Antecipação terapêutica de parto - Feto anencéfalo - Gravidez de  risco - Procedência do pedido        
AUTORIZAÇÃO PARA ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DE PARTO 
Requerente: V.S.R.B.S.
VISTOS, etc.
V. S. R. B. S., qualificada nos autos, requer autorização judicial  para a interrupção da gestação de feto anencéfalo, de alto risco, com  "Doença Hipertensiva Específica da Gestação", com picos hipertensivos  superiores a 140/100 mmHg, já no início da gravidez, comprovada por  exame Holter, edema, histórico de pré-eclampsia em gestação anterior e  outros sintomas. 
Sustenta a Requerente que conforme o relatório médico incluso na f.  20, tratando-se de gestação de feto anencéfalo, assomam outras  complicações durante a gravidez, às quais a gestante está sujeita como:  prolongamento da gestação além de 40 semanas; associação com  polihidrâmnio, com desconforto respiratório, estase venosa, edema de  membros inferiores; associação com vasculopatia periférica de estase;  alterações comportamentais e psicológicas; dificuldades obstétricas e  complicações no desfecho do parto de anencéfalos de termo (parto entre  38 e 42 semanas de gestação, tempo considerado normal); necessidade de  bloqueio da lactação; puerpério com maior incidência de hemorragias  maternas por falta de contratilidade uterina, que é a segunda causa de  morte materna no Brasil e maior risco de infecções pós-cirúrgicas devido  às manobras obstétricas do parto de termo. 
 Aduz, também, que conforme o relatório sobredito, firmado pela Dra.  Valéria Cristina A. Ferrer, CRM-MG 39.389, médica ginecologista e  obstetra que lhe acompanha, além dos riscos citados, a Requerente sofre  com o enorme desgaste emocional, vivido em razão da dita anomalia, o que  atinge o seu bem estar físico, mental e psicológico, afetando assim a  sua saúde, a qual termina o seu relato com a indicação da interrupção  terapêutica da gestação, que traduz o desejo tanto da requerente como  também de seu esposo, após exaustiva explicação do caso e pesquisa sobre  o assunto e seus riscos. 
Com a inicial juntou-se farta prova documental consistente no  relatório precitado, incluso na f. 20, quatro exames ultrassonográficos,  realizados por diferentes médicos obstetras (fls. 59/62), todos com  diagnóstico de anencefalia fetal, exames laboratoriais, declaração do  marido da Requerente anuindo à interrupção terapêutica da gravidez  pretendida por essa (f. 19), documentos médicos da gestação anterior e  outros. 
O Ministério Público manifestou-se em substancioso parecer, incluso  nas fls. 64/79, opinando pelo deferimento do pedido para que seja  autorizada a antecipação terapêutica do parto solicitado, a ser feita  por médico competente.
É a síntese do necessário. 
FUNDAMENTAÇÃO 
Trata a espécie de procedimento de jurisdição voluntária visando a  obtenção de alvará judicial autorizando a interrupção de gravidez  inviável de feto anencéfalo, com alto risco de vida para a Requerente e  danos irreparáveis à sua saúde emocional, mental e psicológica. 
A Requerente submeteu-se a quatro exames de ultrassonografia sendo o  primeiro realizado em 09/03/2010 na Clínica São Judas Tadeu, em  Ipatinga, estando aquela com 14 semanas de gravidez, no qual a Dra.  Sandra Mara S. Pimenta constatou o seguinte: "ausência de calota  craniana com estroma angiomatoso cefalicamente à base do crânio,  indicativo de anencefalia" (f. 59). 
Em 10/03/2010, a Requerente submeteu-se a outro exame na Clínica de  Diagnóstico por Imagem, Ecolab, nesta cidade, estando com 14 semanas e  um dia de gravidez, cujo resultado atestado pela Dra. Jussara Coelho  Nogueira Morais revela a "ausência de calota craniana indicativa de  anencefalia." (f. 60) 
No dia 12/03/2010 novo exame foi realizado na Clínica São Judas  Tadeu, estando a Requerente com 14 semanas e três dias de gravidez,  tendo o Dr. Júlio César Faria Couto constatado: "observa-se ausência de  calota craniana com exposição de matéria amorfa sobre a base do cérebro  correspondendo ao encéfalo em degeneração, quadro compatível com  anencefalia" (f. 61). 
