986-4

retirado do site do TRF2

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Plano de saúde não pode rescindir contrato em razão de idade avançada dos segurados


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é ilegítima a rescisão de plano de saúde em razão da alta sinistralidade do contrato, caracterizada pela idade avançada dos segurados. O entendimento foi unânime. O caso envolve um grupo de associados da Associação Paulista de Medicina (APM) e a SulAmérica Seguro Saúde S/A.

Os associados alegam que a APM enviou-lhes uma correspondência avisando que a SulAmérica não renovaria as suas apólices coletivas por causa da alta sinistralidade do grupo, decorrente de maior concentração dos segurados nas faixas etárias mais avançadas. Informou, ainda, que eles deveriam aderir à nova apólice de seguro, que prevê aumento de 100%, sob pena de extinção da apólice anterior.

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido, pois a ocorrência de alta sinistralidade no contrato de plano de saúde possibilita a sua rescisão. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença, ao entendimento de que o “expressivo incremento dos gastos despendidos pelos autores para o custeio do plano de saúde não decorreu da resilição do contrato (extinção por acordo entre as partes), nem de ato ilícito de o que quer que seja, mas da constatação de que o plano de saúde cujo contrato foi extinto perdera o sinalagma (mútua dependência de obrigações num contrato) e o equilíbrio entre as prestações”.

No recurso especial enviado ao STJ, a defesa dos associados pede para que a seguradora mantenha a prestação dos serviços de assistência médica. Quer, assim, a anulação da decisão do tribunal paulista que entendeu que o aumento da mensalidade não ocorreu por causa da rescisão do contrato ou de qualquer outro ato, mas pela constatação de que o contrato do plano de saúde foi extinto pela perda de suas obrigações e do equilíbrio entre as prestações.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a ilegitimidade da APM para figurar na ação e extinguiu o processo, sem a resolução do mérito.

Quanto à legitimidade da rescisão do contrato, a ministra destacou que o consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência, em janeiro de 2004, está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades dos planos de saúde com base exclusivamente na alta sinistralidade da apólice, decorrente da faixa etária dos segurados.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, o caso em questão não envolve os demais reajustes permitidos em lei, os quais ficam garantidos às empresas prestadoras de planos de saúde, sempre ressalvada a abusividade.

do site do STJ

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Antecipação terapêutica do parto nos casos de anencefalia

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Médicos e juristas defendem a antecipação terapêutica do parto nos casos de anencefalia

A autonomia da mulher quanto a antecipação terapêutica do parto
 nos casos de anencefalia foi tema de Fórum entre profissionais da
 Medicina e do Direito nesta sexta-feira (24), em Brasília.
“Contribuímos para aperfeiçoar as relações éticas da nossa
 sociedade. Nossa proposta é criar uma ponte sólida entre o
Judiciário e a Medicina sobre o assunto”, enalteceu o secretário-geral
 do Conselho Federal de Medicina (CFM), Henrique Batista.
O encontro permitiu o debate sobre a interrupção da gravidez de
 fetos com anencefalia, tipo de má-formação que impede o
desenvolvimento do cérebro. Há um caso da doença em cada
1,5 mil nascidos vivos, o que torna a anencefalia a segunda
má-formação mais comum no país.

Os participantes do evento aprovaram a proposta de lançar

 um abaixo-assinado em defesa da votação da Arguição de
 Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 54
no STF, que visa a descaracterizar o aborto em casos de
 fetos anencefálicos, por decisão das gestantes, como o crime
 tipificado no Código Penal. A meta é reunir um milhão de assinaturas.
Dados apresentados no Fórum apontam que 75% dos óbitos
de anencéfalos ocorrem dentro do útero. Outros 25% têm
vida vegetativa e morrem em menos de 24 horas. Segundo os
 médicos, são raros os casos que ultrapassam 48 horas. As
gestantes também correm sérios riscos.
O obstetra e representante do Grupo de Estudos sobre o Aborto,

Thomaz Rafael Gollop, lembrou que nenhum país do mundo
conseguiu um consenso no assunto por causa do plurarismo
moral. “É preciso deixar claro que direito é uma questão pública
de toda a sociedade e fé é de cada um”, destacou.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do estado de

São Paulo (Cremesp), Luiz Alberto Bacheschi, defendeu que
 nenhuma mulher pode ser obrigada a interromper a gestação,
 mas o direito deve ser garantido. “Nada pode ser mais
importante do que zelar a autonomia da mulher”. Segundo
ele, ainda não há consenso quanto ao prosseguimento da
gestação com a finalidade de permitir a doação de órgãos da
criança anencefálica.

Justiça - A possibilidade de interrupção da gravidez de feto

anencéfalo tramita desde 2004 no Supremo Tribunal Federal (STF),
 em ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
 na Saúde (CNTS). A Procuradoria da República e a Advocacia-Geral
 da União (AGU) já se mostraram favoráveis à medida, que tem forte
 rejeição, principalmente, por parte das igrejas.

Hoje, quando a mãe decide antecipar ou interromper a gravidez de um

anencéfalo, precisa recorrer à Justiça para obter a autorização.
Para psicóloga do Hospital Pérola Byington, Daniela Pedroso,
 “obrigar uma mulher a manter uma gestação nessas condições é
tortura, violação dos princípios fundamentais, como o direito à vida,
à liberdade e à dignidade”.

O país tem hoje mais de 5 mil sentenças favoráveis a essas mulheres

que recorreram à interrupção da gravidez uma vez detectada a anencefalia.

Campanha do grupo não governamental CEPIA para que
 as mulheres tenham o direito de decidir pela interrupção
 da gravidez
 em casos de anencefalia.

retirado do site do CFM

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ação inédita mantém tratamento para paciente participante de pesquisa clínica

Resultou em acordo uma ação inédita no país, ajuizada pela Defensoria Pública do Estado (DPE/RS), que buscou a manutenção do fornecimento de medicação a um pedreiro porto-alegrense, de 45 anos, infectado pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), participante de uma pesquisa clínica. Homologado pelo juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Regional da Tristeza da Comarca de Porto Alegre, o ajustamento assegura ao paciente o fornecimento da medicação enquanto for necessário e perdurar o tratamento. A entrega do fármaco deverá ser realizada por representante da Schering Corporation, laboratório patrocinador da pesquisa, na própria residência do pedreiro, mediante apresentação bimestral de receita médica fornecida pelo médico que trata o paciente. “Além de inédita, por não exigir qualquer conduta ativa por parte do paciente, a ação resguarda o direito do cidadão de ter, enquanto necessitar, o adequado tratamento de saúde”, afirma a defensora pública Paula Pinto de Souza, dirigente do Núcleo de Tutelas da Saúde da DPE/RS, que ajuizou a ação. A demanda consistiu no fato de que o paciente, ao receber a administração do esquema terapêutico Tenofovir Lamivudina, Ritonavir, Raltegravir e Tipranavir, patrocinado pela Schering Corporation, passou a ter carga viral indetectável.
Paula ressalta que, embora o medicamento objeto da demanda, o Tipranavir, não seja comercializado no Brasil, o paciente recebeu o tratamento durante sua participação na pesquisa, realizada pelo laboratório patrocinador, réu na ação judicial. Entretanto, o tratamento foi suspenso ainda na primeira fase da pesquisa clínica, embora a empresa tenha se comprometido a continuar o fornecimento do fármaco. Para evitar essa interrupção, o juiz Eugênio Terra, concedeu a tutela antecipada (liminar) pedida na mesma data do ajuizamento da ação, no último dia 28 de abril.
O laboratório recorreu da decisão e interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça (TJ), insurgindo-se contra a concessão da tutela antecipada. Mas, em decisão monocrática, o TJ negou seguimento ao agravo. “Houve várias propostas de acordo, que se iniciaram após a concessão da tutela antecipada, sendo que uma delas era que a Schering Corporation forneceria o medicamento apenas por dois meses e, após, a parte autora deveria desistir do processo e ingressar com ação contra a União, na Justiça Federal, pleiteando o fármaco objeto da demanda. A esta, somaram-se cerca de mais três tentativas de conciliação, todas que, de alguma forma, oneravam o paciente”, relembra a defensora pública.
Legislação protege participantes de pesquisas
A defensora pública Paula de Souza, juntamente com a colega Liliane Paz Deble Geyer, que atua nos processos junto à 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Regional da Tristeza, na Capital, estiveram à frente das negociações com representantes do laboratório. “Nada adianta aos pacientes, já vulneráveis pela doença, serem onerados com alguma espécie de conduta ativa, uma vez que a nossa legislação garante o direito a eles de continuar recebendo o tratamento do laboratório patrocinador da pesquisa clínica de forma contínua e por tempo indeterminado, enquanto for necessário à saúde do paciente. Assim, somente aceitaríamos o reconhecimento do pedido”, argumenta.
Paula lembra que o laboratório patrocinador deve fornecer o fármaco não somente durante a pesquisa mas, também, após seu término, nos termos da Resolução nº 251/97 do Conselho Nacional de Saúde, que define normas de pesquisa envolvendo seres humanos para a área temática com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos.
O acordo foi homologado nos autos do processo nº 11001032528, em 15 de julho deste ano, sendo extinto com resolução de mérito na forma do artigo 269, inciso III do Código de Processo Civil.
Extraído do site www.editoramagister.com

