Qui, 21 de Março de 2013 |
Com base em aspectos éticos, epidemiológicos, sociais e jurídicos, as entidades
defendem a manutenção do aborto como crime, mas acham que a lei deve rever o
rol de situações onde há exclusão de ilicitude
O Conselho Federal de Medicina (CFM) e os 27 conselhos regionais de medicina (CRMs)
deliberaram, por maioria, posicionamento das entidades componentes deste sistema, que
representa 400 mil médicos brasileiros, com respeito à ampliação dos excludentes de ilicitudes
penais em caso de interrupção da gestação. “É importante frisar que não se decidiu
serem os Conselhos de Medicina favoráveis ao aborto, mas, sim, à autonomia da mulher
e do médico. Neste sentido, as entidades médicas concordam com a proposta ainda
em análise no âmbito do Congresso Nacional”, esclareceu o presidente do CFM, Roberto
Luiz d’Avila. Segundo ele, os Conselhos de Medicina são contrários ao aborto, que continua
a ser crime.
Diante do exposto, o CFM e os 27 CRMs expressam o entendimento alcançado, ressaltando
que entendimentos distintos devem ser respeitados, como se espera num Estado
Democrático de Direito. Espera-se, dessa forma, contribuir para o avanço desse
debate no âmbito do Congresso, de forma específica, e na sociedade, sempre com a
preocupação de qualificar o exercício da Medicina e melhorar a qualidade da assistência em
saúde oferecida aos brasileiros.
Este tema está sendo tratado no âmbito da Reforma do Código Penal Brasileiro
(PLS 236/2012), atualmente em tramitação no Congresso Nacional. A decisão dos Conselhos
de Medicina foi tomada por meio dos representantes das entidades que participaram do
I Encontro Nacional de Conselhos de Medicina 2013, realizado de 6 a 8 de março,
em Belém (PA). As conclusões serão encaminhadas oportunamente à Comissão do
Senado responsável pela elaboração do projeto.
Pelo entendimento dos Conselhos, com a aprovação dos pontos propostos pela Reforma do
Código Penal não haverá a chamada descriminalização do aborto. O que serão criadas são
“causas excludentes de ilicitude”. Ou seja, somente nas situações previstas no projeto em
tramitação no Congresso a interrupção da gestação não configurará crime. Atos praticados
fora desse escopo deverão ser penalizados.
Por maioria, os Conselhos de Medicina concordaram que a Reforma do Código Penal, que
ainda aguarda votação, deve afastar a ilicitude da interrupção da gestação em uma das
seguintes situações: a) quando “houver risco à vida ou à saúde da gestante”; b) se “a
gravidez resultar de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de
técnica de reprodução assistida”; c) se for “comprovada a anencefalia ou quando o feto
padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos
os casos atestado por dois médicos”; e d) se “por vontade da gestante até a 12ª semana da
gestação”.
Debate – Para chegar a este posicionamento, os Conselhos de Medicina se debruçaram
sobre o tema durante vários meses. Foram ouvidos representantes de diferentes segmentos
e analisados inúmeros estudos e contribuições. Aspectos éticos e bioéticos; epidemiológicos
e de saúde pública; sociais; e jurídicos foram avaliados. Representantes de grupos
religiosos também foram chamados a colaborar, apresentando seu ponto de vista. Este
conjunto de contribuições levou ao posicionamento adotado.
Do ponto de vista ético, entendeu-se, por maioria, que os atuais limites excludentes da
ilicitude do aborto previstos no Código Penal de 1940, os quais vêm sendo respeitados
pelas entidades médicas, são incoerentes com compromissos humanísticos e humanitários,
paradoxais à responsabilidade social e aos tratados internacionais subscritos pelo governo
brasileiro.
Para os Conselhos, a rigidez dos princípios não deve ir de encontro às suas finalidades.
Neste sentido, deve-se ter em mente que a proteção ao ser humano se destaca como
apriorístico objetivos moral e ético. Tais parâmetros não podem ser definidos a contento
sem o auxílio dos princípios da autonomia, que enseja reverência à pessoa, por suas opiniões
e crenças; da beneficência, no sentido de não causar dano, extremar os benefícios e minimizar
os riscos; da não maleficência; e da justiça ou imparcialidade, na distribuição dos riscos e
benefícios, primando-se pela equidade.
Com relação aos aspectos epidemiológicos e de saúde pública, concluiu-se que a prática
de abortos não seguros (realizados por pessoas sem treinamento, com o emprego de
equipamentos perigosos ou em instituições sem higiene) tem forte impacto sobre a Saúde Pública.
No Brasil, o abortamento é uma importante causa de mortalidade materna no país, sendo evitável
em 92% dos casos. Além disso, as complicações causadas por este tipo de procedimento
realizado de forma insegura representam a terceira causa de ocupação dos leitos obstétricos
no Brasil. Em 2001, houve 243 mil internações na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) por
curetagens pós-abortamento.
No campo social, levou-se em consideração as estatísticas de morbidade e mortalidade da
mulher em decorrência de práticas inseguras na interrupção da gestação são ainda maiores
devido à dificuldade de acesso à assistência adequada, especialmente da parcela menos
favorecida da população. Na avaliação dos Conselhos, esse aspecto agrega a dimensão
social ao problema, que lança no limbo um segmento importante de mulheres que acabam
perdendo a vida ou comprometendo sua saúde por conta de práticas sem o menor cuidado.
Finalmente, na esfera jurídica, entende-se que a proposta de alteração do Código Penal
estabelecida no PLS 236/2012 - NÃO IRÁ DESCRIMINALIZAR O ABORTO. A conclusão
dos Conselhos de Medicina é de que com a aprovação desse projeto o crime de aborto
continuará a existir, apenas serão criadas outras causas excludentes de ilicitude. Ou seja.
Portanto, somente nas situações previstas no projeto em tramitação no Congresso que a
interrupção da gestação não configurará crime.
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quinta-feira, 21 de março de 2013
Conselhos de Medicina se posicionam a favor da autonomia da mulher em caso de interrupção da gestação
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