Por último, em 17/03/2010, a Requerente fez idêntico exame na Clínica  Cid Ultrassom, também localizada em Ipatinga, tendo sido constatado  pelo Dr. Emílio Gomes Fernandes, igualmente: "ausência de calota  craniana sugerindo anencefalia" (f. 69). 
 Juntou-se, também, na f. 20, circunstanciado relatório médico  firmado pela Dra. Valéria Cristina A. Ferrer, já citada, datado de  19.03.2010, atestando que a Requerente está com quinze semanas de  gestação, tendo realizado quatro exames ultrassonográficos "com  diagnóstico de anencefalia fetal, má-formação irreversível, incurável e  incompatível com a vida"... Ao final a referida médica "solicita junto à  paciente autorização para a interrupção terapêutica da gestação,  consignando ser esse o desejo da paciente e seu esposo, após exaustiva  explicação do caso e pesquisa sobre o assunto e seus riscos". 
A declaração da Dra. Valéria, médica ginecologista e obstetra, se  embasa nos exames ultrassonográficos acima nomeados, diagnosticando  anencefalia fetal na gestação em foco, ante a ausência de calota  craniana irreversível, incurável e incompatível com a vida, ocasionando  intenso sofrimento à Requerente, com o enorme desgaste emocional, vivido  em razão da dita anomalia, o que atinge o seu bem estar físico, mental e  psicológico, afetando assim a sua saúde. 
Como se percebe, a situação trazida a lume é angustiante, diante da  constatação técnica e médica de vida inviável, tratando-se de matéria  altamente complexa, fundada, essencialmente, no princípio da dignidade  da pessoa humana, consagrado no art. 1º, inc. III, da Constituição da  República, no direito à preservação da autonomia da vontade, na  liberdade, legalidade e no direito à saúde, tendo pertinência com os  direitos humanos que asseguram à gestante a liberdade de prosseguir ou  interromper a gravidez na hipótese de anencefalia fetal, com alto risco  de vida para a mesma, como no caso em tela.  
Pelo que se infere da prova documental carreada aos autos, a gravidez  da Requerente está acarretando várias complicações para a sua saúde,  que já no início apresenta "picos de hipertensivos superiores a 140/100  mmHg", edema e outros sintomas, o que se agrava, também, pelo fato  daquela ser obesa e ter histórico de pré-eclampsia na gestação anterior.  
Urge consignar que perfilho o entendimento no sentido de que a  interrupção terapêutica da gravidez de feto anencéfalo, com alto grau de  risco de vida para a gestante, não se trata de aborto, já que nenhuma  correlação tem com a figura delitiva tratada no Código Penal Brasileiro.  Diferentemente da questão tratada nos autos - fundada em diagnóstico de  anencefalia, onde a gestação é desejada, não sendo fácil e nem tampouco  leviana a opção pela sua interrupção -, quando há a opção da mulher  pela realização do aborto, objetiva-se extirpar algo que não é querido. 
Neste cenário convém trazer à colação o posicionamento do  constitucionalista Luís Roberto Barroso, subscritor da petição inicial  da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54/04), proposta  pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, Entidade  que defende os direitos e interesses dos profissionais da saúde no país,  que entende como legal a interrupção da gravidez em casos de fetos  portadores de anencefalia. 
O renomado publicista averba que a permanência do feto anômalo no  útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde da  gestante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos  intra-uterinos de fetos anencéfalos. Assim, a antecipação do parto nessa  hipótese constitui indicação terapêutica médica, sendo exclusivamente a  única possível e eficaz para o tratamento da gestante, já que para tal  situação não há possibilidade de reversão. 
O argumento para a apresentação da Ação de Descumprimento de Preceito  Fundamental, em comento, destaca que princípios constitucionais  fundamentais, como o direito à saúde, à dignidade e à liberdade, estavam  sendo ameaçados por uma interpretação errônea de que a antecipação do  parto em casos de anencefalia constituía crime de aborto, já que o  Código Penal Brasileiro não autoriza expressamente este tipo de  antecipação de parto. 