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Decisão Administrativa para registro no caso de "Barriga de Aluguel"

clique para acessar arquivo em PDF

Importante decisão de cunho adminsitrativo que autoriza o registro de bebê gestado em "barriga de aluguel" diretamente pelos pais doadores de gameta.

PARECER Nº 82/2010_E_ PROCESSO Nº 2009/104323

Data inclusão: 21/05/2010(082/10_E)

REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS _ Assento de nascimento _
Filha gerada mediante fertilização in vitro e posterior inseminação artificial, com implantação do embrião em mulher distinta daquela que forneceu o material genético _ Pretensão de reconhecimento da paternidade pelos fornecedores dos materiais genéticos (óvulo e espermatozóide) _ Cedente do óvulo impossibilitada de gestar, em razão de alterações anatômicas _ “Cedente do útero”, por sua vez, que o fez com a exclusiva finalidade de permitir o desenvolvimento do embrião e o posterior nascimento da criança, sem intenção de assumir a maternidade _ Confirmação, pelo médico responsável, da origem dos materiais genéticos e, portanto, da paternidade biológica em favor dos recorridos _ Indicação da presença dos requisitos previstos na Resolução nº1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina, em razão das declarações apresentadas pelos interessados antes da fertilização e inseminação artificiais _ Assento de nascimento já lavrado, por determinação do MM. Juiz Corregedor Permanente, com consignação da paternidade reconhecida em favor dos genitores biológicos _ Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

1. Trata_se de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de  Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, da Comarca de Campinas, que afastou a recusa de lavratura de assento de nascimento de criança com imputação da paternidade aos fornecedores de materiais genéticos utilizados para fertilização in vitro e inseminação artificial em mulher que, sem ser a produtora do óvulo, autorizou a prática do ato com a exclusiva finalidade de permitir o desenvolvimento do embrião e o seu futuro nascimento.
O recorrente alega, em suma, que a maternidade é presumida pela gestação, sendo mãe aquela que pariu a criança. Afirma que o contrato celebrado entre os envolvidos, intermediado por médicos do Centro de Reprodução Humana de Campinas, ligado à Faculdade de Medicina da Unicamp, não supera o princípio da maternidade certa pela gestação e parto. Assevera que, no presente caso,  não existe segurança jurídica da origem dos materiais genéticos que resultaram na fertilização artificial, para o que seria necessária a produção de exame de confronto do DNA da criança com os dos requerentes, prova cuja produção o presente procedimento administrativo não comporta. Diz que devem prevalecer os interesses da criança, o que ocorrerá com a lavratura de assento de nascimento que retrate a estrita veracidade quanto à paternidade e maternidade, de forma a assegurar a preservação da dignidade humana. Considera que a lavratura do assento de nascimento na forma pretendida não possibilitará o futuro conhecimento, pela criança, de sua real origem, porque ocultará a verdadeira maternidade. Além disso, não existe regulamentação legal para a prática pretendida pelos recorridos, o que impõe maiores cautelas e impede, por sua vez, a presunção de paternidade e maternidade tão só pelas declarações apresentadas pelos interessados, nas quais se inclui a do médico responsável pela fertilização e pela inseminação. Tece comentários sobre a possibilidade de manipulação genética vedada ou ilegal. Afirma, por fim, que a genitora que deu à luz não tem parentesco com os supostos pais biológicos, o que contraria resolução do Conselho Federal de Medicina destinada a impedir a comercialização do útero. Requer o provimento do recurso para que seja determinada a lavratura do assento de nascimento em nome da mulher indicada como genitora na Declaração de Nascido Vivo, com remessa dos interessados às vias ordinárias para a solução de eventual litígio relativo à paternidade e maternidade.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 60/63).

Opino.

