“Os HCTP são instituições asilares. Temos verdadeiros depósitos de doidos, o que é uma infelicidade. Não existe tratamento nenhum, é um lixo, uma porcaria. Você manter a pessoa com transtorno mental mais próxima da vida comum, da inclusão na sociedade, é o que melhor faz a ela. É o mais eficaz”, disse Barbosa, com exclusividade ao Última Instância.
De acordo com a atual legislação brasileira, pessoas com transtorno mental em conflito com a Lei são inimputáveis e não estão sujeitas, portanto, a atribuição de nenhuma pena por conta de possíveis crimes cometidos. Segundo o Código Penal, estes indivíduos estão sujeitos a medidas de segurança que atualmente os conduzem para a internação ou para o tratamento ambulatorial. No entanto, por conta do artigo 58 da Lei de Execuções Penais, as internações só podem ser realizadas em HCTPs.
Quarto de manicômio judiciário na região do Distrito Federal; Dados apontam violações de direitos humanos
“Internações hoje são feitas apenas em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, um nome bonito que se dá aos manicômios judiciários. A proposta que vamos levar para o Congresso Nacional é de que a medida de segurança seja feita sem internação em HCTP. A internação, quando necessária, deve ser feita exclusivamente na rede de atenção psicossocial do SUS (Sistema Único de Saúde). Com isso, nós estamos esperando extinguir os manicômios judiciários”, afirmou o subprocurador-geral.
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Sujeitos invisíveis
De acordo com o último censo dos manicômios judiciários brasileiros, realizado no ano de 2011, o país conta com 23 HCTPs e outras três alas de tratamento psiquiátrico localizadas em complexos penitenciários. Nestes estabelecimentos, estavam internados 3.989 indivíduos, dos quais 2.839 estavam em medidas de segurança, 117 em medida de segurança por conversão de pena e outros 1.033 em situação de internação temporária.
Esta pesquisa foi, até o momento, o primeiro e único esforço para realização de um levantamento sobre os manicômios judiciários no Brasil. Encomendado pelo Ministério da Justiça, o “A custódia e o Tratamento Psiquiátrico no Brasil – Censo 2011” foi coordenado pela antropóloga e professora da UnB (Universidade de Brasília), Débora Diniz.
“O maior objetivo deste estudo foi contar esta população. Ser contado é uma forma de existir e eles permaneciam invisíveis para as políticas públicas antes de serem contados. Com o estudo foi possível apresentar evidências de que o sistema não é capaz de garantir sequer as determinações legais sobre os direitos e proteções a essa população”, disse Débora, em entrevista ao Última Instância.
Dados levantados pelo estudo demonstram que ao menos 25% dos indivíduos em medidas de segurança nos HCTPs em 2011 não deveriam estar internados, seja por já terem a medida de segurança com a periculosidade cessada, por terem a sentença de desinternação, a medida de segurança extinta ou a internação sem processo judicial, ou mesmo por terem recebido alta ou desinternação progressiva da justiça.
Os números demonstram ainda que a população dos HCTPs é, em maioria, composta por sujeitos que já enfrentam maior situação de vulnerabilidade dentro da sociedade. A maior parte dos internos é formada por pardos e pretos (44%), possuem baixo nível de escolaridade, com 23% de analfabetos e 43% com nível fundamental incompleto, e exerciam profissões que exigem pouca qualificação técnica, como serviços administrativos ou trabalhos na área agropecuária, florestal e de pesca.
A pesquisa revela ainda graves violações dos direitos humanos. Cerca de 70% dos indivíduos em medida de segurança não haviam cometido nenhuma infração penal anterior antes de suas internações e poderiam ser considerados réus primários. Além disso, 41% desta população estava em atraso com a realização anual do exame de cessação de periculosidade. Entre a população temporária, 16 pessoas estavam internadas entre 11 e 30 anos.
Mais da metade da população em medida de segurança (56%) estavam internadas há mais tempo do que a pena mínima que poderiam ter sofrido se não fossem considerados inimputáveis. A tabela abaixo aponta as 10 maiores distorções neste sentido, com destaque para o indivíduo internado há 32 anos pelo crime de tentativa de furto.
“Uma vez que estes indivíduos entram em medida de segurança e esta é renovada indefinidamente, eles tornam-se invisíveis e desaparecem para toda uma estrutura de assistência em saúde de justiça que deveria cuidar deles. Ninguém quer saber do louco infrator, é como se ele realmente não existisse”, disse Débora.
Para a antropóloga, apesar de inimputáveis, a internação para estes indivíduos pode se transformar em uma pena. “Encontramos casos de 18 indivíduos internados há mais de 30 anos, o que considero um abandono perpétuo. As violações de direitos humanos, direitos sociais e direitos fundamentais evidenciadas com o censo são urgentes. Extinguir os manicômios judiciários pode ser um passo. Mas para onde essas pessoas serão levadas? Elas continuarão precisando de tratamento”, afirmou a professora da UnB.
Débora foi responsável pelo único censo dos manicômios judiciários realizado até hoje
Sancionada em 2001, a Lei 10.216, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, estabeleceu entre outras coisas que, o tratamento de pessoas com transtorno mental não poderia ser realizado em instituições asilares.Apesar de prever internações para casos extremos, a lei fruto do movimento antimanicomial no Brasil, determina que os indivíduos devem ser internados na própria rede do SUS. A lei veda internações em instituições asilares, como os manicômios judiciários.
“Os hospitais para loucos infratores resistiram à Reforma Psiquiátrica. Alguns foram inclusive inaugurados após a Lei 10.216. O Estado está descumprindo a lei”, disse Débora Diniz.
De acordo com o subprocurador-geral Oswaldo Barbosa, o Código Penal e a Lei de Execuções Penais preveem as internações de loucos infratores em Hospitais Psiquiátricos, o que cria uma contradição legal, um choque entre as leis. Ele destaca, no entanto, que o MPF (Ministério Público Federal), por meio de sua Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, já decidiu trabalhar em função da manutenção da Lei da Reforma Psiquiátrica.
“Para nós, é mais eficaz trabalhar em consonância com a lei 10.216. Do jeito que está hoje, o artigo 58 da Lei de Execução Penal (que trata dos Hospitais de Custódia), está batendo de frente com a Lei 10.216. Portanto, agora, no processo legislativo da mudança do Código Penal e da Lei de Execução Penal, nós vamos prestar nossa expertise para tentar que os parlamentares clarifiquem esta situação. Nós somos absolutamente favoráveis e temos o dever constitucional de fazer cumprir a lei 10.216”, disse Barbosa.
Em entrevista ao Última Instância, o psicólogo e membro da Coordenação Geral de Direitos Humanos e Saúde Mental da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Lúcio Costa revela que, após a realização de vistorias em HCTPs da região do Distrito Federal, a situação dos internos é muito preocupante. “Não existe nenhum projeto terapêutico individualizado. As pessoas ficam absolutamente dopadas pelos medicamentos e só. É uma situação de abandono”, disse.
O psicólogo contou ainda que, no último dia 12 de dezembro, a CIT (Comissão Intergestores Tripartite), que reúne gestores federais, estaduais e municipais do SUS, aprovou uma resolução para a construção de um programa de atendimento para pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. A portaria, entretanto, ainda não foI publicada.
do site Ultima instância
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