Em 1º de julho de 2004, o Ministro Marco Aurélio Mello, acolhendo a  tese esposada na referida ação, concedeu a liminar autorizando que  mulheres grávidas de fetos portadores de anencefalia possam antecipar o  parto, desobrigando os profissionais da saúde de obterem autorização  judicial para realizar os procedimentos clínicos necessários,  sustentando que "a interrupção terapêutica da gravidez do feto  anencefálico não configura aborto, para o qual o pressuposto é que haja  viabilidade de vida, o que não existe devido à ausência de  cérebro."<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> 
Releva assinalar que a decisão supracitada, gerou vultosos protestos,  principalmente por parte da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil  (CNBB), sendo aquela cassada pelo plenário do STF em 20 de outubro de  2004, restabelecendo-se a proibição anteriormente vigente no ordenamento  jurídico penal acerca do aborto. Porém, o mérito da ADPF ainda não foi  julgado, estando a aludida ação em curso no Supremo Tribunal Federal. 
O Ministro asseverou em sua decisão que: "Diante de uma formação  irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos  tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples  inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para  fazê-los cessar."<!--[if  !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> 
Consoante a tese jurídica e ética defendida na ação sobredita, a  antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia não se trata do  crime de aborto previsto na lei penal. O aborto é considerado um crime  contra a potencialidade da vida do feto, algo inexistente no anencéfalo.  Não seria correto qualificar como crime de aborto a interrupção da  gestação de um feto sem viabilidade de vida. Por isso emprega-se o termo  antecipação terapêutica de parto para os procedimentos que apenas  antecipam o parto do feto, sem possibilidade de sobrevida extra-uterina.  
A ADPF em pauta se fundamenta nos princípios da dignidade, da  liberdade e do direito à saúde, pontuando que as mulheres grávidas de  fetos com anencefalia experimentam o luto antecipado por um filho que  sequer viverá, ferindo a dignidade da pessoa humana exigir que a  gestante experimente um sofrimento inútil e desproporcional em nome de  uma gravidez de feto inviável. 
Além disso, negar-lhe o acesso ao procedimento clínico para  interromper a gravidez não possui base legal, sendo um constrangimento  ilegal da autonomia da mulher, que viola o princípio da liberdade. O  direito à saúde foi considerado em sentido amplo abrangendo o bem-estar  psíquico, afetivo, físico e espiritual da gestante. 
A interrupção da gravidez no caso de feto com anencefalia, cabalmente  comprovada, estando a gestante correndo sério risco, como no caso em  exame, é uma necessidade. Não há o que se fazer para tornar viável a  vida do feto, portanto, a antecipação do parto deve ser entendida como  um procedimento terapêutico para resguardar e proteger a dignidade e a  integridade física e mental da mulher. 
Por outro lado, impende assinalar que o aborto é autorizado em casos  de risco de vida para a mulher e em casos de gravidez resultante de  estupro. Estes dois permissivos legais foram previstos pelo Código Penal  elaborado no século passado, na década de 40, ou seja, em uma época em  que o desenvolvimento da medicina não possibilitava a realização do  diagnóstico pré-natal com a segurança de hoje. 
 Ora, não se poderia exigir que o legislador do início do século  fosse capaz de prever o avanço da medicina e das técnicas de diagnóstico  por imagem, capazes de diagnosticarem a anencefalia, má-formação fetal  cujos efeitos são inafastáveis, sendo absolutamente inviável e desumano o  prolongamento da gestação. 
Para se promover a verdadeira justiça é de fundamental importância  realizar a adaptação do ordenamento jurídico às técnicas medicinais  advindas com a evolução do tempo, mesmo porque o direito não é algo  estático, inerte, mas sim uma ciência dinâmica, que deve se adequar à  realidade.
É importante consignar que a gravidez de um feto anencéfalo é  considerada uma tortura por infligir à gestante incomensuráveis  sofrimentos físicos e mentais, a qual não pode ser forçada a manter a  gestação até o final, arriscando a sua própria vida, sabendo que o  resultado morte do filho que carrega no ventre é imutável.
Sendo assim, o impedimento da interrupção da gravidez de feto  anencéfalo também é equiparado à tortura, que se configura sempre que há  violação, intencional, do direito de uma pessoa, causando-lhe dores ou  sofrimento agudo, físico ou psicológico, consubstanciado no impedimento  de todos os mecanismos legais para fazer uso de sua vontade visando à  preservação da própria vida.
A manifestação favorável do Estado-Juiz para a realização do  procedimento médico pretendido no caso vertente, traduz, acima de tudo, o  respeito à dignidade humana, pois a submissão da Requerente, com  gestação de feto anencéfalo, importa, como já se frisou iterativas  vezes, em violação do princípio sobredito, além de lhe impor o penoso  sofrimento pelo dilema entre encomendar um caixão para o filho que  carrega no ventre ou um berço acolhedor.