2. H. F. C. J. e S. R. L. formularam ao Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo, da Comarca de Campinas, solicitação para que figurem como genitores no assento de nascimento de M. L. C., nascida em 27 de julho de 2009.
Essa solicitação foi instruída com “Declaração de Nascido Vivo” expedida pelo Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher _ CAISM _ Unicamp, em que M. E. T. se encontra identificada como genitora por se cuidar daquela que deu à luz.
Foram apresentados pelos recorridos, ainda; a) “Termo de Consentimento para Substituição Temporária de Útero” em que H. F. C. J. e S. R. L. figuram como “Pais Genéticos”, ou seja, fornecedores do óvulo e do espermatozóide, e A. F. C. e M. E. T. figuram como “Doadores do Útero” (fls. 4/8); b) “Termo de Consentimento Pós Informado para FIV/ICSI” (fls. 09/10); c) “Termo de Consentimento Pós_Informado para Criopreservação de Pré_Embriões/Embriões após Fertilização In Vitro” (fls. 11/12); d) declaração prestada pelo médico Carlos Alberto Petta confirmando a origem dos materiais genéticos que resultaram na fertilização e inseminação artificiais; e) declaração de M. E. T. no sentido de que foi submetida a inseminação artificial de embrião fertilizado com uso de materiais genéticos alheios e de que não tem pretensão de assumir a maternidade da criança assim gerada (fls. 25).
3. O MM. Juiz Corregedor Permanente, fundado na inexistência de vedação legal para o procedimento adotado na fertilização e inseminação artificiais, na natureza relativa das presunções de paternidade e maternidade decorrentes da lei, e no melhor interesse da criança, determinou a lavratura do assento de nascimento com consignação de que é filha de seus pais biológicos, ou seja, fornecedores dos materiais genéticos utilizados na fertilização in vitro, com arquivamento do procedimento pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais para fornecimento, aos interessados, de certidão relativa ao seu conteúdo, mediante prévia autorização judicial (fls. 32/41).
4. Presume_se a maternidade em favor daquela que consta no termo do nascimento do filho (artigos 1.603 e 1.608 do Código Civil), elaborado em consonância com a Declaração de Nascido Vivo (artigo 10, inciso IV, da Lei nº 8.069/90) e a paternidade em favor do marido quanto aos filhos nascidos na constância do casamento, ainda que havidos por inseminação artificial heteróloga consentida (artigos 1.597 e 1.600 do Código Civil). Além disso, presume_se a maternidade e a paternidade em favor daqueles que, não sendo casados, a reconhecerem voluntariamente (artigos 1.607 e1.609 do Código Civil, artigo 59 da Lei nº 6.015/73 e artigos 1º e 2º da Lei nº 8.560/92). Cuida_se, por sua vez, de presunções relativas, o que possibilita a contestação da maternidade e da paternidade pelos legitimados na forma da lei (artigos 1061 e 1608 do Código Civil), ressalvada a irrevogabilidade do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento (artigo 1609 e 1610 do referido Código). Admite_se, outrossim, que na falta ou defeito do termo de nascimento seja a prova da filiação realizada por qualquer modo admissível em direito quando houver começo de prova escrita, proveniente do pai ou da mãe, e quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos (artigo 1.605, incisos I e II, do Código Civil).
5. No caso em exame, não incide a presunção de paternidade em favor de A. F. C., qualificado como “doador de útero” no “Termo de Consentimento para Substituição Temporária de Útero” (fls. 4), porque o próprio Anderson declarou não ser o fornecedor do material genético, nem ter autorizado a fecundação heteróloga de sua companheira com a finalidade de gerar prole para o casal. Ademais, foi posteriormente apurado que M. E. T., que figurou como cedente do útero, é solteira (fls. 25 e 26), fato não alterado pela eventual manutenção de união estável com A. F. C. porque não há, nesta esfera administrativa, presunção de paternidade para o companheiro sem que expressamente a declare para efeito de estabelecimento de filiação mediante registro.
Por tais motivos, prevalecem, in casu, as declarações de H. F. C. J. no sentido de que é o genitor biológico da criança gerada por meio de fertilização in vitro e dela reconhece a paternidade (fls. 2 e 4/12).
Dessa forma decorre dos artigos 1.609, inciso II, do Código Civil, 59 da Lei nº 6.015/73 e 1º, inciso II, da Lei nº 8.560/92, anteriormente citados, cabendo observar que o reconhecimento de paternidade contou com as anuências de M. E. T. (fls. 25) e de S. R. L. (fls. 2).
Não havia, portanto, impedimento para a lavratura do assento de nascimento (já promovido) com imputação da paternidade ao genitor biológico da criança que foi gerada por meio de fertilização in vitro e posterior inseminação artificial.
6. Por outro lado, o Código Civil, em seu artigo 1.597, incisos III a V, estabelece presunção de paternidade do marido em relação aos filhos havidos por inseminação artificial homóloga (incisos I e II) e por inseminação artificial heteróloga previamente consentida (inciso III). A legislação pátria, contudo, não contém ressalva para a presunção de maternidade decorrente do parto (artigos 1.603 e 1.608 do Código Civil e 10, inciso IV, da Lei nº 8.069/90), seja a criança gerada por fertilização natural ou artificial. Presume_se, portanto, mãe aquela que deu à luz, independente da origem doóvulo, o que se faz em atendimento ao princípio mater semper certa est.
7. Diante da inexistência de legislação específica, o Conselho Federal de Medicina, no campo da ética, regulamentou a conduta de seus membros, na denominada “gestação de substituição”, por meio da Resolução nº 1.358/92 que assim dispõe:
“VII _ SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra_indique a gestação na doadora genética.
1 _ As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 _ A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial”.
Fora, porém, do campo da ética na conduta dos médicos, encontra_se na doutrina jurídica divergência sobre o tratamento a ser dispensado aos casos de gestação por substituição, em que ocorre a fertilização do óvulo de outrem, in vitro, e a sua posterior inseminação, por meio artificial, naquela que acaba por suportar a gestação e realizar o parto.
Rolf Madaleno, sobre o tema, assim se posiciona: “Anota Belmiro Pedro Welter ser definida a maternidade pelo parto e esta é a orientação que tem prevalecido de ser mão aquela que dá à luz a criança, sendo negados efeitos jurídicos aos contratos de gestação substituta e que a quase totalidade dos países consideram inclusive um ilícito penal” (Curso de Direito de Família, 2008, Rio de Janeiro: Forense, 1ª ed., págs. 395/396).
Paulo Lôbo, seguindo linha não dissonante, diz que: “O Brasil, ao lado maioria dos países, não acolheu o uso instrumental do útero alheio, sem vínculo de filiação (popularmente conhecido como “barriga de aluguel”). Com a natureza de norma ética, dirigida à conduta profissional dos médicos, a Resolução n. 1.358, de 1992, do Conselho
Federal de Medicina, admite a cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente colateral até o segundo grau da mãe genética” (Direito Civil: famílias, 2008, São Paulo: Saraiva, págs.199/200).
O referido autor, além disso, prossegue esclarecendo que o § 1.591 do Código Civil alemão, com a redação dada por lei de 1997, prevê que a maternidade da mãe parturiente “não pode ser anulada por falta de ascendência genética, nem desafiada por ação de investigação de maternidade” (obra citada, pág. 200).
Já para Sílvio de Salvo Venosa: “Quanto à maternidade, deve ser considerada mãe aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de família é irrenunciável e não admite transação. Nem sempre será essa, porém, uma solução eticamente justa e moralmente aceita por todos. A discussão permanece em aberto. Muito difícil poderá ser a decisão do juiz ao deparar com um caso concreto. Tantos são os problemas, das mais variadas ordens, inclusive de natureza psicológica na mãe de aluguel, que o mesmo projeto de lei sobre reprodução assistida citado, em tramitação legislativa, proíbe a cessão do útero de uma mulher para gestação de filho alheio, tipificando inclusive essa conduta como crime. Sem dúvida, essa é a melhor solução. No entanto, a proibição não impedirá que a sociedade e os tribunais defrontem com casos consumados, ou seja, nascimentos que ocorreram dessa forma, impondo_se uma solução quanto à titularidade da maternidade. Sob o ponto de vista do filho assim gerado, contudo, é inafastável que nessa situação inconveniente terá ele duas mães, uma biológica e outra geratriz. Não bastassem os conflitos sociológicos e psicológicos, os conflitos jurídicos serão inevitáveis na ausência de norma expressa” (Direito Civil: direito de família, 2007, São Paulo: Atlas, 7ª ed., pág. 224).
Por seu lado, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, ao comentar o que denomina como “maternidade_de_substituição”, conclui que deve prevalecer a vontade volitiva que se revelar em prol do melhor interesse do filho, o que faz nos seguintes termos:
“No Brasil, contudo, no estágio atual dos valores culturais, religiosos e morais relativamente à maior parte da sociedade, não se mostra possível conceber a licitude da prática da maternidade_de_substituição, conforme foi analisado, mesmo na modalidade gratuita. Contudo, em havendo a prática _ mesmo que de forma ilícita _, logicamente que a criança não poderá ser considerada espúria e, conseqüentemente, deve ter resguardados os seus direitos e interesses, entre eles o de integrar uma  família onde terá condições de ser amparada, sustentada, educada e amada, para permitir seu desenvolvimento pleno e integral em todos os sentidos, cumprindo_se, desse modo, os princípios e regras constitucionais a respeito do tema. Quanto à paternidade, maternidade e filiação originárias, no entanto, é oportuno observar o mesmo raciocínio anteriormente desenvolvidos a respeito da vontade como principal pressuposto para o estabelecimento dos vínculos, em substituição à relação sexual, já que também na maternidade_de_substituição _ como prática associada às técnicas de procriação assistida _ não há que se cogitar na conjunção carnal para o fim de permitir a concepção e o início da gravidez da mulher gestante” (O Biodireito e as Relações Parentais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, págs. 862/863).
Luiz Edson Fachin, considerando predominantes a verdade biológica ligada à verdade sócio_afetiva, entende que: “O avanço da técnica médica presta relevantes serviços aos fins do Direito de Família. Sem embargo, a plena possibilidade de atestar a verdade biológica, em percentuais elevados de confirmação da paternidade pela via do exame em DNA, traduz consigo mesma um paradoxo: a verdade biológica pode não expressar a verdadeira paternidade. Cogita_se, então, da verdade socioafetiva, sem exclusão da dimensão biológica da filiação.
De outra parte, verifica_se que a procriação artificial tem a finalidade de possibilitar a geração de um descendente de sangue. Neste aspecto, também aqui surge o problema da valoração da verdade socioafetiva. No vazio legislativo ordinário, contempla a temática na perspectiva da inseminação artificial a Resolução n. 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina. Das “Normas Éticas para a Reprodução Assistida” daquela Resolução emergem algumas características: 1) A reprodução assistida é “subsidiária”; 2) Toda manipulação genética deve evitar a seleção da espécie, princípio fundamental para evitar a eugenia; 3) A mulher, para  submeter_se à reprodução assistida, deve ser casada ou manter união estável; 4) A Resolução prevê a gestação por substituição, desde que seja com pessoa da família, parentes de segundo grau. Assim, em tese, estaria vedada a contratação de terceiro para realizar a gestação por substituição.
Em suma, parentesco e benemerência, gratuidade e impossibilidade da reprodução pelas vias normais equilibram esse regime de “doação gratuita e temporária” do útero”.
8. Verifica_se na doutrina citada que, ante a ausência de regulamentação legislativa, a solução para as situações concretas, ocorridas a fertilização in vitro e a posterior inseminação artificial em “cedente de útero”, ou “mãe_de_substituição”, deve prevalecer o melhor interesse da criança desse modo concebida e nascida, o que, neste caso concreto, corresponde à lavratura do assento de nascimento com base na verdade biológica da filiação.
Assim porque as declarações apresentadas por H. F. C. J., S. R. L.i (pais biológicos) e M. E. T. (indicada como genitora na Declaração de Nascido Vivo), são concludentes no sentido de que a concepção e paternidade sempre foi desejada pelos pais biológicos, doadores dos materiais genéticos utilizados na fertilização in vitro, prestando_se M. somente a servir para a gestação e parto, sem qualquer intenção de assumir a maternidade da criança, o que fez porque S. R. L. não tem possibilidade de gestar em decorrência de alterações anatômicas (fls. 05). Nesse sentido são as declarações contidas nos documentos de fls. 02 e 04/08 e, mais, a declaração de fls. 25 em que M. E. T. afirma:
“DECLARO AINDA que NÃO TENHO nenhuma pretensão de assumir a maternidade de tal criança, que não é minha filha, visto que apenas e tão somente doei meu útero para gestação conforme TERMO DE  CONSENTIMENTO PARA SUBSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA DE ÚTERO,  constante nestes autos” (fls. 25).
Negada a intenção de assumir a maternidade por aquela que suportou a gestação e parto, porque somente o fez com a premeditada intenção de servir de “mãe_de_gestação” para a filha concebida pelos doadores dos materiais genéticos (espermatozóide e óvulo), torna_se evidente que a lavratura do registro em desconformidade com a verdade biológica será prejudicial à criança que nenhum sustento e educação receberá dessa genitora.
O mesmo ocorre em relação a A. F. C., companheiro de M. E. T., porque também manifestou sua anuência com a gestação por substituição visando o nascimento de filho (ou filha) biológica de H. F. C. J. e S. R. L. (fls. 04/08).
Prevalecendo a verdade biológica, terá a criança estado compatível com sua condição sócio_afetiva, pois serão presumidos genitores (artigo 1.604 do Código Civil) aqueles que manifestaram, desde a concepção, a posteriormente concretizada intenção de tê_la como filha, assumindo, desse modo, a responsabilidade por todos os devedores inerentes ao poder familiar, em especial os de sustento e educação. E a possibilidade de prevalência da verdade sócio_afetiva não é estranha à legislação civil, porque abarcada pelo artigo 1.593 do Código Civil, cabendo, novamente, ressaltar que neste caso concreto a paternidade sócio_afetiva correspondente à biológica. No mesmo sentido encontra_se o r. parecer do douto Procurador de Justiça, Dr. Luiz Felippe Ferreira de Castilho Filho, com o seguinte teor: “É certo que não se tem certeza absoluta se o embrião introduzido no útero de M. E.T. é, de fato, produto da inseminação do espermatozóide do requerente H. no óvulo da requerente S. No entanto, não há nos autos nenhum indício que levante dúvidas a respeito disso, sendo certo que  nem mesmo um exame de DNA garantiria a certeza absoluta sobre seu  resultado. Além do mais, o registro será sempre passível de contestação e de correção, caso não exprima verdade biológica. Há, ainda, a questão da vinculação sócio_afetiva, que, no caso presente, existe a partir do momento em que os requerentes aceitaram realizar o procedimento médico, cientes de todos os riscos que um procedimento desta natureza possui. Também não há que se falar em ofensa à preservação da história da criança, já que o que se está buscando é justamente garantir que seu registro de nascimento espelhe a verdade biológica e afetiva, sendo indiferente se quem a pariu foi sua mãe biológica ou terceira pessoa.   Mesmo porque a própria M. E. T. manifestou no sentido de que não é a mãe da criança, sendo que apenas cedeu seu útero para que a gestação fosse levada até o fim, reconhecendo a maternidade da requerente (fls. 25). Em termos práticos, o útero de M. E. T. equivale a uma incubadora, já que, por mais altruísta que tenha sido a conduta, foi apenas o meio utilizado para que o feto pudesse sobreviver” (fls. 62/63). Cabe, outrossim, anotar que tendo M. E. T. e A. F. C. declarado a existência de união estável, assumindo a primeira a qualidade de cunhada dos genitores biológicos (fls. 4), não há que se falar na ausência de parentesco por afinidade entre a “mãe_de_substituição” e os pais biológicos, na linha colateral, porque também existe nessa forma de constituição de família (artigo 1.595, parágrafo 1º, do Código Civil).
Assim, no caso concreto, prevalente a paternidade biológica, A. F. da C., que era companheiro de M. E. T. na época da inseminação artificial, será tio paterno da criança nascida após a fecundação artificial (fls. 14 e 30).
9. Por fim, anota_se que mediante determinação do MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 51) já foi lavrado o assento de nascimento da criança, conforme se verifica pela certidão copiada às fls. 55.
10. Ante o exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.
Sub censura.
São Paulo, 19 de março de 2010.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Auxiliar da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso interposto. Publique_se.