É preciso consignar que o posicionamento aqui defendido visa  resguardar o direito à vida e, mais do que isto, o direito a uma vida  digna, com esteio nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade  que fazem com que se opte por não fazer a mãe correr riscos para  preservar um ser que não tem cérebro, abreviando, portanto, o sofrimento  cruel e desumano de uma gestante de feto cujo resultado morte é  imutável.
Por outro lado, o enfrentamento de tão grave questão referente aos  direitos fundamentais da gestante, previstos na Constituição da  República, não podem estar condicionados à edição de lei ordinária, eis  que aqueles gozam de aplicabilidade imediata, nos termos do art. 5º, §  1º da Lei Maior.
Urge sublinhar, também, que a argumentação no sentido de que a  antecipação terapêutica do parto do anencéfalo configuraria a prática  nazista da eugenia (destinada a eliminar seres tidos como inferiores,  todos titulares de direitos) não se sustenta, na medida em que os  valores postos em relevo na antecipação do parto em apreço cingem-se à  vida e ao respeito à dignidade da gestante, que não pode ser submetida  ao calvário de uma gravidez inviável.
 O direito à vida, assegurado pelo artigo 5º da Constituição da  República, não é absoluto. Tanto é verdade que o próprio ordenamento  prevê expressamente exceções a ele em outras hipóteses, como ocorre  naquelas elencadas no art. 128 do Código Penal, consistentes na  existência de perigo de vida para a gestante ou feto concebido mediante  estupro ou atentado violento ao pudor.
Como se nota, há previsão expressa no antigo Código Penal para a  preservação de outros bens jurídicos em detrimento do direito à vida.  Neste cenário, não se pode compreender por qual razão se deveria  inviabilizar a interrupção do parto no caso do feto anencefálico se, da  mesma maneira, há risco para a vida da gestante, com patente violação da  sua integridade física e psíquica, e, ainda, inexiste possibilidade de  vida extra-uterina, ao contrário das hipóteses previstas na lei penal.
Em caso análogo, o Min. Arnaldo Esteves Lima, no julgamento do HC  56572/SP, publicado no DJ de 15.05.2006, salientou o seguinte:
Portanto, nesse momento, parece-me difícil discordar de quem defende  que a razão pela qual o Código Penal não autorizou o aborto nos casos de  anomalia fetal incompatível com a vida extra-uterina decorre apenas do  fato de que, à época de sua elaboração e edição (1940), a ciência médica  ainda não dispunha de instrumentos capazes de, antecipadamente, durante  a gestação, oferecer diagnósticos seguros sobre a existência de  anomalias fetais severas, que inviabilizam a vida após o parto, como no  caso em exame.
Portanto, diante de uma gestação de feto portador de anomalia  incompatível com a vida extra-uterina, como no caso dos autos, a indução  antecipada do parto não atinge o bem juridicamente tutelado, uma vez  que a morte desse feto é inevitável, em decorrência da própria  patologia.
 Em proposição idêntica, o insigne penalista Nélson Hungria, averbou  em lapidar lição:
O feto expulso (para que se caracterize o aborto) deve ser um produto  fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um  processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma  intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há [como]  falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida  possibilidade de continuação da vida do feto. Não está em jogo, a vida  de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente  vida própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se  resolvem unicamente contra a mulher.
 Sob outro ângulo, Guilherme de Souza Nucci em escólios ao Código  Penal averba:
Assim, baseando-se no fato de que algumas gestantes, descobrindo tal  fato, não se conformam com a gestação de um ser completamente inviável,  abrevia-se o sofrimento e autoriza-se o aborto. O juiz invoca, por  vezes, a tese de inexigibilidade de conduta diversa (causa supra legal  de exclusão de culpabilidade), por vezes a própria interpretação da  norma penal que protege a "vida humana" e não a falsa existência, pois o  feto só está "vivo" por conta do organismo materno que o sustenta. A  tese da inexigibilidade, nesse caso, teria dois enfoques: o da gestante,  não suportando carregar no ventre uma criança de vida inviável; o do  médico, julgando salvar a genitora de forte abalo psicológico que vem  sofrendo. A medicina, por ter meios, atualmente, de detectar tais  anomalias gravíssimas, propicia ao juiz uma avaliação antes impossível.  Até esse ponto, cremos ser razoável a invocação da tese de ser  inexigível a mulher carregar por meses um ser que logo ao nascer,  perecerá (...)
Se os médicos atestarem que o feto é verdadeiramente inviável, vale  dizer, é anencéfalo (falta-lhe cérebro), por exemplo, não se cuida de  'vida própria', mas de um ser que sobrevive à custa do organismo  materno, uma vez que a própria lei considera cessada a vida tão logo  ocorra a morte encefálica".
Pela relevância dos argumentos acerca da questão em pauta, deve-se,  ainda, trazer à baila excertos do pronunciamento do Ministro Joaquim  Barbosa, relator do HC 84.025-6/RJ: 
 Em se tratando de feto com vida extra-uterina inviável, a questão  que se coloca é: não há possibilidade alguma de que esse feto venha a  sobreviver fora do útero materno, pois, qualquer que seja o momento do  parto ou a qualquer momento que se interrompa a gestação, o resultado  será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do bebê. A antecipação  desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher  contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em sua  perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a  eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser  considerada crime? Entendo que não, Sr. Presidente. Isso porque, ao  proceder à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito,  a vida extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da  mulher, entendo que, no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da  mulher, deve prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo  que melhor representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e  religiosas, seu sentimento pessoal.
Nesse sentido, também, se colaciona a jurisprudência do Tribunal de  Justiça de Minas Gerais: 
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. GRAVIDEZ. INTERRUPÇÃO. MÁ FORMAÇÃO DO FETO.  CONSTATAÇÃO TÉCNICA E MÉDICA DE VIDA INVIÁVEL. APELO DA MÃE A QUE SE DÁ  PROVIMENTO. 
O fato da ausência de previsão autorizativa para o aborto no art. 128  do CP não impede que o Judiciário analise o caso concreto e o resolva à  luz do bom senso e da dignidade humana, preocupando-se com a saúde da  própria mãe. Havendo constatação médica de inviabilidade de vida  pós-parto, dada a ausência de calota craniana no feto - anencefalia - o  Judiciário deve autorizar a interrupção da gravidez até como medida de  prevenção profilática à genetriz.
PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO QUE  APRESENTA ANENCEFALIA. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS.  IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA EXTRA-UTERINA Nos dias atuais, com os  avanços tecnológicos aplicados, especialmente, às áreas médica,  radiológica, biológica e genética, pode-se detectar toda a situação do  feto, como no caso dos autos, em que se constatou a ocorrência de  má-formação fetal, consistente em defeito de fechamento do tubo neural  proximal, com conseqüente ausência de formação da calota craniana e  atrofia da massa encefálica. Nesse sentido, considero viável e oportuna  uma interpretação extensiva do disposto no art. 128, I, da Lei Penal,  admitindo o aborto em decorrência de má formação congênita do feto  (anencefalia), evitando-se, dessa forma, a amargura e o sofrimento  físico e psicológico, considerando que os pais já sabem que o filho não  tem qualquer possibilidade de vida 'extra-uterina'. Deve ser afastado o  entendimento de que o cumprimento da decisão de antecipação do parto  está sujeito a avaliação que o médico vier a fazer. V.v.: Expedindo-se o  pretendido alvará, os médicos assistentes da requerente é que  verificarão a conveniência e a oportunidade da operação.
Como se divisa, na doutrina e jurisprudência trazidos à lume,  sobressai em situações angustiantes como a que se descortina nos autos a  necessidade de impingir efetividade ao princípio da dignidade da pessoa  humana, fundamento maior da República Federativa do Brasil, do qual  emanam todos os demais postulados consagrados na Carta Política.
Finalmente, impende gizar que é preciso compreender a dignidade  humana em seus múltiplos aspectos, de forma a garantir um mínimo de  direitos fundamentais capazes de proporcionar uma vida com dignidade.  Sendo assim, devem os operadores do direito orientar-se no sentido da  concretização do princípio em comento, referência ética que tem absoluta  prioridade.   
DISPOSITIVO 
ANTE O EXPOSTO e tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O  PEDIDO autorizando a interrupção terapêutica da gestação da Requerente,  a ser realizada por médico(s) habilitado(s) para tal desiderato, em  Hospital  indicado pela mesma. 
Expeça-se o alvará para os fins consignados. 
P.R.I. 
Ipatinga, 06 de abril de 2010. 
MARIA APARECIDA DE O. GROSSI ANDRADE 
Juíza de Direito
retirado do site do IBDFAM
 
 
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