São Paulo, 26 de março de 2010. Des. ANTONIO CARLOS MUNHOZ   SOARES. Corregedor Geral da Justiça.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O novo Código de Ética Médica e os limites impostos pelo Judiciário

Entrou em vigor neste ano o novo Código de Ética Médica, depois de vinte anos de vigência do anterior. Segundo informações do conselho responsável pela classe, é um documento atento às determinações da medicina brasileira do século 21, bem como aos avanços tecnológicos, científicos, à autonomia e direitos do paciente.
Comporta ao todo 25 princípios fundamentais, entre os quais o de que a medicina não pode, em nenhuma circunstância, servir ao comércio. Princípios e diretrizes que trazem, em síntese, temas espinhosos para a rotina de profissionais que atuam constantemente sob pressão por resultados, pela manutenção do sigilo e pela cobrança por responsabilidades. Assuntos delicados que, inúmeras vezes, rompem a barreira dos consultórios e chegam aos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui vasta jurisprudência sobre os diversos aspectos envolvendo o tema.
O médico, por exemplo, não deve revelar sigilo relacionado a paciente menor, inclusive a seus pais ou representantes, desde que esse tenha capacidade de discernimento e quando o segredo não acarreta dano ao paciente.
O profissional também não pode revelar informações confidenciais obtidas quando do exame de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio colocar em risco a saúde dos demais empregados ou da comunidade. E, ainda, tem a obrigação de avisar ao trabalhador eventuais riscos à saúde advindos de sua atividade laboral.
É vedado, assim, revelar fatos obtidos por desempenho da função, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento por escrito. Na investigação de suspeita de crime, por exemplo, o médico estará impedido de revelar assuntos que possam expor o seu cliente a processo penal.
Essa é a situação de um caso a ser julgado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul pede o trancamento de investigação contra centenas de mulheres suspeitas de fazerem aborto em uma clínica de planejamento familiar, em Campo Grande (MS). O argumento é que a instauração do inquérito não é calcada em prova válida, já que as fichas médicas estariam acobertadas pelo sigilo.
A regra informa que, quando requisitado judicialmente, o prontuário é disponibilizado a um perito médico nomeado pelo juiz. O STJ já julgou inúmeros casos de solicitação de quebra de sigilo feita por requisição de autoridades judiciais. O sigilo, porém, não é absoluto e existe para proteger o paciente.
Foi esse o posicionamento da Corte em um processo em que a instituição se recusava a entregar o prontuário para atender a uma solicitação do Ministério Público, com vistas a apurar as causas de um acidente registrado como queda acidental. No curso de outra investigação criminal, em que o órgão solicitou informações para apuração de crime, a Segunda Turma decidiu que detalhes quanto ao internamento e período de estada para o tratamento não estão ao abrigo do sigilo.
O conselho também recomenda não permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas à reserva profissional. O STJ tem julgados que asseguram que a simples entrega de prontuário médico sem autorização do paciente é fato que, por si só, gera dano moral (AG 1.064.345).
Em uma das ações, o Tribunal considerou que houve dano à viúva em consequência da entrega do prontuário do marido falecido à empresa seguradora responsável pelo plano de saúde do paciente. Os ministros, na ocasião, consideraram que houve violação à ética e que, no máximo, poderia ser fornecido um relatório justificando o tratamento e o tempo de permanência do segurado no hospital.
A Corte também considera que o profissional não pode deixar de expedir laudo quando o paciente for encaminhado para continuação de tratamento em outra unidade da federação. Julgado do STJ registra caso de uma paciente do Rio Grande do Sul que sofreu acidente nas ruas de Brasília e teve de recorrer à via judicial para ter acesso ao diagnóstico, bem como a todas as informações sobre o tratamento no período que ficou internada na cidade. Foram quase trinta dias de coma desassistida de familiares. Segundo o STJ, nesses casos o hospital responde pelo ônus da sucumbência – prejuízo por todos os custos com o processo, além de possíveis danos morais.
De acordo com o artigo 154 do Código Penal, a violação do segredo profissional gera detenção de três meses a 1 ano ou multa. Além de observar o sigilo, o médico deve observar o dever de informar o paciente e obter o seu consentimento a respeito de determinada conduta que pretende aplicar. São princípios também adotados pelo novo Código de Ética da Medicina brasileira. E, segundo o STJ, o médico que deixa de informar o risco de um procedimento recai em negligência e responde civilmente pelos danos decorrentes da lesão.


Exames complementares


Se o sigilo é um assunto que afeta a intimidade do paciente, a responsabilidade é uma questão que afeta diretamente a vida. A jurisprudência sobre o tema registra casos de médicos que, seja por negligência, imprudência ou imperícia, cometem erros graves no exercício da profissão, como inverter o laudo radiográfico na mesa cirúrgica e operar o lado oposto do cérebro do doente ou fazer tratamento para um tumor quando se tratava de uma infecção por vermes. Isso sem contar as agulhas esquecidas. De 2002 a 2008, por exemplo, a quantidade de processos envolvendo erro médico que chegaram ao STJ aumentou 200%.
Um diagnóstico errado acarreta um transtorno psicológico que gera danos morais, estéticos e patrimoniais, além de punição no âmbito penal e disciplinar. O STJ julgou responsável por má prestação de serviço laboratório que forneceu equivocadamente laudo positivo de uma doença sem a ressalva da exigência de exames complementares para comprovação dessa doença.
O Conselho Federal de Medicina recomenda, em seu Código de Ética, que nenhum médico pode se opor a uma segunda opinião e que o paciente tem o direito de ser encaminhado a outro profissional como forma de assegurar o tratamento. Uma estudante de Direito moveu ação de reparação de danos em razão de o laudo radiológico ter errado na formulação do diagnóstico: ela apresentava pneumonia dupla e o profissional ignorou o fato, causando graves consequências posteriores.
A responsabilidade médica, assim como acontece com outros profissionais liberais, é de meio, exceto nas cirurgias plásticas embelezadoras, em que o profissional se compromete com o resultado final. Isso porque o médico não pode garantir a cura, assim como o advogado não pode garantir uma causa, ou o publicitário, vendas líquidas e certas. Mas o médico deve agir com diligência, que é o agir com amor, cuidado e atenção – somada à perícia e ao conhecimento.
Segundo o autor Miguel Kfouri Neto, na publicação “Responsabilidade Civil do Médico”, os processos visando à apuração de responsabilidade por erro médico tem tramitação longa e são de difícil comprovação. “É recomendável que os juízes imprimam especial celeridade a esses feitos, colhendo as provas ainda na flagrância dos acontecimentos”, recomenda.
Os médicos, diferentemente dos hospitais, só respondem diante de culpa e mediante um nexo de causalidade (relação clara de causa e efeito). As instituições hospitalares têm a chamada responsabilidade objetiva, isto é, respondem independentemente de culpa ou nexo causal. De acordo com o Código do Consumidor, é o lesado quem deve provar o dano que tem nas relações contra os fornecedores de serviço, mas, no caso desses profissionais, não é assim que acontece.
Como, no caso, é o médico que detém o conhecimento necessário sobre o ato, o ônus da prova pode ser invertido, de modo que o prejudicado possa apenas apresentar o resultado danoso. De acordo com o STJ, essa inversão não é automática e cabe ao juiz justificá-la. (Resp 437.425)


Prazo de cinco anos


As ações para apuração de falhas médicas podem ser propostas perante os conselhos regionais, para as punições disciplinares, ou na Justiça comum, para punição no âmbito civil ou penal, no foro de domicílio do autor. O prazo para propô-las, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é de cinco anos, embora o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil, imponha um prazo de três anos. Para eventos anteriores a 11 de janeiro de 2003, o prazo é de vinte anos.
Outra decisão importante do STJ sobre o tema “responsabilidade” é que a União não possui legitimidade para figurar no polo passivo de ação em que se objetiva danos morais decorrentes de erro médico ocorrido em hospital da rede privada, durante atendimento custeado pelo SUS.
Em contrapartida, a prestadora de serviços de plano de saúde tem legitimidade passiva para figurar em casos de indenização por erro médico. Foi o que garantiu uma decisão da Quarta Turma, em julho, em favor de uma paciente que foi internada para fazer coleta de um material num dos seios e teve as duas mamas retiradas sem o seu consentimento.

Processos: Resp 494206; Resp 629212; Resp 717900; Resp 467878; Ag1269116; Resp 605435; Resp1051674; Ag 818144; Resp 696284; RMS 14134; HC140123; Resp 540048; RMS 11453; Resp 159527; Ag 1064345; Resp 1133386; Resp685929

Retirado do site do STJ

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde

Apresentação O Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde foi instituído em 3 de agosto de 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O evento tem como objetivo a elaboração de estudos e a proposição de medidas e normas para o aperfeiçoamento de procedimentos e a prevenção de novos conflitos judiciais na área da saúde. O fórum busca criar medidas concretas voltadas à otimização de rotinas processuais bem como à estruturação e organização de unidades judiciárias especializadas.

Atividade – Para iniciar os trabalhos, o CNJ vai coordenar o I Seminário do Fórum, que acontece em 18 e 19 de novembro, em São Paulo/SP. A finalidade do evento é discutir temas sobre o direito à saúde, o controle jurisdicional da gestão pública da saúde, os desafios da vigilância sanitária e os planos de saúde privados. Os resultados servirão de subsídio para traçar o plano de trabalho do Fórum para o próximo ano.

O seminário será dividido em painéis temáticos: saúde pública, saúde suplementar, seguro saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar e terceiro setor. "A finalidade do seminário é aprofundar os estudos a respeito das questões relacionadas à saúde e conhecer sobre o nível de judicialização do tema, para garantir a proteção social do cidadão e o direito à saúde", destacou Milton Nobre.

Histórico - O Fórum Nacional do Judiciário para Assistência à Saúde foi criado pelo CNJ após a Audiência Pública n. 4, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir o aumento das ações judiciárias na área de saúde, por exemplo, obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares, tanto no setor público quanto no setor privado.

Além da Resolução n. 107/2010, que institui o Fórum, o CNJ também aprovou a Recomendação n. 31, em 30 de março de 2010, para que os tribunais adotem medidas a subsidiar os magistrados a fim de assegurar-lhes mais eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, por exemplo, apoio técnico de médicos e farmacêuticos às decisões dos magistrados.

retirado do site do CNJ

terça-feira, 20 de julho de 2010

Recomendação nº 31 do CNJ - Para demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde

Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.(Publicado no DJ-e nº 61/2010, em 07/04/2010, p. 4-6)


(Publicado no DJ-e nº 61/2010, em 07/04/2010, p. 4-6).


RECOMENDAÇÃO Nº 31, DE 30 DE MARÇO DE 2010


Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ, no uso de suas atribuições, e

CONSIDERANDO o grande número de demandas envolvendo a assistência à saúde em tramitação no Poder Judiciário brasileiro e o representativo dispêndio de recursos públicos decorrente desses processos judiciais;

CONSIDERANDO a relevância dessa matéria para a garantia de uma vida digna à população brasileira;

CONSIDERANDO que ficou constatada na Audiência Pública nº 4, realizada pelo Supremo Tribunal Federal para discutir as questões relativas às demandas judiciais que objetivam o fornecimento de prestações de saúde, a carência de informações clínicas prestadas aos magistrados a respeito dos problemas de saúde enfrentados pelos autores dessas demandas;

CONSIDERANDO que os medicamentos e tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia aprovação pela ANVISA, na forma do art. 12 da Lei 6.360/76 c/c a Lei 9.782/99, as quais objetivam garantir a saúde dos usuários contra práticas com resultados ainda não comprovados ou mesmo contra aquelas que possam ser prejudiciais aos pacientes;

CONSIDERANDO as reiteradas reivindicações dos gestores para que sejam ouvidos antes da concessão de provimentos judiciais de urgência e a necessidade de prestigiar sua capacidade gerencial, as políticas públicas existentes e a organização do sistema público de saúde;

CONSIDERANDO a menção, realizada na audiência pública nº 04, à prática de alguns laboratórios no sentido de não assistir os pacientes envolvidos em pesquisas experimentais, depois de finalizada a experiência, bem como a vedação do item III.3, "p", da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde;

CONSIDERANDO que, na mesma audiência, diversas autoridades e especialistas, tanto da área médica quanto da jurídica, manifestaram-se acerca de decisões judiciais que versam sobre políticas públicas existentes, assim como a necessidade de assegurar a sustentabilidade e gerenciamento do SUS;
CONSIDERANDO, finalmente, indicação formulada pelo grupo de trabalho designado, através da Portaria nº 650, de 20 de novembro de 2009, do Ministro Presidente do Conselho Nacional de Justiça, para proceder a estudos e propor medidas que visem a aperfeiçoar a prestação jurisdicional em matéria de assistência à saúde;

CONSIDERANDO a decisão plenária da 101ª Sessão Ordinária do dia 23 de março de 2010 deste E. Conselho Nacional de Justiça, exarada nos autos do Ato nº 0001954-62.2010.2.00.0000;

RESOLVE:

I. Recomendar aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais que:

a) até dezembro de 2010 celebrem convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes das ações relativas à saúde, observadas as peculiaridades regionais;

b) orientem, através das suas corregedorias, aos magistrados vinculados, que:

b.1) procurem instruir as ações, tanto quanto possível, com relatórios médicos, com descrição da doença, inclusive CID, contendo prescrição de medicamentos, com denominação genérica ou princípio ativo, produtos, órteses, próteses e insumos em geral, com posologia exata;

b.2) evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei;

b.3) ouçam, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores, antes da apreciação de medidas de urgência;

b.4) verifiquem, junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP), se os requerentes fazem parte de programas de pesquisa experimental dos laboratórios, caso em que estes devem assumir a continuidade do tratamento;

b.5) determinem, no momento da concessão de medida abrangida por política pública existente, a inscrição do beneficiário nos respectivos programas;

c) incluam a legislação relativa ao direito sanitário como matéria individualizada no programa de direito administrativo dos respectivos concursos para ingresso na carreira da magistratura, de acordo com a relação mínima de disciplinas estabelecida pela Resolução 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça;

d) promovam, para fins de conhecimento prático de funcionamento, visitas dos magistrados aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, bem como às unidades de saúde pública ou conveniadas ao SUS, dispensários de medicamentos e a hospitais habilitados em Oncologia como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - UNACON ou Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - CACON;

II. Recomendar à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM, à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho - ENAMAT e às Escolas de Magistratura Federais e Estaduais que:

a) incorporem o direito sanitário nos programas dos cursos de formação, vitaliciamento e aperfeiçoamento de magistrados;

b) promovam a realização de seminários para estudo e mobilização na área da saúde, congregando magistrados, membros do ministério público e gestores, no sentido de propiciar maior entrosamento sobre a matéria;

Publique-se e encaminhe-se cópia desta Recomendação a todos os Tribunais.
Ministro GILMAR MENDES

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Uma História Severina - filme sobre gravidez de feto anencéfalo

Sinopse: Severina é uma mulher que teve a vida alterada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela estava internada em um hospital do Recife com um feto sem cérebro dentro da barriga, em 20 de outubro de 2004. No dia seguinte, começaria o processo de interrupção da gestação. Nesta mesma data, os ministros derrubaram a liminar que permitia que mulheres como Severina antecipassem o parto quando o bebê fosse incompatível com a vida. Severina, mulher pobre do interior de Pernambuco, deixou o hospital com sua barriga e sua tragédia. E começou uma peregrinação por um Brasil que era feito terra estrangeira - o da Justiça para os analfabetos. Neste mundo de papéis indecifráveis, Severina e seu marido Rosivaldo, lavradores de brócolis em terra emprestada, passaram três meses de idas, vindas e desentendidos até conseguirem autorização judicial. Não era o fim. Severina precisou enfrentar então um outro mundo, não menos inóspito: o da Medicina para os pobres. Quando finalmente Severina venceu, por teimosia, vieram as dores de um parto sem sentido, vividas entre choros de bebês com futuro. E o reconhecimento de um filho que era dela, mas que já vinha morto. A história desta mãe severina termina não com o berço, mas em um minúsculo caixão branco.«
23 min.

Ficha técnica: Direção e Roteiro Debora Diniz e Eliane Brum

Direção de Produção Fabiana Paranhos
Edição Ramon Navarro
Finalização Ramon Abreu
Direção de Arte Ramon Navarro
Xilogravuras e Cordel J.Borges
Música-tema "A Semente da Dor e Sofrimento", de Mocinha de Passira O filme foi legendado para o Português, Espanhol, Inglês, Francês, Italiano, Japonês e Dinamarquês
retirado do site do googlehttp://video.google.com/videoplay?docid=-5477027628085705086#

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sentença - Antecipação terapêutica de parto. Feto anencéfalo. Gravidez de risco. Procedência do pedido Tribunal Julgador: TJMG

Antecipação terapêutica de parto - Feto anencéfalo - Gravidez de risco - Procedência do pedido       
AUTORIZAÇÃO PARA ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DE PARTO

Requerente: V.S.R.B.S.

VISTOS, etc.


V. S. R. B. S., qualificada nos autos, requer autorização judicial para a interrupção da gestação de feto anencéfalo, de alto risco, com "Doença Hipertensiva Específica da Gestação", com picos hipertensivos superiores a 140/100 mmHg, já no início da gravidez, comprovada por exame Holter, edema, histórico de pré-eclampsia em gestação anterior e outros sintomas.

Sustenta a Requerente que conforme o relatório médico incluso na f. 20, tratando-se de gestação de feto anencéfalo, assomam outras complicações durante a gravidez, às quais a gestante está sujeita como: prolongamento da gestação além de 40 semanas; associação com polihidrâmnio, com desconforto respiratório, estase venosa, edema de membros inferiores; associação com vasculopatia periférica de estase; alterações comportamentais e psicológicas; dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencéfalos de termo (parto entre 38 e 42 semanas de gestação, tempo considerado normal); necessidade de bloqueio da lactação; puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratilidade uterina, que é a segunda causa de morte materna no Brasil e maior risco de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstétricas do parto de termo.

 Aduz, também, que conforme o relatório sobredito, firmado pela Dra. Valéria Cristina A. Ferrer, CRM-MG 39.389, médica ginecologista e obstetra que lhe acompanha, além dos riscos citados, a Requerente sofre com o enorme desgaste emocional, vivido em razão da dita anomalia, o que atinge o seu bem estar físico, mental e psicológico, afetando assim a sua saúde, a qual termina o seu relato com a indicação da interrupção terapêutica da gestação, que traduz o desejo tanto da requerente como também de seu esposo, após exaustiva explicação do caso e pesquisa sobre o assunto e seus riscos.

Com a inicial juntou-se farta prova documental consistente no relatório precitado, incluso na f. 20, quatro exames ultrassonográficos, realizados por diferentes médicos obstetras (fls. 59/62), todos com diagnóstico de anencefalia fetal, exames laboratoriais, declaração do marido da Requerente anuindo à interrupção terapêutica da gravidez pretendida por essa (f. 19), documentos médicos da gestação anterior e outros.

O Ministério Público manifestou-se em substancioso parecer, incluso nas fls. 64/79, opinando pelo deferimento do pedido para que seja autorizada a antecipação terapêutica do parto solicitado, a ser feita por médico competente.


É a síntese do necessário.

FUNDAMENTAÇÃO

Trata a espécie de procedimento de jurisdição voluntária visando a obtenção de alvará judicial autorizando a interrupção de gravidez inviável de feto anencéfalo, com alto risco de vida para a Requerente e danos irreparáveis à sua saúde emocional, mental e psicológica.

A Requerente submeteu-se a quatro exames de ultrassonografia sendo o primeiro realizado em 09/03/2010 na Clínica São Judas Tadeu, em Ipatinga, estando aquela com 14 semanas de gravidez, no qual a Dra. Sandra Mara S. Pimenta constatou o seguinte: "ausência de calota craniana com estroma angiomatoso cefalicamente à base do crânio, indicativo de anencefalia" (f. 59).

Em 10/03/2010, a Requerente submeteu-se a outro exame na Clínica de Diagnóstico por Imagem, Ecolab, nesta cidade, estando com 14 semanas e um dia de gravidez, cujo resultado atestado pela Dra. Jussara Coelho Nogueira Morais revela a "ausência de calota craniana indicativa de anencefalia." (f. 60)

No dia 12/03/2010 novo exame foi realizado na Clínica São Judas Tadeu, estando a Requerente com 14 semanas e três dias de gravidez, tendo o Dr. Júlio César Faria Couto constatado: "observa-se ausência de calota craniana com exposição de matéria amorfa sobre a base do cérebro correspondendo ao encéfalo em degeneração, quadro compatível com anencefalia" (f. 61).

Por último, em 17/03/2010, a Requerente fez idêntico exame na Clínica Cid Ultrassom, também localizada em Ipatinga, tendo sido constatado pelo Dr. Emílio Gomes Fernandes, igualmente: "ausência de calota craniana sugerindo anencefalia" (f. 69).

 Juntou-se, também, na f. 20, circunstanciado relatório médico firmado pela Dra. Valéria Cristina A. Ferrer, já citada, datado de 19.03.2010, atestando que a Requerente está com quinze semanas de gestação, tendo realizado quatro exames ultrassonográficos "com diagnóstico de anencefalia fetal, má-formação irreversível, incurável e incompatível com a vida"... Ao final a referida médica "solicita junto à paciente autorização para a interrupção terapêutica da gestação, consignando ser esse o desejo da paciente e seu esposo, após exaustiva explicação do caso e pesquisa sobre o assunto e seus riscos".

A declaração da Dra. Valéria, médica ginecologista e obstetra, se embasa nos exames ultrassonográficos acima nomeados, diagnosticando anencefalia fetal na gestação em foco, ante a ausência de calota craniana irreversível, incurável e incompatível com a vida, ocasionando intenso sofrimento à Requerente, com o enorme desgaste emocional, vivido em razão da dita anomalia, o que atinge o seu bem estar físico, mental e psicológico, afetando assim a sua saúde.

Como se percebe, a situação trazida a lume é angustiante, diante da constatação técnica e médica de vida inviável, tratando-se de matéria altamente complexa, fundada, essencialmente, no princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1º, inc. III, da Constituição da República, no direito à preservação da autonomia da vontade, na liberdade, legalidade e no direito à saúde, tendo pertinência com os direitos humanos que asseguram à gestante a liberdade de prosseguir ou interromper a gravidez na hipótese de anencefalia fetal, com alto risco de vida para a mesma, como no caso em tela. 

Pelo que se infere da prova documental carreada aos autos, a gravidez da Requerente está acarretando várias complicações para a sua saúde, que já no início apresenta "picos de hipertensivos superiores a 140/100 mmHg", edema e outros sintomas, o que se agrava, também, pelo fato daquela ser obesa e ter histórico de pré-eclampsia na gestação anterior.

Urge consignar que perfilho o entendimento no sentido de que a interrupção terapêutica da gravidez de feto anencéfalo, com alto grau de risco de vida para a gestante, não se trata de aborto, já que nenhuma correlação tem com a figura delitiva tratada no Código Penal Brasileiro. Diferentemente da questão tratada nos autos - fundada em diagnóstico de anencefalia, onde a gestação é desejada, não sendo fácil e nem tampouco leviana a opção pela sua interrupção -, quando há a opção da mulher pela realização do aborto, objetiva-se extirpar algo que não é querido.

Neste cenário convém trazer à colação o posicionamento do constitucionalista Luís Roberto Barroso, subscritor da petição inicial da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54/04), proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, Entidade que defende os direitos e interesses dos profissionais da saúde no país, que entende como legal a interrupção da gravidez em casos de fetos portadores de anencefalia.

O renomado publicista averba que a permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-uterinos de fetos anencéfalos. Assim, a antecipação do parto nessa hipótese constitui indicação terapêutica médica, sendo exclusivamente a única possível e eficaz para o tratamento da gestante, já que para tal situação não há possibilidade de reversão.

O argumento para a apresentação da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, em comento, destaca que princípios constitucionais fundamentais, como o direito à saúde, à dignidade e à liberdade, estavam sendo ameaçados por uma interpretação errônea de que a antecipação do parto em casos de anencefalia constituía crime de aborto, já que o Código Penal Brasileiro não autoriza expressamente este tipo de antecipação de parto.

Em 1º de julho de 2004, o Ministro Marco Aurélio Mello, acolhendo a tese esposada na referida ação, concedeu a liminar autorizando que mulheres grávidas de fetos portadores de anencefalia possam antecipar o parto, desobrigando os profissionais da saúde de obterem autorização judicial para realizar os procedimentos clínicos necessários, sustentando que "a interrupção terapêutica da gravidez do feto anencefálico não configura aborto, para o qual o pressuposto é que haja viabilidade de vida, o que não existe devido à ausência de cérebro."<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->

Releva assinalar que a decisão supracitada, gerou vultosos protestos, principalmente por parte da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sendo aquela cassada pelo plenário do STF em 20 de outubro de 2004, restabelecendo-se a proibição anteriormente vigente no ordenamento jurídico penal acerca do aborto. Porém, o mérito da ADPF ainda não foi julgado, estando a aludida ação em curso no Supremo Tribunal Federal.

O Ministro asseverou em sua decisão que: "Diante de uma formação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar."<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->

Consoante a tese jurídica e ética defendida na ação sobredita, a antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia não se trata do crime de aborto previsto na lei penal. O aborto é considerado um crime contra a potencialidade da vida do feto, algo inexistente no anencéfalo. Não seria correto qualificar como crime de aborto a interrupção da gestação de um feto sem viabilidade de vida. Por isso emprega-se o termo antecipação terapêutica de parto para os procedimentos que apenas antecipam o parto do feto, sem possibilidade de sobrevida extra-uterina.

A ADPF em pauta se fundamenta nos princípios da dignidade, da liberdade e do direito à saúde, pontuando que as mulheres grávidas de fetos com anencefalia experimentam o luto antecipado por um filho que sequer viverá, ferindo a dignidade da pessoa humana exigir que a gestante experimente um sofrimento inútil e desproporcional em nome de uma gravidez de feto inviável.

Além disso, negar-lhe o acesso ao procedimento clínico para interromper a gravidez não possui base legal, sendo um constrangimento ilegal da autonomia da mulher, que viola o princípio da liberdade. O direito à saúde foi considerado em sentido amplo abrangendo o bem-estar psíquico, afetivo, físico e espiritual da gestante.

A interrupção da gravidez no caso de feto com anencefalia, cabalmente comprovada, estando a gestante correndo sério risco, como no caso em exame, é uma necessidade. Não há o que se fazer para tornar viável a vida do feto, portanto, a antecipação do parto deve ser entendida como um procedimento terapêutico para resguardar e proteger a dignidade e a integridade física e mental da mulher.

Por outro lado, impende assinalar que o aborto é autorizado em casos de risco de vida para a mulher e em casos de gravidez resultante de estupro. Estes dois permissivos legais foram previstos pelo Código Penal elaborado no século passado, na década de 40, ou seja, em uma época em que o desenvolvimento da medicina não possibilitava a realização do diagnóstico pré-natal com a segurança de hoje.

 Ora, não se poderia exigir que o legislador do início do século fosse capaz de prever o avanço da medicina e das técnicas de diagnóstico por imagem, capazes de diagnosticarem a anencefalia, má-formação fetal cujos efeitos são inafastáveis, sendo absolutamente inviável e desumano o prolongamento da gestação.

Para se promover a verdadeira justiça é de fundamental importância realizar a adaptação do ordenamento jurídico às técnicas medicinais advindas com a evolução do tempo, mesmo porque o direito não é algo estático, inerte, mas sim uma ciência dinâmica, que deve se adequar à realidade.


É importante consignar que a gravidez de um feto anencéfalo é considerada uma tortura por infligir à gestante incomensuráveis sofrimentos físicos e mentais, a qual não pode ser forçada a manter a gestação até o final, arriscando a sua própria vida, sabendo que o resultado morte do filho que carrega no ventre é imutável.

Sendo assim, o impedimento da interrupção da gravidez de feto anencéfalo também é equiparado à tortura, que se configura sempre que há violação, intencional, do direito de uma pessoa, causando-lhe dores ou sofrimento agudo, físico ou psicológico, consubstanciado no impedimento de todos os mecanismos legais para fazer uso de sua vontade visando à preservação da própria vida.

A manifestação favorável do Estado-Juiz para a realização do procedimento médico pretendido no caso vertente, traduz, acima de tudo, o respeito à dignidade humana, pois a submissão da Requerente, com gestação de feto anencéfalo, importa, como já se frisou iterativas vezes, em violação do princípio sobredito, além de lhe impor o penoso sofrimento pelo dilema entre encomendar um caixão para o filho que carrega no ventre ou um berço acolhedor.

É preciso consignar que o posicionamento aqui defendido visa resguardar o direito à vida e, mais do que isto, o direito a uma vida digna, com esteio nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade que fazem com que se opte por não fazer a mãe correr riscos para preservar um ser que não tem cérebro, abreviando, portanto, o sofrimento cruel e desumano de uma gestante de feto cujo resultado morte é imutável.


Por outro lado, o enfrentamento de tão grave questão referente aos direitos fundamentais da gestante, previstos na Constituição da República, não podem estar condicionados à edição de lei ordinária, eis que aqueles gozam de aplicabilidade imediata, nos termos do art. 5º, § 1º da Lei Maior.

Urge sublinhar, também, que a argumentação no sentido de que a antecipação terapêutica do parto do anencéfalo configuraria a prática nazista da eugenia (destinada a eliminar seres tidos como inferiores, todos titulares de direitos) não se sustenta, na medida em que os valores postos em relevo na antecipação do parto em apreço cingem-se à vida e ao respeito à dignidade da gestante, que não pode ser submetida ao calvário de uma gravidez inviável.


 O direito à vida, assegurado pelo artigo 5º da Constituição da República, não é absoluto. Tanto é verdade que o próprio ordenamento prevê expressamente exceções a ele em outras hipóteses, como ocorre naquelas elencadas no art. 128 do Código Penal, consistentes na existência de perigo de vida para a gestante ou feto concebido mediante estupro ou atentado violento ao pudor.

Como se nota, há previsão expressa no antigo Código Penal para a preservação de outros bens jurídicos em detrimento do direito à vida. Neste cenário, não se pode compreender por qual razão se deveria inviabilizar a interrupção do parto no caso do feto anencefálico se, da mesma maneira, há risco para a vida da gestante, com patente violação da sua integridade física e psíquica, e, ainda, inexiste possibilidade de vida extra-uterina, ao contrário das hipóteses previstas na lei penal.

Em caso análogo, o Min. Arnaldo Esteves Lima, no julgamento do HC 56572/SP, publicado no DJ de 15.05.2006, salientou o seguinte:

Portanto, nesse momento, parece-me difícil discordar de quem defende que a razão pela qual o Código Penal não autorizou o aborto nos casos de anomalia fetal incompatível com a vida extra-uterina decorre apenas do fato de que, à época de sua elaboração e edição (1940), a ciência médica ainda não dispunha de instrumentos capazes de, antecipadamente, durante a gestação, oferecer diagnósticos seguros sobre a existência de anomalias fetais severas, que inviabilizam a vida após o parto, como no caso em exame.

Portanto, diante de uma gestação de feto portador de anomalia incompatível com a vida extra-uterina, como no caso dos autos, a indução antecipada do parto não atinge o bem juridicamente tutelado, uma vez que a morte desse feto é inevitável, em decorrência da própria patologia.

 Em proposição idêntica, o insigne penalista Nélson Hungria, averbou em lapidar lição:


O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há [como] falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto. Não está em jogo, a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher.

 Sob outro ângulo, Guilherme de Souza Nucci em escólios ao Código Penal averba:

Assim, baseando-se no fato de que algumas gestantes, descobrindo tal fato, não se conformam com a gestação de um ser completamente inviável, abrevia-se o sofrimento e autoriza-se o aborto. O juiz invoca, por vezes, a tese de inexigibilidade de conduta diversa (causa supra legal de exclusão de culpabilidade), por vezes a própria interpretação da norma penal que protege a "vida humana" e não a falsa existência, pois o feto só está "vivo" por conta do organismo materno que o sustenta. A tese da inexigibilidade, nesse caso, teria dois enfoques: o da gestante, não suportando carregar no ventre uma criança de vida inviável; o do médico, julgando salvar a genitora de forte abalo psicológico que vem sofrendo. A medicina, por ter meios, atualmente, de detectar tais anomalias gravíssimas, propicia ao juiz uma avaliação antes impossível. Até esse ponto, cremos ser razoável a invocação da tese de ser inexigível a mulher carregar por meses um ser que logo ao nascer, perecerá (...)

Se os médicos atestarem que o feto é verdadeiramente inviável, vale dizer, é anencéfalo (falta-lhe cérebro), por exemplo, não se cuida de 'vida própria', mas de um ser que sobrevive à custa do organismo materno, uma vez que a própria lei considera cessada a vida tão logo ocorra a morte encefálica".

Pela relevância dos argumentos acerca da questão em pauta, deve-se, ainda, trazer à baila excertos do pronunciamento do Ministro Joaquim Barbosa, relator do HC 84.025-6/RJ:

 Em se tratando de feto com vida extra-uterina inviável, a questão que se coloca é: não há possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno, pois, qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento que se interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser considerada crime? Entendo que não, Sr. Presidente. Isso porque, ao proceder à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher, entendo que, no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas, seu sentimento pessoal.

Nesse sentido, também, se colaciona a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:


AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. GRAVIDEZ. INTERRUPÇÃO. MÁ FORMAÇÃO DO FETO. CONSTATAÇÃO TÉCNICA E MÉDICA DE VIDA INVIÁVEL. APELO DA MÃE A QUE SE DÁ PROVIMENTO.


O fato da ausência de previsão autorizativa para o aborto no art. 128 do CP não impede que o Judiciário analise o caso concreto e o resolva à luz do bom senso e da dignidade humana, preocupando-se com a saúde da própria mãe. Havendo constatação médica de inviabilidade de vida pós-parto, dada a ausência de calota craniana no feto - anencefalia - o Judiciário deve autorizar a interrupção da gravidez até como medida de prevenção profilática à genetriz.


PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO QUE APRESENTA ANENCEFALIA. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA EXTRA-UTERINA Nos dias atuais, com os avanços tecnológicos aplicados, especialmente, às áreas médica, radiológica, biológica e genética, pode-se detectar toda a situação do feto, como no caso dos autos, em que se constatou a ocorrência de má-formação fetal, consistente em defeito de fechamento do tubo neural proximal, com conseqüente ausência de formação da calota craniana e atrofia da massa encefálica. Nesse sentido, considero viável e oportuna uma interpretação extensiva do disposto no art. 128, I, da Lei Penal, admitindo o aborto em decorrência de má formação congênita do feto (anencefalia), evitando-se, dessa forma, a amargura e o sofrimento físico e psicológico, considerando que os pais já sabem que o filho não tem qualquer possibilidade de vida 'extra-uterina'. Deve ser afastado o entendimento de que o cumprimento da decisão de antecipação do parto está sujeito a avaliação que o médico vier a fazer. V.v.: Expedindo-se o pretendido alvará, os médicos assistentes da requerente é que verificarão a conveniência e a oportunidade da operação.

Como se divisa, na doutrina e jurisprudência trazidos à lume, sobressai em situações angustiantes como a que se descortina nos autos a necessidade de impingir efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa do Brasil, do qual emanam todos os demais postulados consagrados na Carta Política.


Finalmente, impende gizar que é preciso compreender a dignidade humana em seus múltiplos aspectos, de forma a garantir um mínimo de direitos fundamentais capazes de proporcionar uma vida com dignidade. Sendo assim, devem os operadores do direito orientar-se no sentido da concretização do princípio em comento, referência ética que tem absoluta prioridade.  

DISPOSITIVO


ANTE O EXPOSTO e tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO autorizando a interrupção terapêutica da gestação da Requerente, a ser realizada por médico(s) habilitado(s) para tal desiderato, em Hospital  indicado pela mesma.


Expeça-se o alvará para os fins consignados.


P.R.I.


Ipatinga, 06 de abril de 2010.



MARIA APARECIDA DE O. GROSSI ANDRADE

Juíza de Direito

retirado do site do IBDFAM